O G1 ouviu especialistas para analisar quais seriam os cenários possíveis e os principais desdobramentos – para os EUA e para a economia mundial – em três situações diferentes: caso os parlamentares consigam um acordo; caso o presidente Barack Obama eleve o teto da dívida à revelia do Congresso por meio de um decreto, ou, em última hipótese, se ocorrer um eventual calote.
1 – Acordo:
Uma das possibilidades para a solução do impasse é justamente o que tem causado o conflito no Congresso: um plano sobre o teto da dívida que seja aprovado tanto pelos republicanos quanto pelos democratas. Esse plano, além de aumentar o limite de endividamento do país, hoje em US$ 14,3 trilhões, precisaria possibilitar o reajuste das contas do governo dos EUA em longo prazo, explica o coordenador do curso de Negócios Internacionais e Comércio Exterior da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Evaldo Alves.
Impassse entre republicanos e democratas | ||
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Possíveis desdobramentos | ||
Acordo | Calote | Decreto |
“Em condições normais, o ideal seria chegar a um acordo e, como decorrência, a uma aprovação de um plano de contenção de gastos e aumento de impostos (...). Só que os EUA estão passando por uma época em que começa a existir um grande radicalismo político, nenhum lado quer abrir mão (...). É um diálogo entre surdos”, avalia o especialista. Os republicanos, por exemplo, não querem aumento dos impostos. O presidente Obama, por sua vez, defende alta dos tributos apenas aos mais ricos.
Para os especialistas, a aprovação de uma espécie de “plano bipartidário” seria a solução para a questão, ou seja, uma proposta que inclua apenas os itens em comum nos projetos de cada um dos lados, explica Antonio Carlos Alves dos Santos, coordenador do curso de Economia Internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Existem dois planos em discussão atualmente. Um plano elaborado pelos republicanos foi aprovado nesta sexta-feira pela Câmara, onde o partido tem maioria, mas rejeitado pelo Senado. O outro, apoiado pelos democratas, por sua vez, tem maior facilidade de ser aprovado no Senado, onde têm a maior parte dos assentos. Republicanos ainda podem tentar uma nova versão do plano.
Acontece que os mesmos planos podem ser barrados quando forem discutidos nas casas opostas, explica o professor da PUC-SP. O próprio presidente Obama chegou a afirmar que, caso o plano dos republicanos passasse no Senado, ele o vetaria.
“Estou espantada de ver a incapacidade política do Congresso americano”, resume Cristina Helena Pinto de Mello, professora de Macroeconomia do curso de Administração de Empresas da ESPM. Para ela, será muito difícil que republicanos e democratas cheguem a um acordo até o dia 2 de agosto. Um dos problemas, na opinião da professora, é que os próprios republicanos estão “fragmentados”, o que dificulta a coordenação política.
“Em havendo uma aprovação, sai todo mundo muito desgastado politicamente”, destaca. “Não consigo acreditar que aprovem um aumento integral da dívida de forma a deixar o presidente Obama com margem de conforto [para governar].”
A disputa política pode trazer, entre as consequências, uma reclassificação da nota da dívida dos EUA, na opinião de Cristina. “Fundos que carregam os títulos vão sofrer um impacto. (...) Imagino que estes fundos estejam pressionando para a construção deste acordo.”
O professor Arthur Bernardes do Amaral, do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), destaca que só será possível um acordo caso republicanos cedam em alguns pontos e democratas façam determinadas concessões. “A própria filosofia do Obama é o diálogo, ele é muito da construção em conjunto. O problema é quando o interlocutor não quer conversar”, diz.
A aposta do professor é que, no último momento, os republicanos se sensibilizem – e usem isso em benefício próprio. “Vão sair desta história dizendo: ‘flexibilizei em nome do interesse nacional’. Eles sairão como benevolentes e o Obama como desesperado.”
Não conseguir um acordo, porém, também seria “uma tremenda derrota para o Obama”, avalia Amaral, da PUC-RJ. “Seria uma derrota no voto, mas principalmente nas consequências, porque teria que rever uma série de programas, de impostos para a classe média, e isso seria um revés político”, diz.
Carlos Eduardo Stempniewski, professor do curso de Política e Economia das Faculdades Integradas Rio Branco, acha que há “uma possibilidade bastante boa que [democratas e republicanos] não cheguem a acordo nenhum”. “Se o Obama aceitar os cortes sociais e não aumentar impostos, fica em situação ruim com relação a suas propostas. Se elevar o teto da dívida, fica ruim para a turma de republicanos.”
Para ele, um dos grandes problemas – que, inclusive está dificultando um acordo – é a ignorância dos políticos em relação à economia. “A sensação que fica é que a maioria daqueles deputados não tem muita noção do impacto que isso traria para a economia mundial. Acho que há uma ignorância sobre o que é economia, como funciona”, critica.
