Imagens mostradas pelo Departamento de Estado dos EUA mostram como Osama bin-Laden, o chefe da al-Qaeda, era em abril de 1998 (à esq.) e, em duas projeções digitais, como ele estaria hoje (nas versões com barba curta e comprida. O paradeiro do acusado de planejar os atentados do 11 de Setembro continua desconhecido, quase nove anos depois. (Foto: AP)
Há quase uma década, Osama bin Laden e seus seguidores assombraram o mundo com seus ataques simultâneos nos Estados Unidos. O ataque de 11 de setembro de 2001, planejado em vários países, matou mais de 3 mil pessoas, envolveu 20 agentes e custou, segundo fontes de contraterrorismo, mais de meio milhão de dólares.
Hoje, chefes de inteligência nas capitais ocidentais duvidam que a Al Qaeda possa realizar um ataque dessa escala. Seus principais seguidores foram atingidos no Afeganistão e nas áreas tribais na fronteira paquistanesa, enquanto os recursos das agências de inteligência nacionais foram reforçados para combater a ameaça do jihadismo em todo o mundo.
Mas uma série de ataques recentes renovou a preocupação de que, mesmo com bin Laden e seu grupo enfraquecidos, a marca Al Qaeda está viva e bem. Além de continuar encontrando simpatizantes ativos e dispostos em muitos lugares ao redor do mundo. "A luta contra o terrorismo definirá a presidência de Obama", afirma especialista.
Alguns dos eventos que provocaram um novo debate a respeito da escala da ameaça jihadista estão espalhados há semanas pelas primeiras páginas dos jornais. No Natal, Umar Farouk Abdulmutallab, um estudante nigeriano de 23 anos, teria chegado perto de explodir um voo da Northwest Airlines sobre Detroit. Em 30 de dezembro, Humam Khalil Abu-Mulal al Balawi, um informante da CIA de 36 anos com laços com a Al Qaeda, explodiu sete agentes da companhia na cidade afegã de Khost, em uma das operações mais notáveis contra a inteligência americana em muitos anos. Em 1º de janeiro, um somali invadiu a residência de Kurt Westergaard e quase o matou em vingança pela forma como Westergaard retratou o profeta Maomé em charges de jornal em 2005.
Estes não são os únicos eventos que provocaram a ansiedade. Ao longo de 2009, promotores federais indiciaram 54 pessoas por atos terroristas dentro dos Estados Unidos, mais do que em qualquer ano desde 2001, segundo números publicados na segunda-feira. Muitos desses atos parecem ter sido perpetrados por cidadãos americanos que também são muçulmanos. "Os Estados Unidos sempre tenderam a ver o terror islâmico como um problema originado 'lá fora'", diz sir Paul Lever, ex-presidente do comitê conjunto de inteligência britânico. "Eles agora estão descobrindo que também é um problema doméstico e isso está deixando as pessoas preocupadas".
Muitos especialistas em terrorismo atualmente minimizam a ideia de que o movimento jihadista global é movido poderosamente em qualquer nível por bin Laden e seus seguidores, operando a partir das áreas tribais paquistanesas. Apesar de bin Laden ainda ter uma enorme influência ideológica sobre os extremistas islâmicos, especialistas argumentam que a Al Qaeda se fragmentou ao longo dos anos em uma variedade de movimentos regionais desconectados, com pouco contato um com o outro.
O nome "agora é apenas um rótulo genérico para um movimento que parece visar o Ocidente", diz Marc Sageman, um psiquiatra que há muito estuda as redes terroristas. "Não há uma organização superior. Nós gostamos de criar uma entidade mítica chamada Al Qaeda em nossas mentes, mas não é a realidade com a qual estamos lidando".
Outros, entretanto, ainda a veem como uma rede integrada que é fortemente liderada a partir das áreas tribais paquistanesas e que tem um propósito estratégico poderoso. Bruce Hoffman, um especialista em terrorismo da Universidade de Georgetown, está entre aqueles que interpretam a Al Qaeda dessa forma. "Me surpreende que as pessoas não pensem que há um adversário claro lá fora, e que nosso adversário não tenha uma abordagem estratégica", afirma.
