Fonte: Pollianna Milan (Gazeta do Povo) - Via: Aviation News
Santos Dumont em 1907: carreira do inventor na pilotagem foi marcada por diversas quedas, e seu último voo no comando de um manche foi justamente em um Demoiselle - Foto: AFP/Musee Groupe Safran
O defeito em uma das asas do avião Demoiselle 20 fez com que Santos Dumont caísse de uma altura de 30 metros, ferindo-se gravemente em janeiro de 1910. Por causa do incidente e seguindo orientação médica, há exatos 100 anos o pai da aviação decidiu parar de voar. Ele tinha, na época, 40 anos. “Foi uma decisão sábia. Ele voava havia mais de 10 anos e estava sofrendo diversos acidentes, alguns graves”, afirma o professor Henrique Lins de Barros, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e autor de livros sobre o assunto.
Quando abandonou a pilotagem, Santos Dumont já havia construído e testado mais de 25 inventos, sofrendo incontáveis acidentes – até hoje não se sabe o número exato. Sabe-se, porém, que ele vinha caindo desde 1898: primeiro com os balões livres e depois com os dirigíveis. Destruiu sua maior invenção, o 14-Bis, e caiu diversas outras vezes com os seus Demoiselles. Um dos acidentes mais conhecidos aconteceu em Paris, em agosto de 1901, com o dirigível n.º 5: o balão se deformou por perda de pressão interna e a hélice cortou alguns cabos que sustentavam a quilha onde Santos Dumont estava, junto com o motor. Houve uma explosão e, por sorte, os cabos caíram e se enroscaram no telhado do Hotel Trocadero, o que amorteceu a queda. “Ele ficou pendurado na lateral do prédio. A explosão foi tão forte que foi ouvida pelos bombeiros de um dos quartéis de Paris. Eles correram para o local e conseguiram salvá-lo, em uma operação delicada”, conta Barros. Desta vez o inventor saiu ileso e, logo após ser resgatado, concedeu entrevista aos repórteres.
O registro do primeiro acidente aconteceu três anos antes, em 1898, quando o balão que ele pilotava foi arrastado pelo vento e arremessado nas árvores do Jardim da Aclimação, no Bois de Boulogne, em Paris. Dumont fazia manobras a 400 metros de altura, com o dirigível n.º 1. Quando ele iniciou a descida, uma das válvulas que mantinham a pressão do balão apresentou defeito e o invólucro se deformou. Ele começou a cair e o perigo, além da queda em si, era de que o gás se inflamasse em contato com o motor e a gasolina. “Santos Dumont, com enorme presença de espírito, viu uns garotos brincando e pediu para que eles puxassem a corda-guia do n.º 1, fazendo com que o dirigível avançasse contra o vento. Isto amorteceu a queda”, explica Barros.
Dois dias depois, Santos Dumont caiu de novo com o n.º 1. No ano seguinte, acidentou-se com o segundo dirigível. Depois veio o incidente no Hotel Trocadero. Naquele mesmo ano (1901), ele caiu outras tantas vezes com o n.º 6. Caiu também quando levantou voo com um balão livre e foi pego de surpresa por uma tempestade. Sem controle, ele foi atirado no solo e se feriu. Em 1906, machucou-se quando fazia um voo no balão Deux Ameriques, e desta vez os ferimentos foram mais graves.
14-Bis
O 14-Bis, sua maior criação, levantou voo em 1906 e, um ano depois, caiu e ficou destruído em Saint-Cyr. Santos Dumont não quis recuperá-lo. Apesar disso, foi o 14-Bis que lhe deu o título de “pai da aviação”. “Santos Dumont foi o primeiro a resolver o problema de como uma máquina mais pesada que o ar poderia elevar-se do solo sem ajuda externa”, afirma a professora Claudia Fay, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e especialista em aviação civil. É verdade que os irmãos Orville e Wilbur Wright conseguiram realizar, em 1903, voos com o Flyer, mas este precisava da ação do vento para levantar voo. Por isso, Santos Dumont saiu na frente, em 1906, quando fez uma demonstração oficial de que o avião poderia sair do chão sem vento. A aeronave, inicialmente, voou por uma distância de 15 metros a uma altura de 3 metros, e voltou a voar 220 metros em 21,5 segundos no dia 12 de novembro do mesmo ano.
