Uma das metas é duplicar o orçamento do programa, que foi de R$ 326 milhões em 2010. A necessidade é de pelo menos R$ 500 milhões anuais em investimentos no programa de satélites do Inpe, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e de R$ 200 milhões no desenvolvimento de foguetes pelo Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), ligado à pasta da Defesa. O diretor-geral do Inpe, Gilberto Câmara, lembra que a cifra é modesta quando comparada ao investimento de países do bloco dos Brics. “Para competir com o programa da Índia, deveríamos multiplicar nosso orçamento por cinco e, no caso da China, por sete. Nosso programa não tem finalidades bélicas, como o da Índia, nem é instrumento de afirmação nacional, como na China, mas dobrar o volume de recursos é essencial para fornecer serviços de que o país necessita”, afirma.
O freio de arrumação busca ampliar a escala do programa. O Inpe, que ao longo de sua história conseguiu fabricar e levar ao espaço cinco satélites, tem uma série de projetos em desenvolvimento, alguns com parceria internacional, e quer lançar 14 satélites até 2020. O primeiro deles é o Cbers-3, satélite de monitoramento terrestre resultante de uma parceria com a China que já dura 23 anos. Uma de suas câmeras fará imagens da Amazônia a cada cinco dias, com uma resolução de cerca de 70 metros, em vez dos 260 metros da câmera do antecessor Cbers-2B, que parou de funcionar em maio de 2010. O Cbers-3 deve ir ao espaço em 2012, depois de amargar um atraso de cinco anos devido a restrições dos Estados Unidos ao fornecimento de componentes eletrônicos. Outros dois satélites da família estão previstos no acordo com a China. Além deles, o Inpe desenvolve a Plataforma Multimissão, talhada para levar ao espaço cargas de vários tipos com até 500 quilos (kg). Satélites de pequeno porte propõem-se a monitorar as queimadas na Amazônia (Amazônia-1 e 2) e os oceanos (Sabiá-1 e 2, em parceria com a Argentina) e cumprir missões científicas, como estudar o espectro do solo e da vegetação (Flora Hiperespectral), a emissão de raios X (Lattes-1), o clima espacial (CLE-1) e a astrofísica (AST-1 e 2).
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Satélite do programa Cbers em teste: novos lançamentos |
A expansão do terceiro pilar do programa, que é o Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, depende de outras variáveis. Criada em 1983, é a base que se encontra mais próxima da linha do equador, o que lhe permite aproveitar ao máximo a rotação da Terra para impulsionar os foguetes com economia de combustível e custos menores (13% a 31% de vantagem em relação a Cabo Canaveral, dos Estados Unidos). Na prática, vem sendo subutilizada. Para resolver o problema, é preciso, em primeiro lugar, remover um obstáculo diplomático que veda o lançamento de foguetes norte-americanos. O Brasil assinou com os Estados Unidos, em 2000, um Acordo sobre Salvaguardas Tecnológicas estabelecendo regras para o lançamento de foguetes. O Congresso brasileiro negou-se a ratificar o acordo, com a alegação de que algumas cláusulas feriam a soberania nacional, e o resultado disso é que o país responsável por 80% do mercado dos lançamentos não utiliza Alcântara. O ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, que se opôs ao acordo de salvaguarda quando era parlamentar, já anunciou a disposição de patrocinar um entendimento. “Estamos em novo momento da relação bilateral”, afirmou Mercadante, na posse de Raupp como presidente da AEB, em março.
Para utilizar mais Alcântara, o Brasil celebrou um acordo com a Ucrânia para concluir o desenvolvimento de um foguete ucraniano, o Cyclone-4, capaz de colocar em órbita geoestacionária cargas de até duas toneladas a partir da base maranhense. O foguete é fruto da adaptação de um míssil soviético, mas é preciso investir R$ 1 bilhão no projeto. O acordo levou à criação de uma empresa binacional, a Alcântara Cyclone 4 – com a qual os dois países partilhariam os dividendos da utilização da base. O programa vive um impasse. O Brasil já repassou R$ 218 milhões, mas a Ucrânia tem dificuldades em cumprir sua parte e investiu R$ 98 milhões. O primeiro voo de qualificação do Cyclone-4, previsto inicialmente para 2010, agora está programado para 2013.
