[Finalistas+FX-2+Brasil.jpg]
Discórdia entre Lula e FAB sobre caças é normal, diz especialista

Fonte: EBand - Por: Fernando Serpone - brasil@eband.com.br

A diferença de posições entre a Força Aérea Brasileira (FAB) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre qual caça deve ser comprado é algo normal, na opinião de Geraldo Cavagnari, especialista em estratégia militar da Unicamp.

Na semana passada, o jornal “Folha de S. Paulo” revelou que o relatório final da FAB sobre a licitação de 36 caças apresenta o avião Gripen, da sueca Saab, como a melhor opção de compra (NOTA: FATO NEGADO PELA FAB). No entanto, Lula e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, manifestaram diversas vezes sua preferência pelo modelo francês Rafale, da Dassault, o mais caro e último colocado no parecer da FAB.

Enquanto a FAB tem como obrigação apresentar uma conclusão técnica, a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é política e estratégica. “Não há anomalia nenhuma no comportamento da FAB ou do presidente”, disse o analista ao eBand.

Para Cavagnari, a sobreposição dos interesses estratégicos aos econômicos acontece em vários países e não há como julgar essa decisão em particular, pois não se sabe a fundo como estão as relações Brasil – França. Por outro lado, ele concorda que o Gripen é o mais indicado para o país.

Leia a seguir a íntegra da entrevista:

eBand - Como o senhor avalia a conclusão do relatório da Aeronáutica, que apresenta o Gripen como a melhor opção de compra – tanto pelo preço de compra quanto pela manutenção e possibilidade de transferência de tecnologia?

Geraldo Cavagnari - Normal. Não podemos dizer que houve insensatez na decisão tomada pelo presidente. O presidente tomou uma decisão para definir a posição do governo em relação à opção pelos aviões Rafale, da França. Tudo isso dentro de um quadro político mais amplo, que são relações políticas mais estreitas entre França e Brasil. Então foi dentro de um jogo político.

A FAB não pode dar o parecer técnico baseado nas pretensões, ou na decisão antecipada tomada pelo presidente. As Forças Armadas são obrigadas a fazer uma licitação para as compras que realizam a partir de determinado valor, tendo em vista os requisitos técnicos e as condições comerciais apresentadas pelo vendedor, e apresentar ao governo qual é a proposta mais vantajosa.

Ela se vê obrigada a fazer um relatório a respeito disso e dar uma decisão técnica. Mas isso não obriga o presidente, que toma a decisão em um nível político, a atender a essas recomendações da FAB.

O presidente pode passar por cima e decidir: “Não, eu vou comprar este aqui, e não aquele que está sendo recomendado porque o parecer técnico recomenda.” Não há anomalia nenhuma no comportamento da FAB ou do presidente.

eBand - O senhor não vê problema nesse choque de posições?

Cavagnari – Não há um choque de posições. O presidente se antecipou e disse sua posição, dentro de um jogo político mais amplo, que é de aproximação com a França. Foi uma decisão política. Ao comprar o material da França, está estreitando as relações.

Mas a FAB não pode se guiar por isso. Ela se guia pela análise técnica que é feita sobre o material que se quer comprar. Por essa análise técnica chegou-se à conclusão de que a melhor oferta era o avião sueco, que apresentava as melhores condições, não somente técnicas, mas operacionais.

eBand - E de custo.

Cavagnari – O custo eles são obrigados a colocar. Eles colocam o custo e depois fazem a análise técnica e das condições operacionais da aeronave.

Mesmo que o parecer técnico fosse favorável à aeronave americana, o presidente não iria mudar. Como o Lula não entende o que se passa nesse nível [técnico], ele deu uma jogada para pressionar.

eBand - O senhor não acredita que essa pressão e a provável decisão a favor da França não irá criar, ou mesmo aumentar o mal-estar com os militares?

Cavagnari – O mal-estar já há. Dois fatos devem ser considerados. Esse, não há dúvida de que é um mal-estar. Mas o pior é o caso da Comissão da Verdade, que não cumpriu o que foi acordado entre a Casa Civil, a Secretaria [Especial] de Direitos Humanos e o Ministério da Defesa. As ações que seriam realizadas deveriam condenar tanto aqueles que torturaram quanto os que cometeram crimes durante a Ditadura, mas eles [Secretaria] não colocaram essa segunda parte, agiram de má fé.

eBand – O senhor acredita que a conclusão desse relatório seria uma retaliação?

Cavagnari – Não foi uma retaliação, mas, de certo modo, tentou-se manter uma atitude firme, como no caso da Comissão da Verdade, que será encaminhada ao Congresso. As Forças Armadas não gostaram do relatório do [ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos Paulo] Vannuchi, da maneira que ele se comportou, que não cumpriu a palavra com o Ministério da Defesa, como havia sido acordado em reunião conjunta. Não é uma resposta, é só marcação de posição.

O melhor avião, em termos técnicos, é esse [Gripen], mas como a decisão é política, esse parecer é apenas para mostrar. No futuro, quando acontecer alguma coisa, então, esse relatório poderá ser usado.

eBand – Na sua opinião, até que ponto essa deve ser uma decisão político-estratégica, e até que ponto é uma decisão comercial, que deve levar em conta a relação custo/benefício?

Cavagnari – O parecer da FAB é técnico-operacional, que é muito importante. Mas a maneira como foram envolvidas as relações para a compra desse material, em vez de ficar puramente nos campos comercial e técnico, ela transbordou para o campo político.

eBand – O senhor concorda com isso?

Cavagnari – Isso é normal em qualquer país.

eBand – Levando em conta os preços dos caças e as necessidades nacionais, qual é o mais adequado?

Cavagnari – O mais barato é o sueco. E as condições técnico-operacionais são as que melhor se adaptam ao nosso teatro de operações, que é América do Sul e Atlântico Sul. Pela proposta da Aeronáutica, é o seguinte: é o mais barato e atende tanto as necessidades tecnológicas – de desenvolvimento de tecnologia própria, transferência de tecnologia – como atende as necessidades operacionais.

eBand – Um dos pontos favoráveis do caça sueco é também o custo da manutenção e da hora de voo.

Cavagnari – Manutenção, hora de voo, tudo. A questão da transferência de tecnologia, a aptidão operacional dele para o tipo de teatro de operações no qual nós iremos empregar – uma série de considerações nas quais ele se apresentou como melhor. Mas o presidente tomou uma decisão política. Vamos supor que mais tarde essa aeronave [francesa] seja empregada e não se obtenha resultados bons em termos operacionais, a culpa é do presidente da República, não da Força Aérea.

eBand – Então o senhor concorda que, nesse contexto, as considerações políticas devem se sobrepor às questões técnico-operacionais?

Cavagnari – Devem não, estão se sobrepondo. Eu não posso dizer a você que concordo porque não sei como estão as relações Brasil – França. O que nós sabemos são os afagos entre o [presidente da França, Nicolas] Sarkozy e o Lula. Sabemos o que sai na imprensa, mas isso não é o suficiente para chegar a uma decisão de prestigiar um outro país na compra de material bélico.