Desde 1982, o Brasil mantém na Antártica um de seus mais bem-sucedidos programas científicos: o Proantar Iniciativa ajuda especialistas brasileiros a melhorar a previsão do tempo no país e a entender as mudanças climáticas no planeta, entre outros estudos

Gisela Cabral - Zero Hora


A primeira notícia da presença brasileira na Antártica remonta a 1882, ano em que a corveta Parnahyba aportou na região a mando do império, com o objetivo de cumprir uma missão de observação astronômica. Cem anos depois da viagem, em 1982, o governo brasileiro passou a reconhecer a influência daquele continente gelado sobre os sistemas naturais do planeta e oficializou as atividades científicas e exploratórias por meio do Programa Antártico Brasileiro (Proantar). Prova da consolidação dessa iniciativa é que, ao longo dos últimos 28 anos, segundo dados do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), a Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF) — implantada na Ilha Rei George, no Arquipélago das Shetlands do Sul — serviu de base para a realização de 600 pesquisas, além da participação de 2,5 mil cientistas, de 1991 a 2009. O total de investimentos no mesmo período foi de R$ 121,582 milhões.

Estudos sobre a dinâmica da atmosfera, a situação na camada de ozônio, o aquecimento global e a fauna e a flora marinhas, entre outras áreas, trouxeram diversas contribuições não só para o Brasil, mas também para o mundo (veja quadro). A partir dos dados colhidos por cientistas de entidades renomadas, foi possível estabelecer maior confiabilidade nas previsões meteorológicas, a exemplo do trabalho feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que deu origem a uma série histórica climática. De acordo com o instituto, o projeto iniciado em 1984 consiste na coleta regular de dados, imagens de satélites e cartas de análise de tempo, além do suporte às equipes em campo.

Desde 1991, a parte científica do programa deixou de ser uma atribuição da Marinha e passou a ser de responsabilidade do MCT. Um dos grupos designados para cuidar do assunto, o Comitê Nacional de Pesquisa Antártica (Conapa) acompanha de perto e apoia as atividades científicas no continente, ditando um direcionamento para aqueles que desejam se dedicar ao estudo do continente e suas implicações sobre o planeta. “O edital e os recursos destinados à pesquisa podem vir de várias vertentes, como, por exemplo, da Frente Parlamentar de Apoio ao Proantar. Esse grupo de deputados e senadores estudam as melhores formas de apoiar o programa. Exemplo disso é que, em 2009, foi lançado um edital de R$ 15 milhões com recursos oriundos dessa frente”, afirma a coordenadora para Mar e Antártica do MCT, Maria Cordélia Machado.

Segundo ela, a meta para este ano é apoiar um total de 19 projetos de pesquisa aprovados no edital do MCT/CNPq. “Estima-se o apoio a mais de 30 instituições nacionais que atuam no Proantar, bem como a mais de 300 pesquisadores e estudantes. Em termos orçamentários, está previsto, inicialmente, um valor de R$ 960 mil para pesquisa e desenvolvimento”, explica. Para Maria Cordélia, ao ratificar o Tratado da Antártica — documento que rege a exploração no continente gelado, assinado por vários países — o Brasil assumiu compromissos internacionais de realizar substancial pesquisa científica e zelar pela preservação daquele meio ambiente. “Tais compromissos se justificam pelo interesse nacional em buscar o conhecimento da influência dos fenômenos ali ocorrentes sobre o país, ter acesso ao aproveitamento dos recursos naturais antárticos e participar dos mecanismos decisórios sobre o futuro de um continente com 14 milhões de quilômetros quadrados”, destaca.

Controle térmico
A verdade é que a Antártica, segundo os especialistas, possui um papel essencial nos sistemas naturais globais e pode ser considerada um importante regulador térmico do planeta, pois age como controlador das circulações atmosféricas e oceânicas. Segundo informações da Marinha do Brasil, responsável pela parte estrutural do programa, a região é detentora de uma grande quantidade de recursos energéticos, das maiores reservas de gelo (1)(90%) e de água doce (80%) do mundo. Além disso, ela abriga muitos recursos minerais.

Segundo o comandante José Robson Medeiros, subsecretário do Proantar, o trabalho da Marinha no local não para um dia sequer, até porque a manutenção de uma estrutura brasileira no continente, principalmente no inverno, exige uma logística de peso. “Das 60 pessoas presentes na estação, na última operação, pelo menos 15 são da Marinha. Na primeira fase do programa, na década de 1980, o Brasil precisava ser aceito como membro consultivo do Tratado da Antártica. Porém, com o passar dos anos, o Proantar cresceu e amadureceu”, destaca o subsecretário.

De acordo com ele, a estação brasileira é totalmente gerenciada em conformidade com as normas ambientais. Tanto é que boa parte do lixo produzido pelos habitantes é trazido para o Brasil, enquanto o restante é queimado no local, dentro dos níveis permitidos e sem agredir a natureza. “Com o passar do tempo, a Marinha ainda modernizou instalações e sistemas, entre eles o de esgoto”, conta. Depois da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no ano passado, o Proantar recebeu mais um reforço: o Navio Polar Almirante Maximiano. Com isso, o programa passou a ter duas embarcações à disposição. O mais novo meio operativo da Marinha foi adaptado de forma a receber laboratórios, espaços habitacionais, hangar e convés de voo para aeronaves. Ele foi batizado com o nome do militar que abriu os caminhos para a presença do Brasil na Antártica, permitindo a realização da Primeira Expedição Antártica Brasileira e o estabelecimento da EACF.

1 - Manto branco
O continente é permanentemente recoberto por um manto de gelo que atinge mais de 4km de espessura e rodeado por uma camada de gelo marinho, cuja superfície varia de 2,7km² no verão, a mais de 18 milhões de quilômetros quadrados no inverno.