Na comparação com países emergentes, o programa espacial brasileiro vem perdendo importância. Quando celebrou o acordo com a China, em 1988, o Brasil tinha um cacife alto em matéria de desenvolvimento tecnológico de satélites. “Hoje a assimetria entre os dois países ampliou-se muito, mas o governo chinês continua vendo com interesse a parceria com o Brasil”, diz Ricardo Cartaxo, coordenador do programa Cbers. Os atrasos no programa espacial brasileiro contrariam os chineses, que, neste ano, deverão decidir se querem manter a parceria após o lançamento do Cbers-3 e 4. Segundo um relatório da Futron Corporation, dos Estados Unidos, o Brasil ocupa a última colocação entre 10 países analisados pelo Índice de Competitividade Espacial, que avalia três dimensões principais: programas governamentais, capital humano e participação da indústria. “A busca de autonomia, tanto no domínio de tecnologias críticas quanto no acesso ao espaço ou no uso de serviços e aplicações espaciais, não foi alcançada, gerando até hoje dependência dos operadores e fornecedores internacionais”, observou o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), que, no ano passado, como deputado federal, coordenou um amplo estudo sobre a política espacial na Câmara Federal.
A Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), iniciada em 1979, estabelecia como meta a construção de dois satélites de coleta de dados e dois de observação da Terra a serem lançados do Brasil em foguetes nacionais. Na prática houve três tentativas de lançamento do VLS, que culminaram com a tragédia de 2003, dois satélites de coleta de dados (SCD) foram lançados por foguetes estrangeiros e três satélites de observação desenvolvidos e lançados em cooperação com a China (Cbers), além da cooperação com a Ucrânia para lançamento de foguetes a partir de Alcântara. Afora os atrasos, o programa perdeu a articulação inicial. Hoje o projeto do VLS não comporta a nova geração de satélites baseados na Plataforma Multimissão, desenvolvidos pelo Inpe. Os foguetes Cyclone-4 poderiam dar conta da tarefa, mas não se prestariam a levar grandes satélites de países desenvolvidos, que em geral pesam mais de duas toneladas. “Fazer satélites é mais fácil do que fazer foguetes”, lembra Luiz Gylvan Meira Filho, presidente da AEB entre 1994 e 2001. “A intenção dos formuladores da MECB era a melhor possível e a missão serviu, na época, para dar uma dimensão ambiciosa ao programa espacial brasileiro. Mas foi um erro tratar a estratégia como missão, que precisa ser cumprida para então dar origem a uma missão nova”, afirma. Outro equívoco, segundo Gylvan, foi tentar desenvolver lançadores sem parceiros internacionais no governo militar. Isso levou o programa a um isolamento do qual não se recuperou.
Se é certo que o programa espacial brasileiro enfrenta atrasos crônicos e dificuldades em dominar tecnologias críticas, há que reconhecer que gerou frutos importantes. Ele permitiu a nacionalização de materiais para a fabricação de propelentes – compostos químicos usados como combustíveis –, de ligas metálicas e materiais cerâmicos. Os propelentes são hoje produzidos em escala industrial e utilizados como matéria-prima na fabricação de colas, tintas e espumas. O Brasil ganhou competência internacional em processamento de imagens de satélites e o Inpe tornou-se referência em serviços na área de meteorologia, no monitoramento de queimadas na Amazônia e na pesquisa em mudanças climáticas – assim como seu Laboratório de Integração e Testes (LIT) é reconhecidamente um dos mais bem equipados do mundo para desenvolvimento de satélites. A decisão de distribuir gratuitamente imagens feitas pelos três satélites Cbers causou impacto nesse mercado. Até mesmo os norte-americanos resolveram tornar acessíveis as imagens do Landsat.
