Durante uma geração após a guerra, um dos fatores mais importantes da vitória aliada permaneceu em segredo absoluto, por ordens de Churchill. Esta é a história da decifração do código Enigma - e de como tal façanha foi escondida do inimigo .
As tripulações dos navios de suprimentos alemães que cruzavam o Mediterrâneo entre 1941 e 1942 mantinham-se de olhos e ouvidos atentos, como animais caçados. Eles eram os responsáveis pelo sucesso da aguerrida campanha de tanques comandada por Erwin Rommel no deserto da África. Se os navios mantivessem as linhas de suprimento abertas, os Panzers da Alemanha seriam vitoriosos em sua campanha para pulverizar o Oitavo Exército Britânico. Se não, mesmo o talentoso Rommel - privado de combustível e equipamentos bélicos - encararia a derrota inevitável. A responsabilidade dos homens do mar era imensa.
Caçada submarina
O nervosismo daqueles marinheiros, porém, era justificado. Tanto quanto os alemães, os ingleses estavam plenamente conscientes da importância dos navios, e estavam determinados a mandá-los a pique. Os céus estavam sempre coalhados de aeronaves aliadas, e os mares, infestados de submarinos.
Seis de cada dez cargueiros que cumpriam rotas entre o norte da África e a costa setentrional do Mediterrâneo tinham sido afundados. Os alemães e os italianos calcularam que enfrentavam uma esquadra de não menos que 400 submarinos, orientados do ar por uma poderosa força de aeronaves de reconhecimento, baseada na ilha de Malta.
A verdade, porém, era bem diferente. A poderosa esquadrilha de reconhecimento dispunha apenas de três aviões. Todos os 2,5 milhões de km2 do Mediterrâneo eram patrulhados por apenas 25 submarinos. Ainda assim, os navios alemães e suas preciosas cargas estavam sendo afundados como alvos de exercícios de tiro.
A resposta, um dos segredos mais bem guardados da guerra, permaneceria desconhecida por 30 anos após o fim da guerra. Tinha pouco a ver com os centros de comando em Malta, Cairo ou Argel. E dependia ainda menos da sorte e da estratégia militar. Na verdade, os homens responsáveis por esse sucesso tinham sido há muito afastados da disciplina militar; seus trajes civis e o fato de não estarem vinculados a estruturas de comando representavam uma ofensa aos princípios do exército.
Muitos deles foram considerados covardes ou desertores. Ainda assim, se eles não ganharam a guerra diretamente, foram sem dúvida responsáveis por tê-la encurtado. Sua áreas de atuação não eram os mares nem os céus, mas diversas tendas insuspeitas armadas no quintal de Bletchley Park - cujo codinome era Estação X, uma casa de campo no condado de Buckingham. Suas armas não eram torpedos nem bombas, mas intuição, imaginação e lógica.
Liderados pelo gênio matemático Alan Turing, que costumava andar com os cabelos desgrenhados e roupas amarrotadas, eles foram os homens que decifraram o laborioso código usado pelos alemães em suas máquinas de cifragem chamadas Enigma.
Através de um sistema de rotores e fios cruzados, a Enigma produzia 17.576 alfabetos substitutos e mudava automaticamente o código a cada vez que uma tecla era pressionada.
A façanha dos cientistas de Bletchley Park tem gerado lendas, mas a aura de sigilo que se criou em torno dela foi mantida muito depois do Dia da Vitória.
Os telegrafistas alemães facilitaram o trabalho dos decodificadores. Em geral, iniciavam as mensagens com frases como “Heil, Hitler”. Para a equipe de Bletchley Park, o conhecimento dessas dez letras podia ser a chave para decifrar a mensagem.
Surpreendentemente, apenas em 1975 aqueles que combateram e sobreviveram à guerra do lado aliado tomaram conhecimento do grande feito da inteligência militar que salvou milhares de vidas.
