Justiça Militar inicia processo contra controladores de voo em Brasília
Militares denunciados por terem paralisado os serviços de controle do tráfego aéreo em março de 2007 começam a ser interrogados

A Justiça Militar iniciou nesta semana o processo contra 51 controladores de tráfego aéreo que, há três anos, participaram de uma paralisação levando ao caos aeroportos em todo o país. Insatisfeitos com as condições de trabalho, controladores de tráfego aéreo se recusaram a monitorar os aviões que cruzavam os céus do Brasil. No dia 30 de março de 2007, milhares de usuários de transporte aéreo se acotovelavam nos aeroportos sem poder embarcar nos voos. A suspensão de decolagens causou prejuízos incalculáveis a passageiros, companhias aéreas e à imagem do governo, que não soube administrar uma crise deflagrada por militares da Aeronáutica.

Denunciados pelo Ministério Público Militar (MPM) por prática de motim e por deixar de prestar o serviço de controle aéreo, prerrogativa exclusiva do governo federal, os militares começaram a ser interrogados e a se defender. O objetivo final dos controladores envolvidos é tentar se livrar da expulsão da Aeronáutica e de penas de prisão que podem variar entre dois e oito anos. O início do processo é uma boa oportunidade para a população saber o que de fato ocorreu nos meses que antecederam a crise e o governo tomar providências para que o “apagão aéreo” não volte a atrapalhar a vida dos cidadãos. O crescente tráfego aéreo e a realização de eventos esportivos de porte mundial, como a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016, reforçam a preocupação.

Indícios da crise que seria observada no primeiro semestre de 2007 foram notados logo após o acidente do Boeing da Gol com o Legacy em setembro de 2006, no qual 154 pessoas morreram. Sob a suspeita de terem responsabilidade na colisão aérea, controladores passaram a se queixar de uma jornada de trabalho supostamente extenuante e do sucateamento de equipamentos utilizados no monitoramento das aeronaves. Como forma de protesto, nos feriados de 12 de outubro e 2 de novembro, controladores aéreos aumentaram o espaçamento entre os voos e provocaram atrasos e filas nos aeroportos. Em março, pouco antes da paralisação, uma carta apócrifa com reivindicações dos controladores circulou entre os centros de controles do espaço aéreo. Foi o estopim para as paralisações.

De acordo com a promotora do MPM que cuida do caso, Ione Cruz, o movimento não teve por finalidade melhorar as condições do tráfego aéreo, mas sim obter dividendos somente para os controladores. “Foi um motim. Eles infringiram o Código Penal. Quebraram a hierarquia de forma vil”, afirma. “São responsáveis pela maior crise da aviação civil”, diz. Segundo Roberto Sobral, advogado de 30 dos acusados, sua estratégia será trancar a ação em curso com base na premissa de que a Aeronáutica sabia que haveria uma movimentação atípica. “O Comando poderia ter interferido e evitado toda aquele movimento. O que aconteceu foi a infiltração de agentes de confiança da Aeronáutica para causar tumultos e, depois, responsabilizar esses controladores que agora foram indiciados”, diz. Quanto à paralisação, Sobral afirma que o melhor mesmo foi suspender as decolagens porque o grande contingente de pessoas atrapalharia no controle de tráfego aéreo, que exige concentração.

Em um aspecto, tanto a defesa como a acusação concordam: o processo deverá ser moroso. Isso porque cada um dos 51 indiciados deverá contar com o direito de arrolar cinco testemunhas, o que daria mais de 250 pessoas a ser ouvidas por quem conduz o processo. Independentemente do resultado, as partes ainda podem recorrer ao Superior Tribunal Militar (STM) e, em última instância, ao Supremo Tribunal Federal (STF). A promotora Ione Cruz ainda tenta incluir no processo 38 controladores de tráfego que haviam sido denunciados, mas excluídos pela Justiça Militar por considerar que não havia elementos suficientes contra eles. Em Manaus e em Curitiba também correm processos relativos a controladores que teriam aderido aos comandos supostamente originados em Brasília.

A crise em 2007 provocou discussões quanto ao modelo brasileiro de tráfego aéreo. No período, chegou-se a cogitar a possibilidade de desmilitarizar o serviço. A Casa Civil entrou na discussão. A secretária-executiva, Erenice Guerra, pediu sugestões de controladores aéreos, agora indiciados, para alterar o sistema. Mas depois do apagão aéreo, Erenice não voltou a tratar do assunto com os controladores. Em alguns países europeus e nos Estados Unidos, existem dois sistemas de controle: um dedicado à aviação civil e outro para a defesa aérea. O Comando da Aeronáutica defende o sistema atual. Afirma que países como França e Itália estão aderindo ao modelo integrado, adotado pelo Brasil. A Aeronáutica afirma ainda que o sistema de controle aéreo brasileiro é seguro. “A Organização de Aviação Civil Internacional (Oaci) nos colocou em segundo lugar no mundo com 95% de conformidade em procedimentos operacionais e de segurança, atrás do Canadá com uma diferença de apenas 1%”, diz.

A expectativa é que a crise do “apagão aéreo” e o processo envolvendo os 51 controladores sirva para eliminar gargalos daqui para a frente. A Aeronáutica afirma ter aprendido com o caos. Adota procedimentos de recrutamento, treinamento e aperfeiçoamento de forma mais adequada, além de investir apropriadamente no espaço aéreo brasileiro. Que assim seja e permaneça.

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Fonte: Murilo Ramos (Revista Época) - Foto: Divulgação - Noticas sobre Aviação