Usando uma espécie de lógica voltada para o tratamento de incertezas, pesquisa brasileira permitiu a criação de um sistema de pouso automático para grandes aviões, como o Boeing 747.

Pouso automático

O que tem a ver um trabalho realizado em um laboratório de química no Brasil e o controle automático do pouso de um avião 747?

Tem muito a ver. Mais especificamente, as duas coisas têm a lógica difusa, ou lógica fuzzy em comum.

O pesquisador Lifford McLauchlan, da Universidade Texas, nos Estados Unidos, realizou com sucesso experimentos que demonstraram que a lógica difusa pode ser empregada em um futuro sistema que permita que grandes aviões, como o Boeing 747, realizem pousos automatizados.

Mas o estudo que fundamentou seus experimentos havia sido elaborado três anos antes, pelos professores Ana Maria Frattini Fileti, Flávio Vasconcelos da Silva e João Alexandre Ferreira da Rocha Pereira, da Faculdade de Engenharia Química, e Vivaldo Silveira Junior, da Faculdade de Engenharia de Alimentos, ambas da Unicamp.

O trabalho brasileiro, denominado Investigações experimentais em lógica difusa para controle de processos, faz parte de uma área de pesquisas que visa aplicar lógica difusa para o controle automático de processos industriais.

O que o pesquisador norte-americano fez foi utilizar as conclusões do estudo para o controle automático de voo de aeronaves.

Controle e automação

O estudo realizado na Unicamp começou quando a professora Ana Maria teve a ideia de reunir diversos trabalhos de controle e automação, envolvendo especialistas das áreas de refrigeração, destilação e polimerização.

Isto gerou uma abordagem muito ampla e extremamente versátil, abrindo a possibilidade da aplicação prática da lógica difusa em diversos segmentos da atividade industrial.

Segundo Ana Maria, o pesquisador norte-americano menciona em seu artigo a parte experimental realizada por seu grupo, mostrando a credibilidade e a confiabilidade da lógica difusa implementada em processos químicos, e defendendo a possibilidade de aplicá-la no controle automático de um Boeing.

Mas o alcance da linha de pesquisa desenvolvida na Unicamp está tendo um alcance ainda maior, o que se verifica pelo grande número de citações que o trabalho vem tendo, em publicações das mais diversas áreas de pesquisa, incluindo a criação de redes neurais artificiais.

Lógica fuzzy ou lógica difusa

A lógica difusa é um dos ramos da inteligência artificial, uma extensão da lógica booleana que admite valores intermediários entre o falso e o verdadeiro.

Com isto, a lógica difusa é uma área de pesquisas voltada para o tratamento de incertezas.

Apesar de disponível desde a década de 1960, a área ganhou impulso maior a partir de 1980, com o surgimento dos computadores digitais e sua grande capacidade de processamento.

A partir daí, essa lógica foi transposta para softwares que permitem o comando automático de determinados processos, máquinas ou equipamentos.

Mas os trabalhos experimentais ainda são escassos. Há muitos trabalhos envolvendo simulações, mas poucos se atêm a aplicações práticas. "Nossa publicação descreve várias situações experimentais de sucesso," destaca Flávio Vasconcelos da Silva.

O pesquisador explica que a lógica fuzzy foge da lógica convencional, que é matemática, cartesiana, que se aplica a uma situação que é ou não é, sem possibilidade de descrever situações intermediárias.

Um exemplo bem simples é o chuveiro, em que se controla a temperatura da água sem que seja necessário realizar cálculos precisos - basta ir abrindo e fechando a torneira, sem necessidade de determinar a temperatura exata da água e nem a abertura particular da válvula.

Um dispositivo que utilizasse a lógica convencional para realizar a mesma tarefa teria que receber a informação exata sobre a temperatura para que pudesse determinar um valor exato para a abertura da válvula.

Da química ao piloto automático

A pesquisadora afirma que os processos descritos no trabalho publicado têm características de transiência.

Ela explica que, nos aviões sem dispositivos totalmente automáticos, o piloto precisa levar a aeronave até as condições de cruzeiro, para só então acionar o piloto automático.

Hoje, as situações de transiência que o piloto conduzia de forma manual também podem ser monitoradas pelas máquinas, através do sistema digital de controle com algoritmos não convencionais como, por exemplo, a lógica fuzzy.

Ana Maria diz que "a subida e descida do avião correspondem ao ligar e desligar dos processos químicos contínuos, e também à operação normal dos processos de batelada, onde essa condição de transitoriedade se verifica o tempo todo, e por isso a similaridade de comportamento com o pouso ou a decolagem".

O professor Pereira acrescenta que estas etapas de voo não se dão em condições uniformes e constantes, e por isso a lógica fuzzy pode ser aplicada a eles. Silva considera que não existe ainda possibilidade de eliminar o piloto, mas o emprego da lógica fuzzy permite que ele se concentre em menor número de variáveis e atuações.

Bibliografia:

Experimental investigations on fuzzy logic for process control
Ana Maria Frattini Fileti, A.J.B.Antunes, Flávio Vasconcelos da Silva, Vivaldo Silveira Junior, João Alexandre Ferreira da Rocha Pereira
Control Engineering Practice
21 March 2007
Vol.: 15, pp. 1149-1160, 2007
DOI: 10.1016/j.conengprac.2007.01.009

Fonte: Site Inovação Tecnológica (com informações do Jornal da Unicamp) - Imagem: Boeing - Noticias Sobre Aviação