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Os destroços do acidente na base de Alcântara, em 2003 |
Gilberto Câmara ressalta que o Inpe desempenha um papel fundamental de apoio ao que chama de economia do conhecimento da natureza. “O Brasil é o líder mundial no desenvolvimento sustentável. Reduzimos o desmatamento na Amazônia. Temos o melhor sistema de monitoramento ambiental por satélites do mundo. Temos o maior percentual em relação à matriz energética de fontes renováveis. A visão que o Inpe defende para o programa espacial civil é que a tecnologia deve ser um valor de agregação à economia do conhecimento da natureza. E já estamos praticando essa visão”, diz Câmara. “Apoiamos a agricultura, a manutenção dos ecossistemas, os estudos de mudanças climáticas, a previsão de tempo e desastres naturais, a gestão das megacidades.”
Há consenso de que a limitação de recursos responde por boa parte dos percalços do programa – a crise dos anos 1980 e a hiperinflação dos 1990 tornaram instável o aporte de dinheiro e comprometeram a evolução da pesquisa. “A construção de satélites, de foguetes e de infraestrutura terrestre apresenta complexidade e riscos tecnológicos, alto custo e ciclos de desenvolvimento longos, em geral entre quatro e oito anos”, escreveu Himilcon de Castro Carvalho, gerente executivo do Programa Nacional de Atividades Espaciais (Pnae), da AEB, em artigo publicado num dossiê sobre o programa espacial feito pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. “A gestão dos projetos e das atividades espaciais torna-se refém da incerteza, em longo prazo, do suporte financeiro necessário à execução das tarefas e dos contratos envolvidos, o que acaba gerando constantes soluções de continuidade e ações desgastantes de replanejamento.”
Após a tragédia do VLS em 2003, o governo federal determinou um aumento nos investimentos do programa, com previsão de gastos de R$ 5,5 bilhões entre 2005 e 2014. Embora o volume de recursos tenha de fato aumentado entre 2004 e 2009, investiu-se neste período apenas um terço do prometido. Há várias propostas para evitar que o programa espacial volte a claudicar com orçamento baixo e instável. Um deles é o vigente na França, em que o Estado celebra um acordo de seis anos com o Centro Nacional de Estudos Espaciais (Cnes) assumindo o compromisso de que o orçamento de um ano seja, no mínimo, igual ao do ano anterior. Ou o caso do Reino Unido, em que o orçamento da Agência Espacial Britânica é formado por contribuições diretas de órgãos usuários de produtos espaciais, como o Departamento de Transportes e a Agência de Meteorologia.
A ampliação do programa espacial também implica criar competência na indústria nacional, tornando-a parceira no desenvolvimento e fornecimento de tecnologias. Isso teve início, de forma incipiente, com os cinco satélites lançados pelo Inpe. Empresas, em especial na região de São José dos Campos, começaram a se especializar como fornecedoras. Mas a quantidade de contratos foi insuficiente para dar consistência a essa base nascente. Para desenvolver o sistema inercial de navegação do satélite Amazônia-1 foi preciso contratar em 2008 uma empresa argentina, a Invap. O Inpe chegou a fazer oito licitações junto à indústria nacional, em vão.
O engenheiro Cesar Ghizoni, diretor-presidente da Equatorial Sistemas, empresa criada para desenvolver sistemas para os satélites Cbers, propõe que a estratégia para criar um parque de empresas seja mais ambiciosa do que se vislumbra atualmente. Ele cita o exemplo das necessidades da Estratégia Nacional de Defesa, que requerem o desenvolvimento de satélites capazes de produzir imagens de alta resolução para controle de fronteiras, e que não estão contempladas pelo esforço atual. “O projeto Cbers utiliza tecnologia da década de 1980. Já a Plataforma Multimissão é um projeto da década de 1990. As especificações, em especial as dos equipamentos do subsistema de controle de órbita e altitude, não são adequadas para missões de observação com alta resolução”, diz. Em proposta apresentada ao Ministério da Defesa e à AEB, a Equatorial sugeriu trazer do exterior uma plataforma de satélites de última geração para ser montada no Brasil e, gradualmente, desenvolver fornecedores locais das partes constituintes. A empresa, ele diz, está pronta a participar desse esforço. “Com o trabalho que tivemos no Cbers foi possível sobreviver, mas a indústria precisa de uma escala muito maior”, afirma.
