Com setor bélico deficiente, Rússia compra armas

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ANDREW E. KRAMER
The New York Times

MOSCOU – Até pouco tempo atrás, as exportações militares da Rússia perdiam em volume apenas para as dos EUA. Na Rússia de hoje, porém, a indústria de equipamentos militares, que movimenta US$ 40 bilhões, está encolhendo, ao lado do setor de manufatura civil.

Armamentos russos antes legendários vêm sofrendo problemas constrangedores de controle de qualidade. Recentemente, por exemplo, a Argélia devolveu um carregamento de jatos MIG devido a defeitos nos aviões.

Uma reforma de porta-aviões encomendada pela Índia está com atraso de quatro anos e já superou seu orçamento previsto em centenas de milhões de dólares.

E, no que talvez seja o sinal mais claro de problemas, os próprios militares russos começaram a votar com seus rublos: Moscou está em negociações com a França para adquirir quatro navios de assalto anfíbios franceses.

A aquisição dos navios de classe Mistral será “o sinal mais evidente de deficiências na indústria de defesa russa”, disse Dmitri Trenin, analista militar do Centro Carnegie Moscou, organização de pesquisas políticas.

Fora da Rússia, esse contrato potencial vem provocando preocupações geopolíticas. Críticos dizem que a França está prejudicando seus aliados europeus orientais da Otan, deixando o dinheiro falar mais alto.
Mas a oposição ao contrato tem sido quase tão feroz no interior da Rússia -e ela parte dos defensores da indústria armamentista.

Ao mesmo tempo em que o setor manufatureiro militar encolheu para 4,28% do PIB no ano passado -contra 20% na época do comunismo-, as Forças Armadas russas continuaram a depender de fornecedores domésticos para praticamente todo o seu arsenal.

Para alguns especialistas, o declínio começou com o fim da União Soviética. Quando a Rússia se tornou capitalista, afirmam, o mesmo aconteceu com sua indústria militar, privatizada de maneira aleatória.
Com o passar do tempo, isso afetou a qualidade. Grandes empresas que herdaram contratos de exportação com China, Índia e Oriente Médio lucraram com designs e componentes mais antigos, mas pouco fizeram no sentido de se modernizar.

O fim dos generosos orçamentos militares soviéticos foi outro fator que levou à paralisia nas fábricas de tanques e aviões. E muitos engenheiros emigraram, deixando uma força de trabalho que está perto de se aposentar.

Mais recentemente, o setor sofreu os efeitos de um problema econômico insidioso conhecido como a “doença holandesa” -quando um aumento da receita obtida com recursos naturais (no caso da Rússia, petróleo e gás natural) provoca a valorização da moeda de um país, encarecendo suas exportações.

Isso tem minado a competitividade dos exportadores de armas russas. O rublo se valorizou durante a maior parte da década, antes de mergulhar na crise. Mas já está voltando a se valorizar.
Mesmo com todos esses problemas, contudo, algumas empresas conseguiram abrir seu capital. A United Aircraft, a empresa que reúne os fabricantes dos aviões de combate MIG e Sukhoi, tem capitalização de mercado de mais de US$ 2 bilhões, segundo a analista industrial Marina Alekseyenkova, do banco de investimentos moscovita Renaissance Capital.

A pergunta é: será que Moscou vai comprar dessas empresas relativamente bem-sucedidas? Até agora, os gastos militares domésticos foram distribuídos pela gama inteira de fornecedores militares russos, para manter a ilusão de autossuficiência do país. Isso implicou no gasto de dinheiro com produtos de qualidade inferior, como os walkie-talkies fabricados na Rússia.

As vendas externas de armas russas caíram muito desde o início da crise global, em 2008, segundo relatórios. Nesse ano, a Rússia vendeu US$ 3,5 bilhões em armas em todo o mundo, contra US$ 10,8 bilhões em 2007. Foi um valor muito inferior ao dos EUA, cujas empresas venderam armas no valor de US$ 37,8 bilhões nesse ano -68% das vendas globais de armas.

No mundo em desenvolvimento, onde a Rússia superou até os EUA em exportações militares em 2004 e 2006, sua participação teve uma queda imensa -de 25,2% de todas as transações em 2007 para 7,8% em 2008, o último ano para o qual há cifras disponíveis.

Enquanto se esforça para conservar seus clientes, a Rússia não pode se dar ao luxo de continuar a investir em toda a enorme gama atual de armas produzidas no país, disse Trenin, do Centro Carnegie. Como mostram as negociações em torno do Mistral, a Rússia não tem outra opção senão tornar-se tanto vendedora quanto compradora. “Como a Alemanha ou qualquer outro país, a Rússia vai competir e colaborar no bazar global de armas”, disse Trenin.