A decisão do serviço secreto alemão de abordar de forma transparente o passado nazista da inteligência na Alemanha Ocidental (BND) volta a dirigir os olhares para a América Latina, refúgio de alguns dos criminosos mais procurados do Terceiro Reich.
A recente criação de uma comissão formada por quatro historiadores para estudar o passado nazista do BND refletem a vontade de seu presidente, Ernst Uhrlau, de resgatar o funcionamento da espionagem alemã após a Segunda Guerra Mundial.
Os arquivos de espionagem confirmam que os serviços secretos ocultaram o paradeiro de muitos criminosos nazistas foragidos da justiça para transformá-los em possíveis agentes.
A revista "Der Spiegel" publicou recentemente que Walther Rauff, coordenador de unidades móveis de câmaras de gás desenvolvidas por ele mesmo, colaborou com o BND quando residia no Chile, entre 1958 e 1962, para espionar o líder cubano Fidel Castro.
Apesar de conhecer perfeitamente o passado de Rauff, acusado pela justiça alemã da morte de 98 mil prisioneiros durante o nazismo, a espionagem federal não duvidou em contratar seus serviços.
Rauff, que se estabeleceu como empresário no Chile após uma temporada na Síria e Equador, foi preso em 1962 por solicitação da Alemanha. Porém, o processo acabou arquivado porque a justiça do Chile, onde ele morreu em 1984, considerou que seus crimes tinham prescrito.
Já Klaus Barbie, conhecido como "Açougueiro de Lyon" e chefe da Gestapo na França ocupada, foi recrutado pela inteligência germânico-ocidental em 1966 na Bolívia, onde morava desde 1951.
O BND, que então ampliava internacionalmente sua rede de agentes, seguia atentamente o desenvolvimento da Bolívia, temendo que o país sofresse influência soviética, como Cuba.
Procurado pelo BND por sua "ideologia alemã" e seu "anticomunismo", Barbie elaborou para os serviços secretos 35 relatórios, cujo conteúdo ainda é desconhecido.
No entanto, sabe-se que poucas semanas após seu recrutamento, Barbie assumiu a representação de uma empresa alemã de venda de excedentes de armamento do Exército alemão. O posto ocupado dava chance de o agente informar quanto os bolivianos gastavam em armas e munição.
Por considerar perigoso esse vínculo, o BND rompeu com seu colaborador no final de 1967. Em 1983, Barbie foi expulso da Bolívia e entregue à França. O "Açougueiro de Lyon" morreu em 1991 de leucemia em uma prisão francesa, onde cumpria prisão perpétua.
Um dos fugitivos nazistas mais procurados, Josef Mengele, conhecido como "Anjo da Morte" por seus experimentos com prisioneiros no campo de extermínio de Auschwitz, viveu seus últimos dias no Brasil, depois de passar por Argentina e Paraguai.
Além das especulações sobre a colaboração de Mengele com inteligência alemã, os últimos documentos revelados mostram que ele não só não cooperou com o BND, como também foi ajudado pelo organismo para iniciar sua fuga.
Em 1961, o serviço secreto alemão já sabia de sua residência no Brasil - onde faleceu em 1979 -, mas nunca demonstrou interesse em sua prisão. Em 1972, o BND informou ao Governo que desconhecia "onde ele poderia estar" e "se ainda permanecia vivo".
Os registros revelam também que a espionagem alemã ocultou durante anos o paradeiro de Adolf Eichmann, artífice do plano de extermínio dos judeus na Europa. Segundo informações divulgadas pela imprensa alemã, o BND sabia que Eichmann vivia na Argentina desde 1952, porém, não informou à CIA até 1958.
O criminoso nazista foi sequestrado na Argentina, em maio de 1960, pelo serviço secreto israelense (Mossad) e executado dois anos depois em Israel.
A nova comissão de historiadores, que contará com um prazo de quatro anos para estudar os registros dos serviços secretos, irá focar sua investigação nos anos entre 1945 e 1968, período que precedeu a criação do BND.
Neste período, quem assumia o serviço secreto alemão era a chamada "Organização Gehlen", liderada pelo antigo general Wehrmacht Reinhard Gehlen, que anteriormente tinha sido responsável pela espionagem exterior nazista.
Fonte: Terra
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