Os diplomatas brasileiros começam a tornar público um episódio constrangedor ao governo dos Estados Unidos. Na semana passada, chegou ao conhecimento do Itamaraty uma correspondência privada destinada a dois senadores republicanos. Assinada por um grupo de nove ex-secretários-adjuntos para o Hemisfério Ocidental – o mais alto cargo na estrutura do Departamento de Estado para as Américas – eles cobram uma definição na indicação de Thomas Shannon para ocupar o cargo de embaixador no Brasil.
A carta afirma que as relações entre os dois países caminham para um futuro incerto sem a presença de um representante norte-americano no Brasil, e que isso afeta diretamente as relações políticas e até os negócios. “É um insulto ao Brasil dizer a eles que não são importantes o suficiente para terem um embaixador como qualquer outro país desenvolvido”, ataca o ex-secretário Bernard McConnel, que serviu aos governos de George W. Bush e Bill Clinton, entre 1989 e 1993.
Um dos trechos mostra explicitamente a preocupação econômica com a demora. Nele, os ex-secretários afirmam que os Estados Unidos correm “sério risco de perder a bilionária negociação, ora em curso, sobre a aquisição de caças para equipar a Força Aérea Brasileira”. A consequência, ainda de acordo com o relato dos americanos, é a perda de milhares de empregos. “O projeto FX2 não está atrelado à presença de um embaixador no Brasil, mas é claro que uma figura dessas influencia e agiliza as negociações”, concorda um diplomata brasileiro que trabalha na coordenação de assuntos dos Estados Unidos. O projeto FX2 é estimado em US$ 7,5 bilhões.
Desculpas
A indicação de Thomas Shannon (foto acima ao lado de Zelaya) está travada no Senado americano desde 21 de julho. Inicialmente, a rejeição foi manifestada pelo senador John DeMint, que alegava problemas em relação à política americana para Honduras. O impasse durou até que outro senador, desta vez o suplente George LeMieux, também alegasse desconfianças, mas desta vez envolvendo as relações com Cuba.
“O curioso nas desculpas que eles apresentam é que elas nunca envolvem diretamente o Brasil, mas outros países latino-americanos”, afirma Eduardo Viola, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. “A verdade é que alguns estados americanos, em especial Flórida e Iowa, estão temerosos com o Brasil”.
Iowa é, de fato, um dos maiores obstáculos do Brasil na relação com os Estados Unidos. Não raro, os dois senadores do estado atacam as declarações do presidente Barack Obama envolvendo o etanol de cana brasileiro. O estado é o maior produtor de etanol de milho dos Estados Unidos e o lobby exercido pelos fazendeiros é considerado um dos mais poderosos do congresso americano. Na Flórida não é diferente. Foram os senadores do estado que impuseram o maior número de restrições à importação de produtos agrícolas brasileiros, especialmente frutas.
A falta de um embaixador também traz dividendos políticos. Sob o comando temporário da secretária Lisa Kubiske, a embaixada americana no Brasil viu sua agenda de trabalho ser reduzida.
Desde o final do ano passado, quando o então embaixador Clifford Sobel ainda despachava em Brasília, o Departamento de Estado preparava uma visita de Obama a Lula. O encontro, no entanto, nunca pode ser marcado porque quem cuida dos procedimentos oficiais é justamente o embaixador. Outro episódio embaraçoso foi a carta enviada por Obama a Lula na qual o presidente americano demonstrava insatisfação com a visita do iraniano Mahmoud Ahmadinejad ao Brasil. Com um representante por aqui, essa manifestação seria feita pelos canais diplomáticos.
Reciprocidade
Thomas Shannon é visto com muita simpatia pelos diplomatas brasileiros. Afável e conhecedor dos problemas internos daqui, é o maior interlocutor do Brasil no Departamento de Estado. Até mais que a própria secretária Hillary Clinton. Mas nem isso servirá como justificativa para evitar um contra-ataque.
Mauro Vieira, atual embaixador em Buenos Aires, já teve seu nome aprovado pelo governo americano para ocupar a representação em Washington. Mas até que Shannon seja liberado pelo Senado, a bucólica residência da Thomas Jefferson Street ficará vaga. “Essa é a única maneira que temos para pressionar pelo restabelecimento de uma relação de alto nível”, justifica o diplomata brasileiro.
Fonte: Último Segundo
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