A reformulação do programa ressuscita ideias antigas – a necessidade de formar recursos humanos e desenvolver tecnologia autônoma já constava nas estratégias do governo Jânio Quadros, que criou em 1961 a Comissão Nacional de Atividades Espaciais (Cobae), em São José dos Campos. Mas busca tirar lições dos êxitos e fracassos do programa. A ideia de investir em missões talhadas para necessidades específicas é reflexo do sucesso do Cbers. O Brasil segue interessado em desenvolver satélites e lançadores, mas tais objetivos não estão mais atrelados, como ocorria na Missão Espacial Completa. “Temos que fortalecer todos os braços do programa e garantir que tenham governança”, diz Marco Antonio Raupp.
Outras lições haviam sido aprendidas anteriormente. A criação da AEB, em 1994, buscou dar um caráter civil ao programa espacial e exorcizar as desconfianças sobre suas intenções bélicas, que causaram entraves à cooperação internacional. A montagem da agência coincidiu com a adesão do Brasil, em 1995, a um regime que limita o desenvolvimento de foguetes a dimensões não compatíveis com seu uso como arma de destruição em massa. “A AEB foi criada para acabar com a desconfiança internacional com o Brasil e, nesse aspecto, foi bem-sucedida. Se teve dificuldades para atrair bons quadros técnicos, foi um problema estrutural da capital federal, não da ideia original”, diz Luiz Gylvan Meira Filho.
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O Atlantis parte para sua última missão |
Frutos da corrida espacial
Revolução desgrudou-se da visão idealizada pela ficção científica
Com a aposentadoria dos ônibus espaciais, os astronautas norte-americanos farão suas viagens à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) de carona em naves russas Soyuz. Isso, enquanto não vingar o projeto, acalentado pelo governo Barack Obama, de repassar a empresas privadas a incumbência de criar táxis orbitais capazes de colocar os astronautas em órbita. O mundo deu muitas voltas desde 1961, quando o presidente norte-americano John Kennedy lançou o desafio de “enviar homens à Lua e retorná-los a salvo” ainda na década de 1960. Era uma resposta aos rivais soviéticos, que colocaram Yuri Gagarin em órbita no histórico 12 de abril de 1961. A Apollo 11 fez história em 20 de julho de 1969, cumprindo o desafio proposto por Kennedy, e os norte-americanos voltaram à Lua algumas vezes, a última em 1972. Mas a intenção de reviver o feito foi abortada por falta de recursos. Se um homem voltar à Lua nesta década, será um astronauta da China, único país que programa uma missão desse tipo.
A conquista do espaço marcou o imaginário de gerações de terráqueos, mas seus efeitos mais vigorosos desgrudaram-se da visão, idealizada pela ficção científica, da exploração humana do espaço. A ISS e os ônibus espaciais tornaram-se caros e de retorno escasso. “Houve um tempo em que os resultados da pesquisa espacial tiveram um impacto enorme na geração de riqueza dos Estados Unidos, mas hoje as fronteiras são outras e têm a ver, por exemplo. com a tecnologia da informação e a neurociência”, diz Gilberto Câmara, diretor-geral do Inpe. Outros frutos da competência espacial amealhada na Guerra Fria são duradouros, como a constelaçãode satélites na órbita terrestre que revolucionou as telecomunicações, a meteorologia, a agricultura e a defesa.
Na corrida espacial, os atores e suas motivações mudaram. A China revive os propósitos de afirmação nacional que moviam Estados Unidos e União Soviética. Colocou astronautas em órbita, prepara uma estação orbital própria e uma missão à Lua. A Índia, que alimenta o sonho de mandar um homem ao espaço, desenvolve sondas lunares. A União Europeia aposta no envio de sondas interplanetárias. E a Rússia, pragmática, lança satélites e transporta astronautas, contratada por quem se dispõe a pagar por isso.
Fonte: revista pesquisa fapesp
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