Depois de se acidentar com o 14-Bis, Santos Dumont percebeu que ele não era um avião prático. Em 1907 idealizou, então, seu invento de número 19, o Demoiselle. Foi com os Demoiselles (19 e 20) que o inventor se acidentou diversas outras vezes até desistir de pilotar. Depois disso, ele voltou a voar apenas como passageiro, no Brasil e nos Estados Unidos, em 1916. “Sua última vez foi na França, em 1922. Mas, se o compararmos a outros inventores da mesma geração, a história não é muito diferente. Os colegas de Santos Dumont se transformaram em empresários da aeronáutica, não em pilotos. Piloto era coisa para gente nova, que gostava de correr riscos”, afirma Barros.
Morte
Quando parou de pilotar, talvez Santos Dumont já estivesse com sintomas de bipolaridade, conforme lembra Barros. Ele alternava certa euforia com momentos de depressão. “Já se levantou a hipótese de ele estar com sintomas de uma esclerose múltipla, mas eu acho, atualmente, pouco provável”, diz.
Já em 1920 ele procurou auxílio em algumas clínicas de repouso na Suíça e na França, passou por uma consulta no Brasil e manifestou declarações confusas. “Lendo suas entrevistas desde 1898, quando iniciou o seu trabalho no campo da aeronáutica, percebo sempre uma certa dualidade. Ele era visionário, mas muitas vezes torcia a verdade. Descrevia um acidente em mínimos detalhes, mas, ao mesmo tempo, falava de feitos que estão longe de poderem ser realizados. Atravessar o Atlântico em um dirigível, em 1902, por exemplo, é puro devaneio”, conclui Barros.
Santos Dumont morreu em 1932. “Nem família, nem governo comentaram muito”, lembra Claudia. Talvez porque foi ele quem tirou a própria vida, durante uma grande depressão, trancado em um banheiro.
Leia mais:
Santos Dumont e a invenção do voo. Texto de Henrique Lins de Barros. Editora Zahar. R$ 59,90.
Curiosidades
Coisas que nem todos sabem sobre o “pai da aviação”:
Excentricidade
Santos Dumont costumava atrelar avestruzes à charrete, como se fossem cavalos, para passear pelas ruas de Paris. Seu cão se chamava Sableur Du Diable (“estripador do diabo”).
Aviões do futuro
O inventor imaginava que os aviões seriam como “automóveis aéreos” e cada pessoa teria um para ir ao trabalho. Ele não ficou contente com os rumos que a aviação tomou, principalmente quando as aeronaves foram usadas em guerras.
Acidentes
Ele sempre fizera questão de experimentar seus inventos, pois temia arriscar a vida dos outros.
Superstição
Santos Dumont só entrava nos lugares com o pé direito. Voava com uma meia enrolada no pescoço, debaixo do colarinho. Era a meia da sra. Lewtellier – considerada por ele uma mulher de muita sorte.
Assinatura
O “pai da aviação” assinava “Santos=Dumont” para dizer que respeitava igualmente sua origem brasileira e francesa.
O Museu Aeroespacial Reitor Sydnei Lima Santos, em Curitiba, conserva o atestado original de óbito de Santos Dumont. Além disso, tem cerca de 3 mil itens sobre aviação, incluindo maquetes do Demoiselle, instrumentos de navegação, antigas bombas e instrumentos para tirar fotos aéreas.
O museu serve de fonte de pesquisa principalmente aos alunos da Faculdade de Ciências Aeronáuticas da Universidade Tuiuti do Paraná (Facaero). As visitas podem ser agendadas pelo telefone (41) 3331-8080 ou pelo e-mail luiz.galetto@utp.br. O museu fica aberto ao público externo sempre às terças e quintas-feiras, das 14 às 17 horas. A entrada é gratuita.
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