Além disso, preocupa-o a radicalização, principalmente dos republicanos que integram o chamado “Tea Party”. “Além de não entender de economia, eles não querem discutir.”
Porém, na opinião de Stempniewski, não se tem certeza absoluta de que o dia 2 de agosto seja mesmo “o dia D”. Quando, porém, o prazo finalmente se esgotar, o professor acredita em um acordo que contemple, por exemplo, corte de gastos sociais e aumento de impostos, portanto, com os dois lados cedendo um pouco.
O professor diz que, de imediato, pode haver um pânico generalizado, com bolsas e dólar caindo, mas que, passado o “terrorismo”, os banqueiros pressionarão o Congresso, que poderá decidir a favor do Obama.
2 – Decreto:
Caso o Congresso não chegue a nenhum acordo até o dia 2 de agosto, uma possibilidade seria que o presidente Obama elevasse o teto da dívida por meio de um decreto, por exemplo. O professor Arthur Bernardes do Amaral, da PUC-RJ, explica, porém, que Obama só poderia tomar uma atitude arbitrária em casos extremos. “Só pode em caso de segurança nacional. Ele não poderia fazer isso ordinariamente, só extraordinariamente.”
Caso esta seja a escolha de Obama, Amaral diz que “as consequências políticas seriam muito graves”. “Ele seria acusado de arbitrariedade. (...) O país foi fundado em cima do princípio de combater a tirania. Se o Obama agir como um autocrata, vai passar por cima da divisão do poder.” Isso, na opinião do professor, poderia comprometer uma tentativa de reeleição em 2012.
Evaldo Alves, da FGV, diz que a legislação americana dá o poder do decreto ao presidente, mas também reforça que apenas em casos extremos, como o de uma guerra. “Se ele alegar que é situação de emergência, semelhante à guerra, ele pode fazer”, diz. O especialista avalia, contudo, que essa alternativa seria muito desgastante ao presidente, que precisaria fazer uma “ginástica” muito grande para enquadrar a atual situação do país em tamanha situação de emergência para fazer o decreto.
Alves dos Santos, da PUC-SP, avalia que a opção de decreto é sustentada, mas seria impopular até mesmo para os republicanos, já que a opção só aconteceria caso eles não tivessem cedido a um acordo. “A pressão cairia também sobre os republicanos (...). Todos estão em uma situação complicada”, diz.
Para Rodrigo Zeidan, professor de Economia e Finanças da Fundação Dom Cabral, Obama dificilmente chegaria ao ponto de tomar a decisão sozinho. “Ele não tem essa imagem (...). Nas propostas recusadas pelos republicanos ele fez concessões que até os democratas criticaram”, afirma. Ainda na opinião de Zeidan, o decreto poderia dar margem aos republicanos afirmarem que tentaram acertar o país e Obama não aceitou.
Os especialistas avaliam, contudo, que um decreto que apenas aumentasse o teto da dívida não resolveria o conflito econômico do país. A medida só postergaria novas negociações no Congresso, já que seria necessário um plano com outras ferramentas além do aumento do limite de endividamento.
Para Cristina, da ESPM, não há a possibilidade de resolver a questão via decreto. “Dá impeachment, não pode”, diz. “O que estão fazendo agora é tentar achar uma brecha na interpretação do texto jurídico. Não é fazer alteração jurídica.”
Cristina destaca, porém, que esta não seria uma boa solução. “O mais provável seria não correr o risco de um questionamento jurídico, que vai expor o presidente da República.”
Stempniewski, das Faculdades Integradas Rio Branco, refuta a possibilidade de um decreto. Para ele, a oposição pode até tentar “empurrar Obama para uma decisão pela radicalização”. “Vão empurrar o Obama para uma decisão solitária, porque aí eles não têm responsabilidade. Obama vai fingir que não entendeu e vai ‘sentar em cima do caixa’ e pagar seletivamente”, avalia.
3 – Calote:
Apesar de considerada remota pelos especialistas, a possibilidade de calote da dívida americana coloca em cheque a classificação de pagador mais seguro do mundo.
“Nos mercados financeiros, já estaria o caos no dia seguinte (...). Isso sinalizaria a incapacidade dos Estados Unidos de fazer um acordo, o que, em longo prazo, é preciso. Um calote seria um sinal de que nem mais nos EUA a coisa acontece. Geraria uma incerteza, já que para todos os investidores do mundo inteiro, o título americano é o mais seguro do mundo”, afirma o professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Eduardo Soares Gonçalves.
