No início dos anos 70, as duas superpotências militares da época, URSS e Estados Unidos, estavam empenhadas no desenvolvimento de aeronaves militares cada vez mais velozes. Os americanos pareciam ter saído na frente, e em 1964 já tinham colocado em serviço o Lockheed SR-71 Backbird, e estavam prestes a fazer voar um gigantesco e impressionante protótipo de bombardeiro estratégico, o North American XB-70 Valkyrie, que, assim como o SR-71, tinha a capacidade de voar a Mach 3 ou mais.
Os soviéticos ficaram muito preocupados com essas aeronaves, que poderiam tornar seu país muito vulnerável a ataques, pela inexistência de um caça capaz de alcançar tais máquinas. Emitiram imediatamente um pedido para os escritórios de projetos de aeronaves, solicitando uma aeronave capaz de voar a 3.000 Km/h e capaz de alcançar 27 mil metros de altura, cerca de 88 mil pés.
A resposta a esse pedido veio na forma de um extraordinário avião de caça, o Mikoyan-Gurevich MiG 25, que voou pela primeira vez em 6 de março de 1964, na mesma época de entrada em serviço do Blackbird.
Obrigados a cancelar o programa do bombardeiro XB-70 Valkyrie (foto abaixo), devido ao altíssimo custo e mudanças de táticas da USAF, que passaram a priorizar ataques a baixa altura, era a vez dos americanos ficarem preocupados com o caça russo, sem par no inventário da USAF.
Embora o desenvolvimento do XB-70 tenha sido interrompido, a não ser para pesquisas científicas de voos de alta velocidade, o desenvolvimento do MiG 25 prosseguiu, e o avião entrou em operação em 1970. Recebeu a designação-código da OTAN de Foxbat.
Uma grande aura de mistério cercava o avião: os americanos conheciam todos os problemas estruturais de aeronaves de alta velocidade, principalmente da necessidade de empregar ligas metálicas resistentes ao calor, resultante do voo a Mach 3. A dificuldade de desenvolver ligas satisfatórias de titânio foi enorme, mas os russos pareciam ter ultrapassado esse problema sem maiores dificuldades. Mas como, perguntavam-se os engenheiros?
A alta velocidade parecia não ser a única qualidade do caça soviético: bem cedo os operadores de contramedidas eletrônicas perceberam que o sistema de radar do MiG 25 era praticamente invulnerável à qualquer tipo de interferência eletrônica, e isso era intrigante, porque os próprios americanos ainda não eram capazes de fazer nada parecido.
Relatórios imprecisos dos serviços de inteligência faziam supor ainda que o MiG 25 seria um ágil caça de combate aéreo aproximado, capaz de manobras inimagináveis. Em resposta a essas supostas capacidades, os americanos imediatamente solicitaram especificações de aeronaves de caça mais avançadas, que acabaram resultando no McDonnell-Douglas F-15 Eagle, na década de 1970.
Os americanos tratavam do assunto "MiG 25" como informação altamente secreta, pois temiam até mesmo que a revelação ao público do seu potencial pudesse causar pânico generalizado. Mesmo as poucas fotos obtidas até então ficaram restritas aos militares e cientistas.
Subitamente, em 6 de setembro de 1976, um incidente extraordinário modificou todo o pensamento ocidental a respeito do MiG 25: um jovem piloto soviético, o tenente Viktor Ivanovich Belenko (foto abaixo), então com 29 anos de idade, resolveu desertar, em seu novíssimo MiG-25.
Belenko decolou da sua base em Sakharovka, na Sibéria, onde fazia parte do 513º Regimento de Caças do Comando de Defesa Aérea Soviético. Ingressou tranquilamente no espaço aéreo japonês, na ilha de Hokkaido, humilhando as poderosas forças de caças F-104 Starfighter encarregadas de defender o Japão, e pousou sem qualquer oposição no aeroporto civil de Hakodate. O pouso foi algo desastrado, pois a aeronave ultrapassou os limites da pista, quebrando o trem de pouso do nariz e impossibilitando-a de voar novamente, por ora.
O empolgante acontecimento colocou em polvorosa todos os militares americanos. O avião teria que ser devolvido à União Soviética, mas os americanos não permitiriam que tal máquina deixasse o Japão sem ser cuidadosamente examinada. Imediatamente, um grupo de engenheiros e técnicos americanos, baseados em Wright Field, Ohio, embarcou para o Japão, a convite das autoridades civis e militares japonesas, para examinar o avião.
Após o incidente, o avião foi recolhido a um hangar na Base Aérea de Hyakuri, onde os japoneses permitiram aos americanos desmontar cuidadosamente o aparelho e acionar seus motores Tumansky, assim como seus sistemas de radar. Os manuais de operação toram imediatamente traduzidos e examinados. Os mitos a respeito do avião foram então revelados, e os militares e engenheiros ficaram nitidamente perplexos com a aeronave que tinham, temporariamente, nas mãos.
Para começar, verificou-se que a estrutura do avião era muito mais convencional do que se supunha, na verdade análoga à dos primeiros McDonnell-Douglas F-4 Phanton. Nenhuma liga metálica avançada foi empregada extensivamente. Para superar o calor gerado em altas velocidades, o MiG 25 era construído simplesmente em liga de aço-níquel. Esse material era bem mais barato e fácil de trabalhar que as ligas de titãnio empregadas no SR-71, mas tinha o sério inconveniente do peso, resolvido pelos russos pela simples adição de mais potência no motor. Cerca de 80 por cento do peso do MiG 25 constituía-se de liga aço-níquel, 11 por cento de alumínio e apenas 9 por cento de titânio. Isso explica a facilidade e o baixo custo da construção do MiG 25, em evidente contraste com os caríssimos SR-71.
