Detido em Londres a pedido do governo da Suécia, por “suspeitas razoáveis de estupro, agressão sexual e coerção” contra duas mulheres, Julian Assange, 39, o criador do site WikiLeaks, acredita que tudo não passa de um complô dos Estados Unidos para colocá-lo na cadeia, como retaliação por ter publicado milhares de documentos confidenciais do governo norte-americano. A queixa das mulheres chegou a ser arquivada, segundo ele, pela procuradora-geral de Estocolmo, que entendeu ter havido sexo consensual. Entretanto, uma articulação política internacional teria feito com que o processo fosse reaberto.
O governo americano nega ter algo a ver com a prisão temporária de Assange em Londres, mas o fundador do WikiLeaks teme ser entregue pela Suécia aos Estados Unidos. Assange é formalmente investigado nos EUA pelo Departamento de Justiça e pelo Pentágono (Departamento de Defesa), que buscam uma brecha jurídica para processá-lo pela Lei da Espionagem, de 1917. Entretanto, ex-autoridades da Justiça norteamericana já advertiram que uma tentativa nesse sentido entraria em choque com a Primeira Emenda da Constituição, que assegura a liberdade de expressão e de imprensa. Para todos os efeitos, Assange não espionou. Ele recebeu documentos e os publicou, o que é bem diferente.
Mesmo antes de um processo judicial, porém, o WikiLeaks sofreu nos últimos dias uma espécie de embargo econômico, que pode ser decorrência de pressões de membros do governo norte-americano contra empresas que prestam serviços ao site. Um banco suíço congelou a conta que, segundo Assange, contém recursos com os quais pagaria sua defesa. O Paypal (serviço on-line de pagamentos) congelou a conta pela qual o WikiLeaks recebia donativos, enquanto o servidor de internet Amazon simplesmente retirou o site do ar (o WikiLeaks continua ativo, felizmente, pois o serviço foi assumido por um servidor da França).
O cerco ao australiano, que abalou o jornalismo mundial com seu site, lembra a perseguição movida pelo governo dos EUA contra o ex-beatle John Lennon (1940-1980), cujo aniversário de falecimento foi lembrado pelos fãs e pela imprensa, ontem.
No início dos anos 70, Lennon foi morar nos Estados Unidos e se envolveu com ativistas contra a guerra do Vietnã. Compôs canções de protesto e ajudou a organizar um concerto para denunciar a prisão do poeta e militante antiguerra John Sinclair, condenado a dez anos de cadeia por portar dois cigarros de maconha. Sinclair foi solto, mas o governo abriu um processo para expulsar Lennon do país, com base na Lei da Imigração, sob o argumento de que o ex-beatle fora detido por porte de drogas na Inglaterra, anos antes.
A guerra judicial - registrada no documentário The US. vs. John Lennon, de David Leaf e John Scheinfeld - se estendeu de janeiro de 1972 a outubro de 1975. Desmoralizou publicamente o governo de Richard Nixon e acabou sendo vencida por Lennon, que recebeu o green card (visto permanente para morar nos Estados Unidos) no ano seguinte.
Se o governo Obama pretende mesmo processar Julian Assange, precisa estar preparado para a possibilidade de sofrer, como Nixon, uma derrota vergonhosa, com a agravante de que, neste caso, não há subterfúgio: trata-se de uma demanda frontal contra a liberdade de imprensa.
Liberdade e transparência são palavras frequentes nos discursos dos políticos e governantes em geral, mas poucos são realmente comprometidos com elas. Razões de Estado e de segurança nacional são pretextos alegados com frequência para restringir a liberdade e tornar a transparência relativa.
Para um governo, rebelar-se contra divulgações incômodas e processar quem as publicou não deixa de ser uma forma de despir a máscara democrática e revelar a face autoritária. Se isso ocorrer, terá sido, sem dúvida, o maior feito do WikiLeaks.
Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul
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