Avião espião da Guerra Fria é reformado e evita aposentadoria

O avião de espionagem americano U-2, um aparelho construído para operar em altitudes elevadas que esteve envolvido em muitos dos momentos de maior suspense da Guerra Fria, parece estar desfrutando de um novo momento de glória.

Quatro anos atrás, o Pentágono parecia decidido a iniciar sua aposentadoria. Mas o Congresso bloqueou a medida, alegando que o aparelho ainda tinha serventia. E tem. Devido a atualizações e mudanças no uso de seus poderosos sensores, o U-2 se tornou o mais requisitado avião em uma guerra muito diferente, no Afeganistão. Alterando sua missão da caça de mísseis nucleares para a detecção de minas explosivas nas estradas, ele vem superando os aviões não tripulados na coleta de ampla gama de informações usadas no combate ao Talibã.

Tudo isso representa notável mudança ante os dias iniciais do U-2 como participante no jogo de espionagem entre a União Soviética e os Estados Unidos. Projetado para localizar mísseis soviéticos, o modelo se tornou famoso quando Francis Gary Powers foi abatido pilotando um deles sobre a União Soviética, em 1960, e de novo quando um U-2 tirou as fotos que deflagraram a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, dois anos mais tarde. Versões mais novas do aparelho vêm recolhendo informações em todas as guerras desde então, e continuam a monitorar países como a Coreia do Norte.

Agora, o U-2 e seus pilotos, isolados em seus trajes espaciais em missões realizadas a 23 mil metros de altitude, têm contato direto via rádio com as tropas em terra no Afeganistão. E em lugar de seguir um trajeto fixo, agora são desviados frequentemente em meio ao voo para vasculhar estradas adiante de comboios americanos, e para auxiliar soldados envolvidos em combates.

O avião U-2 detecta minas explosivas nas estradas do Afeganistão Foto: The New York Times
O avião U-2, que detecta explosivos nas estradas do Afeganistão, foi salvo da aposentadoria após reforma


De certas maneiras, o U-2, que voou sua primeira missão em 1956, se assemelha a um brinquedo do passado perdido na era dos jogos de computadores de alta tecnologia. "Mas ao que parece, depois de todos esses anos em voo, agora o U-2 está de volta ao seu melhor momento", disse o tenente-coronel Jason Brown, comandante de um esquadrão de inteligência que planeja as missões dos aparelhos e analisa boa parte dos dados recolhidos. "Eles podem realizar missões que ninguém mais pode".

Uma dessas coisas, por mais improvável que pareça, é que mesmo a 20 quilômetros de altitude, seus sensores são capazes de detectar pequenas perturbações na terra, o que representa um novo modo de localizar minas improvisadas que matam muitos soldados.

Nas semanas que antecederam a atual ofensiva em Marjah, informaram oficiais das forças armadas, diversos dos 32 U-2 que continuam em operação localizaram quase 150 possíveis sítios minados em estradas e áreas de pouso de helicópteros, o que permitiu que fuzileiros navais explodissem as armadilhas antes de se aproximarem da cidade.

Os oficiais dos fuzileiros navais afirmam que usaram fotos das velhas câmeras fotográficas do U-2, que obtêm imagens panorâmicas de tamanha resolução que enxergar as posições dos insurgentes se torna possível. Enquanto isso, as câmeras digitais mais recentes que os aviões também carregam enviavam atualizações frequentes sobre 25 posições que os fuzileiros navais consideravam como potencialmente vulneráveis.

Além disso, a altitude de operação do U-2, no passado proteção contra mísseis antiaéreos, permite que ele capte sinais de conversas telefônicas entre os insurgentes, que de outra forma seriam bloqueadas pelas montanhas.

Como resultado, diz Brown, o U2 é muitas vezes capaz de recolher informações que sugerem para onde devem ser enviados os aviões sem piloto Reaper e Predator, que registram imagens em vídeo e podem disparar mísseis. Ele afirmou que as informações mais confiáveis surgem quando os U-2 e aviões sem piloto se concentram em uma mesma área, o que vem sendo cada vez mais o caso.

O U-2, um jato pintado de preto, com asas longas e estreitas que o ajudam a percorrer o ar rarefeito, é uma visão impressionando ao ascender pelo céu. O modelo opera duas vezes mais alto que um jato comercial de passageiros, e permite que pilotos vejam coisas como a curvatura da Terra.

Mas o U-2, conhecido também pelo apelido Dragon Lady, é difícil de pilotar, e suas missões são estafantes e perigosas. Os aparelhos usados a cada dia sobre o Afeganistão e o Iraque têm base perto do Golfo Pérsico, e suas missões podem durar de nove a 12 horas. Os pilotos se alimentam por meio de tubos e usam trajes espaciais, porque seu sangue literalmente ferveria caso tivessem de se ejetar sem proteção a tamanha altitude.

O modelo desenvolvido para substituir o U-2 também pode ser visto na mesma base ¿trata-se do Global Hawk, um avião pilotado por controle remoto que pode voar quase tão alto quanto o U-2 e tipicamente tem autonomia de até 24 horas de voo. Os primeiros Global Hawk estão realizando missões de reconhecimento fotográfico no Iraque e Afeganistão.

Mas um modelo maior que poderia interceptar comunicações foi postergado, e a força aérea dos Estados Unidos está estudando como adicionar a outros aparelhos sensores que permitam detectar minas improvisadas nas estradas. Os funcionários da força aérea dizem que o U-2 não poderá ser aposentado antes de 2012.

"Precisamos manter a agilidade, para continuarmos relevantes", disse o major Doug McMahon, piloto que opera um U-2 há três anos. "Mas todos sabemos que a hora deles terminará por chegar".

Fonte: New York Times - Tradução: Paulo Migliacci - Terra