O professor Evaldo Alves, da FGV, lembra que o calote, contudo, não aconteceria com todas as dívidas do país. Nesse caso, o governo iria priorizar quais pagamentos são os mais importantes. Ou seja, o país não terá condições de pagar algumas despesas, entre elas os gastos sociais, com idosos, saúde, com o Exército, entre outros.
O professor Zeidan, da Fundação Dom Cabral, diz que a primeira coisa que vai continuar a ser paga são os juros da dívida. “Pode haver atraso nos pagamentos de algumas contas, cheques de seguridade social, pensões, aposentadorias. (...) Provavelmente vai ser temporário, não é nada tão drástico”, afirmou.
Para Amaral, da PUC-RJ, na eventualidade de um calote, isso seria “o fim da era da credibilidade plena e automática por parte dos Estados Unidos”, mas que, ainda assim, “não abalaria a economia do país de morte”. “Seria um choque, mas que seria um sinal dos tempos, de que os Estados Unidos não são mais invulneráveis, existem outros atores emergindo e ele será mais um. Seria o indício de que o país não é imune a tudo. Não deixaria de ser a principal economia do mundo, mas teria um choque de credibilidade”, analisa.
Para a economia mundial, ele acredita que haveria “reverberações nos mercados de capitais”, mas não a longo prazo. “No pior dos mundos, pode ocorrer uma desvalorização maior do dólar por uma semana, depois começaria a acertar os ponteiros e veria as consequências reais.”
Cristina, da ESPM, descarta a possibilidade de um calote total, mas não a de um “calote negociado”. “O governo arrecada recursos todos os dias. (...) Talvez o Tesouro americano possa, de alguma forma, selecionar o que vai ser pago. Aí não se pode questionar o presidente. Ele pode atrasar pagamentos que interessem a seus oponentes políticos, por exemplo”, descreve.
“Uma suspensão de pagamento é como se fosse um calote. Pode usar o eufemismo de dizer que é um calote negociado.” Cristina não acredita que governo e oposição cheguem a um acordo a tempo e aposta que o que pode ocorrer é justamente um atraso no pagamento.
“Todo o sistema financeiro internacional está assentado sobre a moeda de reserva, que é a norte-americana, mas principalmente sobre os títulos. Essa situação merece muita atenção. Não temos alternativa, mas isso vai mudar a composição das reservas. A China tem furiosamente dado declarações com relação a isso. E a última vez que a China fez recomposição [das reservas] quase causou um tsunami na economia mundial.”
Para Stempniewski, das Faculdades Integradas Rio Branco, se for obrigado a tomar uma decisão solitária, Obama poderá fazer uma “gestão seletiva de recursos”. “Como a base dele é muito voltada ao social, não acredito que deixe de pagar pensões, aposentadorias. Vai cortar fornecedor do Pentágono, gasto de militares. Vai fazer uma gestão seletiva de recursos, não no social, mas principalmente na indústria de guerra e de banco”, avalia.
Para o professor, o pagamento seletivo pode ser considerado uma espécie de “pré-calote”. A consequência imediata de um não-pagamento seria o rebaixamento da nota da dívida dos Estados Unidos pelas agências de classificação de risco.
Análise
Para falar da tentativa de um acordo entre governo e oposição – e de um eventual fracasso – o professor Carlos Eduardo Stempniewski, das Faculdades Integradas Rio Branco, destaca que é preciso entender toda a questão de três pontos de vista diferentes: histórico, econômico e político.
“Grande parte deste problema vem de situações criadas pelos republicanos no passado: Segunda Guerra Mundial, guerra da Coréia, do Vietnã, do Iraque e, agora, do Afeganistão, fora outras confusões localizadas que foram protagonizando”, diz. “O histórico republicano de acumular déficits em cima da máquina de guerra é o grande responsável por esta situação que está aí hoje, é a origem do problema.”
“Quando a gente olha a questão econômica pura e simples envolvida, existe uma situação muito clara: os Estados Unidos gastam mais do que conseguem produzir ou guardar ou ter em reservas. Portanto, é obrigado a se endividar eternamente”, explica. “Os Estados Unidos hoje precisam reduzir despesas, como a máquina de guerra; cortar despesas internamente, como programas sociais. (...) Tecnicamente não existe nenhuma saída que não contemple cortar gastos e aumentar impostos.”
Do ponto de vista político, Stempniewski lembra que não se pode perder de vista a eleição de 2012. “O que o Obama quer? Quer criar uma situação que prejudique os republicanos e qualquer candidato deles. E os republicanos querem criar uma situação que prejudique a figura do Obama e a torne inviável para a reeleição no ano que vem. Isso é como briga de marido e mulher: é ódio, ressentimento, uma série de questões muito pessoais que leva as pessoas a fazerem os maiores absurdos possíveis”, conclui.
Fonte: G1
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