Evidentemente, o peso do aço e o empuxo adicional necessário influíram decisivamente no raio de alcance de combate do avião, reduzido a ridículos 300 Km, e do alcance em translado subsônico, de pouco mais de 1.200 Km. Isso eliminava o risco de um MiG 25, equipado eventualmente com um artefato nuclear, atacasse Tokyo, por exemplo, a partir da Sibéria, um dos temores mais frequentes dos estrategistas japoneses e americanos.
Os engenheiros também perceberam que a preocupação com o peso obrigou o MiG 25 a limitar o fator carga máximo a que o avião pudesse atingir. De fato, com tanques cheios, o MiG 25 estava limitado a apenas 2,2 G positivos, e o limite absoluto ficava em meros 4,5 G positivos. Isso, é claro, tornava o MiG 25 bem pouco manobrável e incapaz de fazer combates aproximados, os dogfights. Toda a capacidade de combate do avião residia no poder de fogo BVR (Beyond Visual Range - além do alcande visual), justamente o contrário do que se pensava até então.
Os engenheiros americanos logo perceberam que soviéticos fizeram a estrutura primária do MiG 25 do modo mais simples possível, fazendo uso extensivo de solda manual de arco voltaico e rebites convencionais ("cabeçudos"), uma característica quase impensável para os americanos para um avião tão veloz, mas que facilitava enormemente a construção e a manutenção da estrutura. Mas o uso do aço fez com que o avião pesasse impressionantes 29 toneladas, desarmado.
Mesmo a capacidade do avião de voar a Mach 3 foi, na prática, desmentida: os velocímetros possuiam uma linha radial vermelha em Mach 2,8. Embora tivesse empuxo suficiente para voar mais rápido, pelo menos até Mach 3,2, os soviéticos limitaram a velocidade para evitar overspeed e superaquecimento dos motores acima de Mach 2,8.
Mas o grande mistério do avião era realmente o sistema de radar. Como o MiG 25 podia ser praticamente imune às contramedidas eletrônicas americanas? A resposta a essa questão foi simples, simples até demais: pela força bruta: o radar do MiG 25 tinha a formidável potência de 600 kW. Poderia resistir até mesmo aos pulsos eletromagnéticos de uma explosão nuclear. Tecnologicamente falando, usavam antigas válvulas de vácuo ao invés de componentes transistorizados, obsoletas, mas muito resistentes ao aquecimento das altas velocidades e às contramedidas eletrônicas. Foi uma interessante e surpreendente opção dos soviéticos (foto acima).
O que impressionou os técnicos foi o computador de bordo, um equipamento muito avançado de navegação e de rastreamento de alvos no solo, além de ter capacidade de rastrear alvos aéreos a uma distância de 500 Km, uma fantástica capacidade BVR na época.
A desmistificação do avião foi um grande trunfo para os americanos, e influenciaram em todos os projetos posteriores de aeronaves de combate, particularmente em relação à capacidade de combate BVR. No fim das contas, a velocidade do avião tornou-se apenas um mero detalhe do MiG 25, e todos os desenvolvimentos posteriores de caças procuraram melhorar a capacidade de atingir alvos à distância e o poder de fogo. Chegava ao fim a busca por mais velocidade nos aviões de caça.
Depois de 67 dias no Japão, o MiG 25 foi devolvido aos soviéticos por via marítima, parcialmente desmontado em cerca de 30 subconjuntos. Belenko pediu asilo político aos Estados Unidos, prontamente concedido pelo Presidente Gerald Ford. Estabeleceu residência em North Dakota.
Belenko foi extensamente interrogado pelos militares americanos durante os cinco meses seguintes à sua deserção, fornecendo importantes informações acerca do poderio soviético na Sibéria Oriental e na Ilha Sacalina, além de detalhes acerca dos novos desenvolvimentos do MiG 25. O governo lhe concedeu uma generosa ajuda financeira para que sobrevivesse nos Estados Unidos, e empregou-o como consultor militar.
Belenko casou-se com uma professora de música americana, e tornou-se cidadão dos Estados Unidos em 1980. Teve dois filhos, divorciou-se posteriormente e até mesmo viajou a negócios para a Rússia, após a derrocada do regime Soviético, em 1995.
O MiG 25 continua em serviço limitado na Rússia, nos países da antiga União Soviética e em alguns países amigos da Rússia. Um MiG 25 do Iraque conseguiu abater um caça americano F/A-18 Hornet durante a primeira Guerra do Golfo, em 1991. Depois da desativação dos SR-71 (foto abaixo), o MiG 25 detém o título de aeronave militar mais veloz em serviço. Bateu diversos recordes de performance, inclusive o de maior altitude absoluta atingida por uma aeronave a jato, de 123.523 pés, em 31 de agosto de 1977.
Quarenta e seis anos após o seu primeiro voo, e 34 anos após ser conhecido no Ocidente, no Incidente de Hakodate, o MiG 25 ainda é uma das mais fascinantes aeronaves militares do mundo.
0 Comentários