Com o desfecho da guerra civil na Líbia cada vez mais incerto, analistas acreditam que o governo do líder Muammar Kadafi deverá sobreviver em meio às divergências internas na Otan e sua campanha militar no país do norte da África. Segundo eles, os rebeldes pró-democracia dificilmente conseguirão derrubar o regime líbio contando tão somente com os ataques aéreos da coalizão internacional.
"Está ficando cada vez mais claro que Kadafi vai triunfar em manter seu controle sobre o oeste do país e os recursos naturais como o petróleo", disse o analista político Mohamed Salem, diretor do Instituto para Desenvolvimento no Cairo.
Para ele, as divisões internas da Otan sobre suas estratégias militares na Líbia e o despreparo dos rebeldes nos campos de batalhas são sinais de que a guerra civil na Líbia deve ser de longo prazo se não for achada uma solução política para a crise. "Ou resolvem pelas vias políticas, ou então a Otan e os rebeldes devem achar uma mudança na estratégia militar", completou Salem.
Para o colunista político egípcio Gamal Nkrumah, o regime de Kadafi está longe de acabar devido à falta de comando e organização militar dos rebeldes, liderados pelo ex-general Khalifa Haftar, que ocupa o cargo de comandante-em-chefe, e o ex-ministro do Interior de Kadafi, Abdel Fatah Younis,
"Tropas desertoras do Exército líbio não vêm sendo vistas nos campos de batalha, deixando jovens rebeldes, com pouco treinamento e experiência, para lutar no front contra tropas profissionais e mercenários de Kadafi", salientou Nkrumah.
De acordo com o analista, a "confusão" nos campos de batalha só dificultou ainda mais o trabalho da Otan, que não deseja um conflito de longo prazo, mas incapaz de ajudar os rebeldes apenas com seus ataques aéreos.
Os bombardeios da coalização de países começaram no dia 19 de março após a aprovação de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que autorizava uma "zona de exclusão aérea e o uso de força militar para proteger a população civil". Até então, tropas do governo forçaram os rebeldes a recuarem até Bengazi. Havia um medo de que uma vez as tropas de Kadafi entrassem na cidade, um massacre seria cometido contra a população.
Otan sem tempo
A Otan acabou assumindo o comando das operações que, segundo seus chefes militares, já destruiram cerca de 25% da capacidade militar de Kadafi. Com isso os rebeldes voltaram a avançar em direção ao oeste, mas as tropas leais ao governo voltaram a ganhar terreno com ataques e estratégias que dificultam os bombardeios da Otan.
Segundo analistas militares, Kadafi tem cerca de 20 mil soldados profissionais altamente treinados e apoiados por um mesmo número de milícias e mercenários. Enquanto que os rebeldes possuirem maior número de soldados, mas sem treinamento e conhecimento para usar armas mais pesadas em combate. Entre os rebeldes há apenas 2 mil soldados profissionais, desertores do Exército líbio e mais aptos a lutar.
"É com determinação que esses jovens rebeldes tentam tomar o país. Mas sem armamento adequado e treinamento, eles dependerão dos bombardeios aéreos da Otan para protegê-los e evitar que Kadafi tome o controle de todo o leste do país", enfatizou Salem.
"A verdade é que, apesar das perdas de tanques e artilharia por causa dos ataques da Otan, Kadafi continua forte porque possui três elementos a seu favor: tropas leais bem equipadas, dinheiro e um inimigo fraco no campo de batalha".
Salem explica que um conflito prolongado será um desastre para a Otan, pois os governos da aliança militar começarão a sofrer cobranças domésticas por resultados sobre o que estão fazendo na Líbia.
"Quanto mais Kadafi permanece no poder, mais a sensação de derrota toma conta da administração do presidente americano Barack Obama e de outros governos como da Grã Bretanha e França, estes dois últimos países que mais insistiram pela intervenção militar".
Um plano de paz proposto pela União Africana foi aprovado por Kadafi, mas rejeitado pelos líderes da oposição. Vários países que formam uma coalização internacional se reuniram no Catar recentemente para debater sobre como ajudar os rebeldes. Ainda se discute o envio de armamento e dinheiro, proveniente dos fundos de Gaddafi que foram congelados pelos governos ocidentais.
Líbia pós-Kadafi
No entanto, o analista Gamal Nkrumah enxerga outro problema com a oposição - uma posição mais clara dos líderes políticos do Conselho Nacional de Transição (CNT), um governo provisório formado por diversos opositores pró-democracia e baseado em Bengazi, segunda maior cidade da Líbia.
Os países ocidentais estão lidando com vários ex-ministros e políticos que pertenciam ao regime de Kadafi, mas depois desertaram para o lado da oposição e agora são membros do CNT. "Nenhum deles esclareceu suas posições ideológicas até agora. Vários líderes do CNT não são pessoas inspiradoras, e muitos diplomatas ocidentais não veem neles a salvação da Líbia", falou Nkrumah.
Para o analista, ninguém sabe exatamente o pode acontecer em uma Líbia pós-Kadafi. "Jovens líbios estão se juntando às fileiras das forças militares do CNT mas, ao contrários dos jovens na Tunísia e Egito, eles apenas estão motivados por um único desejo - o de remover Kadafi do poder".
Nkrumah explicou que o que aconteceria em um cenário pós-Gaddafi continua um mistério, já que os líderes do CNT não têm total legitimidade entre todos os líbios, deixando incertezas sobre o futuro do país.
Segundo o analista, a aventura militar "irresponsável" do Ocidente na Líbia foi bem analisada pelo ex-ministro de Relações Exteriores líbio, Moussa Koussa, que como outros também desertou quando fugiu para Londres, a capital britânica.
"Ele declarou que a Líbia poderia acabar se transformando na próxima Somália caso não emergissem lideranças fortes e lúcidas. O mais incrível é que ele tem toda a razão", completou Nkrumah.
Fonte: Jornal do Brasil
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