Palácio Presidencial antes e depois do terremoto

'Em breve o mundo esquecerá o Haiti'

Novo coronel no comando das tropas brasileiras conta como enfrentará o desafio, mesmo quando ajuda internacional diminuir.

Fonte: O Globo - Chico de Gois

O coronel Ajax Porto Pinheiro, que assume o comando do Batalhão Brasileiro no Haiti na próxima sexta-feira, mostra-se preocupado com uma possível convulsão social no país por conta da falta de alimentos e de eventuais lideranças que insuflem a população. No entanto, diz estar otimista com a reconstrução do país e acredita que a tropa que começa a trabalhar dia 5 está psicologicamente preparada para o desafio.

O coronel Ajax já participou de missão de paz em El Salvador, em 1991 e 1992.


O GLOBO: Qual a diferença entre a missão em El Salvador e esta?

CORONEL AJAX PORTO PINHEIRO: Lá tínhamos dois inimigos com os quais conversávamos: o governo e a guerrilha.
Aqui é o que a ONU chama de missão multidimensional.
Um dos partidos existe, o governo.
O outro pode ser uma gangue hoje, que amanhã é extinta.
Lá havia a vertente militar, e o enfoque era nos direitos humanos, que aqui também existe. Mas, aqui, o principal é ajuda humanitária e reconstrução.
El Salvador era relativamente estruturado, mesmo com a guerra. Aqui é um país considerado falido.


O senhor chega após um dos maiores terremotos da História.Como motivar a tropa?

CORONEL AJAX: Com a tragédia, o desafio se tornou maior, e o desafio é um fator de motivação.
Quando nos preparamos para vir, o principal desafio era manter a estabilização e garantir as eleições que seriam agora, no dia 28. Eles (a tropa) têm, em média, 22 anos, e a maioria não permanecerá no Exército porque não é de carreira. Mesmo assim, são motivados.


As perdas nas Forças Armadas foram grandes. Não é um peso a mais para lidar?

CORONEL AJAX: A preocupação que tivemos é conversar muito com quem está saindo e com quem veio. Trabalhamos a parte emocional. Talvez não tenha ajudado a todos, mas continuamos com o trabalho.


O terremoto levou o país a que grau de descenso?

CORONEL AJAX: Em segurança, voltamos ao início da missão, em 2004. Em infraestrutura, pior que 2004. Institucionalmente, também está pior, pois os três sustentáculos foram abalados: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário tiveram muitas perdas, além da Igreja Católica.


É possível reconstruir o país?

CORONEL AJAX: Acho que sim. Sobrevoando a capital, é visível o rastro de destruição. O terremoto ocorreu em 21 quilômetros quadrados. San Salvador, Cidade da Guatemala e Tegucigalpa também foram abalados por terremotos. Essas capitais ainda têm resquícios de destruição, mas cresceram para a periferia.
Isso pode acontecer aqui.


Muita gente está morando nas ruas, sem acesso a água, comida e tudo mais. O senhor não teme que isso possa se transformar em uma convulsão social?

CORONEL AJAX: É possível. E, quando nos preparamos, eu dizia à tropa que o Haiti é como uma bomba terrestre que alguém pôs o pé em cima, e pode explodir a qualquer momento.
Depois, que era como uma bomba nuclear sob nosso pé, e que agora explodiu. Essa população sem emprego, sem atendimento nas suas necessidades básicas, é suscetível a alguém que insufle um grupo para que reaja a uma autoridade ou a uma tropa.


Isso pode se voltar contra as próprias tropas?

CORONEL AJAX: É possível.
Tanto que agora, nas nossas distribuições de alimentos, temos levado muito mais segurança.
Chegamos à conclusão de que uma boa média para entrega é não ficar muito tempo com a tropa exposta.
A boa média é entregar três toneladas por hora. E aí muda-se de local.


Como tentar evitar esta convulsão social?

CORONEL AJAX: Distribuir mais gêneros, mais medicamentos, fazer a economia voltar a funcionar. Esse sistema de distribuição não durará indefinidamente. Em breve o mundo vai esquecer o Haiti.
E, quando o mundo esquecer o Haiti, permaneceremos aqui. Mas os alimentos não virão na mesma quantidade.
É um problema com que temos de conviver.