O professor Hoffman vê os ataques em Khost e Detroit como golpes sérios contra os Estados Unidos, deferidos por uma rede que está encontrando nova vitalidade. "Francamente, a ameaça da Al Qaeda é mais séria hoje do que em qualquer momento desde 2001".
Qual dessas visões da Al Qaeda - uma organização fraca e fragmentada ou uma rede fortemente integrada - é a mais próxima da realidade? Não há dúvida de que o jihadismo global tem o que a Statfor, uma empresa de inteligência global com sede nos Estados Unidos, chama de 'três entidades distintas'.
Primeiro, há o núcleo da Al Qaeda no Waziristão, nas áreas tribais paquistanesas na fronteira com o Afeganistão. Fontes de contraterrorismo ocidentais não têm dúvida de que bin Laden está vivo e cercado por duas centenas de associados, guarda-costas e mediadores. Também há um amplo consenso de que este grupo central está sob imensa pressão dos ataques americano com aeronaves não-tripuladas e da ofensiva do exército paquistanês no sul do Waziristão. "A Al Qaeda central foi eviscerada, suas capacidades foram reduzidas", disse John Brennan, o principal consultor em contraterrorismo do presidente Barack Obama, em uma recente entrevista. "Ele está concentrada em tentar assegurar sua segurança e em não ser atingida no norte do Paquistão, o que felizmente ajudou a distrai-la de suas atividades terroristas".
Mesmo assim, Brennan alertou que o núcleo da Al Qaeda "mantém sua capacidade de realizar ataques" e não deve ser subestimada. Bruce Riedel, que presidiu uma revisão do Afeganistão e Paquistão para o governo Obama no ano passado, concorda. Ele diz que ficou impressionado com a capacidade do núcleo do grupo de realizar o ataque em Khost contra os agentes da CIA.
"Nós aumentamos a pressão sobre eles ao longo do ano passado e, em vez de dobrar, eles contra-atacaram", diz. O pequeno tamanho do núcleo também é enganador. "A facção do Exército Vermelho na Alemanha nunca teve mais que 25 pessoas", diz o professor Hoffman, "mas ela conseguiu aterrorizar o povo alemão por mais de um quarto de século".
Apesar da manutenção de grande parte de seus foco no núcleo da Al Qaeda, as agências de inteligência também têm, há algum tempo, olhado para o segundo principal motor do jihadismo: os grupos regionais que operam em vários países, principalmente no Iêmen, Somália, e Marrocos e Argélia. Algumas fontes de inteligência acreditam que o núcleo do movimento está em contato com estes grupos e lhes fornece assistência. Há relatos, por exemplo, de que os líderes na região do Afeganistão e Paquistão ordenaram que seus seguidores viajassem para o Iêmen no ano passado. O que não há dúvida é que o ataque fracassado no Natal ressaltou quão importantes esses grupos estão se tornando.
O Iêmen é o país que está mais claramente sob os holofotes no momento. O ataque fracassado no Natal foi o primeiro contra um alvo ocidental fora do país pelo qual o grupo jihadista iemenita - Al Qaeda na Península Árabe - reivindicou responsabilidade. O ataque ressaltou a forma como a AQPA cresceu no ano passado, em consequência da fusão entre as afiliadas saudita e iemenita da Al Qaeda - o grupo conta agora com mais de 300 jihadistas. Uma das coisas que também choca os especialistas em contraterrorismo é a velocidade com que Abdulmutallab aparentemente se radicalizou e foi treinado pela AQPA ao longo de 2009.
Os governos ocidentais também não estão tirando seus olhos de outras regiões. A ameaça da Somália é vista com crescente preocupação. O faccionalismo dentro da Somália continua atrapalhando o grupo jihadista local, o Al Shabaab, que está preocupado principalmente em lutar contra o fraco governo local. Mas alguns analistas de inteligência acreditam que o Al Shabaab poderia se fixar de forma significativa no país, de onde treinaria militantes. Também há preocupação de que extremistas ligados à Al Qaeda estejam migrando para os vastos territórios do Saara no sul da Argélia, Mauritânia, Mali e Níger, áreas remotas onde a ausência de qualquer controle real do Estado permite que construam um novo refúgio onde possam se reunir e treinar.