E ainda que a equipe de Bletchley Park mereça cada honraria que tem recebido desde então, houve outros cuja contribuição crucial ainda não recebeu o justo reconhecimento.
A primeira superação
Os fundamentos para a façanha de Bletchley Park foram lançados na verdade durante a década de 30 na Europa Oriental, depois que três jovens matemáticos brilhantes da Universidade de Poznan foram recrutados para trabalhar na equipe do departamento de decodificação polonês. Marian Rejewski, Jerry Rózycki e Henryk Zylgaski passaram o resto da década analisando mensagens alemães codificadas.
A delicada posição geográfica da Polônia, entre a emergente Alemanha nazista e a belicosa Rússia stalinista, levou seu governo a despender grandes esforços em operações de inteligência. Esse empenho recebeu um auxílio inesperado em 1929, quando um pacote alemão foi equivocadamente enviado para a Polônia.
Alertados por um desconfiado oficial de alfândega, as autoridades polonesas o abriram e se depararam com uma máquina Enigma em pleno funcionamento. Ela foi minuciosamente estudada, e em seguida reembalada com cuidado e despachada para o destinatário correto. Essa confusão postal permitiu aos poloneses construir réplicas perfeitas e totalmente operantes sem que os alemães tivessem qualquer idéia de que a máquina tinha caído em suas mãos.
A dificuldade era que o exército alemão usava nos rotores de suas máquinas um conjunto de fios internos diferente das versões comerciais. Mas através de uma combinação de intuição e teoria matemática, Marian Rejewski conseguiu conectar a fiação.
A prática alemã de iniciar as mensagens na última disposição assumida pela máquina para que o receptor pretendido o decodificasse deu aos decifradores oportunidades de estabelecer padrões nos diferentes códigos e desvendá-los.
Dessa maneira, os poloneses conheceram cinco anos de supremacia de inteligência, mas ao final da década os alemães aumentaram a sofisticação do processo, com conexões extras no quadro de plugues e mais rotores. E o pior: as padronagens passaram a mudar diariamente. Era demais para os recursos logísticos dos poloneses.
Sob a ameaça de uma guerra generalizada, eles passaram modelos da máquina codificadora aos britânicos e franceses em Varsóvia, em julho de 1939. O fruto de uma década de trabalho forneceu a Bletchley Park uma base para enfrentar o desafio.
A passagem do bastão
Pelo fim de 1942, e após um livro de código da Enigma ter sido capturado num submarino encalhado no Mediterrâneo oriental, a Inglaterra já podia ler todas as mensagens alemãs. Mas como os ingleses poderiam usar essa vantagem sem alertar o inimigo da quebra de seus códigos?
O grande trunfo da inteligência aliada incumbida de proteger o segredo da decifração era a própria confiança dos alemães na segurança do sistema. Mesmo quando os destróieres ingleses passaram a afundar os submarinos alemães numa escala sem precedentes, eles simplesmente não acreditaram que os aliados tivessem decifrado o Enigma.
Quando as decodificações de Bletchley Park chegaram a 90.000 por mês, a equipe influenciava quase todos os aspectos da guerra. Eles ajudaram os ingleses a minimizar suas baixas durante a retirada de Creta, e também foram de imenso valor para os norte-americanos e russos. Estes últimos, porém, só tinham acesso a informações reduzidas, transmitidas por canais diplomáticos e disfarçadas para parecerem espionagem de rotina.
As vitórias aliadas no Atlântico e no Mediterrâneo aceleraram a virada na balança do poder após a entrada dos EUA na guerra, em dezembro de 1941, e deram a viabilidade à invasão da Normandia.
Ninguém pode precisar por quanto tempo a guerra ainda se arrastaria sem os decifradores poloneses e ingleses - as estimativas variam de dois a três anos. O certo é que tal adiamento implicaria um custo colossal e uma catastrófica perda de vidas.
Fonte: O Informante
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