Suicida que explodiu a nata da CIA no Afeganistão conseguiu enganar todo mundo, americanos e jordanianos, com a falsa promessa de entregar chefão da Al Qaeda
Humam Khalil Abu-Mulal al-Balawi
No filme Rede de Mentiras, de Ridley Scott, Leonardo DiCaprio é um agente da CIA na Jordânia que acha que vai conseguir se infiltrar na Al Qaeda, mas se dá mal. Na última hora, é salvo pelo chefe do serviço secreto jordaniano, o melífluo Hani Salaam (interpretado pelo inglês Mark Strong). Espertamente, é ele quem consegue fazer um militante radical mudar de lado e plantá-lo numa das ramificações da rede terrorista mundial.
Na vida real, aconteceu exatamente o oposto. Ali bin Zeid, o chefe da inteligência jordaniana, foi até o Afeganistão para apresentar o homem que acreditava ser um agente duplo, Khalil Abu-Mulal Balawi. Levou-o até uma base avançada da CIA em território afegão. Devido à companhia ilustre, e à promessa tentadora de que o infiltrado poderia oferecer nada menos que a cabeça do número 2 da Al Qaeda, Ayman al-Zawahiri, os agentes americanos cometeram uma falha inacreditável: não o revistaram. Ele foi levado direto à sala de ginástica da base, onde os mais importantes integrantes da CIA no Afeganistão esperavam uma boa notícia. Balawi detonou os explosivos que levava escondidos sob a roupa. Estilhaçou-se no que sua cabeça convertida ao radicalismo acreditava ser o ápice do martírio, matando quatro agentes da CIA, inclusive a chefe da agência no Afeganistão – uma mulher na faixa entre 30 e 40 anos, três filhos, que como manda a tradição não foi identificada publicamente e só virará uma estrela na parede de mármore na legendária sede em Langley que homenageia anonimamente os espiões mortos em campo. Também morreram três seguranças da CIA e o suposto controlador jordaniano, Ali bin Zeid, enterrado na presença do rei Abdullah II, com quem tinha parentesco distante e leal folha de serviços prestados. Outros seis presentes à reunião fatídica ficaram feridos. Foi a maior perda sofrida pela CIA desde um atentado no Líbano em 1983. E uma prova de que a Al Qaeda tem capacidade de tramar uma operação sofisticada de infiltração, utilizando o que no jargão de espionagem se chama de agente triplo, alguém que parece ter sido cooptado para o lado contrário, mas mantém a lealdade original.
Os erros cometidos são o oposto do que se espera de um serviço de inteligência como a CIA: ingenuidade, afobação e quebra de várias das regras mais elementares de segurança. Tão ou mais espantoso é que o espião-mor da Jordânia também tenha caído na rede, tanto pela identidade cultural quanto pela eficiência demonstrada em outras operações. Foi através de informações coletadas pela agência de Ali bin Zeid que a CIA conseguiu localizar e matar Abu Musab al-Zarqawi, um jordaniano que havia ascendido a chefe da Al Qaeda no Iraque, em 2006.
O recrutamento de um agente duplo, como as duas agências imaginavam ser Balawi, precisa evidentemente passar por intenso escrutínio. O suicida era um médico de 32 anos, nascido no Kuwait, refugiado na Jordânia e formado na Turquia. Sob pseudônimo, era um dos mais conhecidos propagadores da jihad pela internet. Sua mulher, uma jornalista turca, escreveu um livro de título autoexplicativo, Osama bin Laden, o Che Guevara do Oriente. Balawi foi falsamente cooptado em março pelo serviço secreto jordaniano. Como nos jogos de espionagem travados durante a Guerra Fria, ele forneceu o suficiente para estabelecer a credibilidade, sob a forma de delação de um punhado de militantes radicais. Quando pôs na mesa ninguém menos que Zawahiri, o braço direito de Bin Laden, a isca ficou tentadora demais. Americanos e jordanianos morderam-na, fatalmente. A rede de mentiras tinha sido tramada pela Al Qaeda.
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