A terceira camada do movimento jihadista é, de algumas formas, a mais difícil de analisar. Este é o movimento de base que envolve milhares de muçulmanos por todo o mundo, que são inspirados pela Al Qaeda e suas franquias regionais, mas têm pouca conexão direta com esses grupos.
Nos Estados Unidos, o crescimento da militância entre os muçulmanos americanos é uma das maiores preocupações dos chefes de contraterrorismo nos últimos meses. Após o 11 de Setembro, os autores de políticas americanas presumiram que, dada a força da integração em seu país, havia uma ameaça bem menor de um terrorismo de origem doméstica nos Estados Unidos do que na Europa.
Entretanto, eventos em 2009 levantaram novas dúvidas a respeito disso. O major Nidal Malik Hasan será julgado pelo massacre que realizou na base do exército de Fort Hood, no Texas, em uma operação supostamente inspirada por um pregador islâmico. Najibullah Zazi, um afegão residente nos Estados Unidos, foi preso no ano passado por supostamente planejar um ataque em Nova York. David Headley, de Chicago, foi acusado de ajudar nos ataques de 2008 em Mumbai.
Especialistas em contraterrorismo nos Estados Unidos estão debatendo porque esta enxurrada de ataques de origem interna repentinamente teve início, mas ainda não chegaram a uma resposta. Alguns minimizam esse aparente aumento, dizendo que os planos não têm ligação evidente uns com os outros e pouco em comum, fora sua aparente motivação ideológica. Mas uma autoridade ocidental de contraterrorismo alerta que a perspectiva de um aumento significativo na ação militar americana no Afeganistão, neste ano, poderia levar a uma radicalização de mais muçulmanos americanos, e que o fenômeno precisa ser monitorado.
Apesar dessas expressões de alarme, muitos especialistas alertam que o maior problema com a abordagem do Ocidente em relação à Al Qaeda é o grau com que a ameaça terrorista é exagerada toda vez que um ataque acontece. Sageman insiste que os extremistas islâmicos estão atualmente recorrendo à violência por desespero, da mesma forma que a esquerda radical europeia recorreu brevemente ao extremismo, como o Baader-Meinhof e as Brigadas Vermelhas, nos anos 70.
"Todas essas coisas são ações de indivíduos que estão cada vez mais desesperados e fragmentados", afirma. "O apelo da jihad está diminuindo, a ideologia tem menos tração no mundo muçulmano, os ideólogos desistiram. O que podemos estar vendo são os últimos suspiros de um movimento à beira da morte".
Outros dizem que, apesar da Al Qaeda estar sob imensa pressão, ela mudará e adotará táticas totalmente diferentes. Sir David Omand, um ex-coordenador de inteligência do gabinete britânico, diz que ela se encontra em um momento de mutação estratégica e que claramente fracassou em atingir os objetivos que estabeleceu para si mesma no início da década anterior. "Mas suas táticas poderão adquirir novas formas", confirma.
"Se você olhar para a história do IRA no Reino Unido, ele inicialmente se concentrava em realizar atentados a bomba com vítimas em massa, para chamar a atenção para sua causa. Mas quando seus integrantes se desesperaram, eles mudaram de direção e passaram ao assassinato e tiroteios. Isso não produziu o dividendo, então eles tentaram grandes atentados a bomba nos centros da cidades, para causar o máximo dano comercial, em uma tentativa de causar uma pressão política".
No final, entretanto, a preocupação que muitos especialistas em contraterrorismo tem é a natureza assimétrica da luta entre os governos e o jihadismo. "Não há dúvida de que a Al Qaeda hoje está mais fraca do que era e que o movimento criado por bin Laden é fragmentado e sofreu grandes reveses na Arábia Saudita e no Iraque", diz um funcionário de um governo europeu. "Entretanto, a opinião pública ocidental se espanta com qualquer baixa provocada por um ato terrorista. Os terroristas de hoje ainda operam segundo a regra do IRA. Eles sabem que nós do governo precisamos ter sorte o tempo todo. Eles só precisam ter sorte uma vez".
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