Falta de comunicação entre potências ocidentais e o Irã alimenta tensões que desestabilizam o Oriente Médio
Podia ser cena de um filme de Quentin Tarantino: centenas de manifestantes enfurecidos invadem a Embaixada da Grã-Bretanha no Irã; sirenes são sufocadas pelos brados em farsi contra o eixo Estados Unidos-Inglaterra-Israel; um jovem escala o estandarte, arranca a bandeira britânica e a substitui pelo pavilhão iraniano; outro rouba o quadro da rainha Elizabeth II como souvenir; outro ainda aproveita para levar um cartaz do filme americano Pulp Fiction: Tempo de Violência como troféu. Corta.
É a deixa para a historiadora americana Annie Tracy Samuel, formada pela Universidade Colúmbia e estudiosa do Centro de Estudos Iranianos da Universidade de Tel-Aviv. Para ela, nada é teoria da conspiração. O enredo a que assistimos hoje no Oriente Médio, ainda sacudido pela Primavera Árabe, é um jogo geopolítico instável, em que cada movimento é crucial. “Estamos em um processo complicado de transição: é o fim do ‘velho’ Oriente Médio, pois o ‘novo’ Oriente Médio está chegando e deve ser o dos movimentos, da juventude, do respeito aos direitos humanos, da liberdade, da dignidade, da representação política da sociedade civil”, enxerga a pesquisadora, com otimismo.
Atualmente no Belfer Center for Science and International Affairs, de Harvard, Annie Samuel se debruça sobre a complexidade do conflito dentro e fora da região. “Interessa-me como o Oriente ‘Médio’ parece hoje uma boa definição. É o que está entre o antigo e o moderno, o velho e o novo”, diz. De Boston, a historiadora de 27 anos, jovem como os que protestam na Primavera Árabe, conversou com o Aliás sobre os últimos acontecimentos no Irã e na Síria.
O que a invasão da embaixada britânica em Teerã sinaliza? Ela foi basicamente uma reação às sanções impostas pela Inglaterra recentemente, ao lado dos EUA e do Canadá, em resposta ao novo relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), das Nações Unidas, que trazia suspeitas de que o Irã estaria trabalhando no programa de armas nucleares. Isso, além da explosão na base militar da Guarda Revolucionária do Irã no início de novembro, pareceu confirmar aos iranianos que realmente existe uma campanha ocidental contra seu programa nuclear. O ataque à embaixada também pode ser interpretado como uma resposta ao assassinato de um cientista nuclear iraniano, que Teerã aponta como obra de espiões britânicos e israelenses.
Como fica a questão nuclear? As perspectivas para um diálogo internacional sobre o programa nuclear iraniano já não eram boas. A Grã-Bretanha era uma potência ocidental que ainda mantinha embaixada em Teerã. As relações diplomáticas nunca foram fáceis nos últimos 30 anos, mas o fato de os ingleses ainda terem uma embaixada lá era uma forma de manter os canais abertos para o diálogo. O fechamento dela, e o acirramento da hostilidade entre os dois países, certamente não vai facilitá-lo.
Desde a Revolução Islâmica, as relações diplomáticas entre Irã e Grã-Bretanha foram marcadas por altos e baixos. Elas estão comprometidas depois da invasão? Depois da fatwa do aiatolá Khomeini contra o escritor Salman Rushdie, em 1989, as relações diplomáticas foram rompidas completamente por 18 meses. Agora, ainda é difícil dizer o que acontecerá. Alguns analistas avaliam que o episódio não levará a um rompimento completo de relações, com aumento nas hostilidades e mais violência. Mas é preciso ver o que acontecerá a partir de agora, depois que a União Europeia endureceu as sanções contra o Irã, em resposta ao ataque à embaixada. Certamente houve altos e baixos, mas as relações entre o Reino Unido e o Irã são tradicionalmente mais próximas se comparadas às relações entre os EUA e o Irã - que absolutamente não dialogam nos últimos 30 anos.
Podia ser cena de um filme de Quentin Tarantino: centenas de manifestantes enfurecidos invadem a Embaixada da Grã-Bretanha no Irã; sirenes são sufocadas pelos brados em farsi contra o eixo Estados Unidos-Inglaterra-Israel; um jovem escala o estandarte, arranca a bandeira britânica e a substitui pelo pavilhão iraniano; outro rouba o quadro da rainha Elizabeth II como souvenir; outro ainda aproveita para levar um cartaz do filme americano Pulp Fiction: Tempo de Violência como troféu. Corta.
É a deixa para a historiadora americana Annie Tracy Samuel, formada pela Universidade Colúmbia e estudiosa do Centro de Estudos Iranianos da Universidade de Tel-Aviv. Para ela, nada é teoria da conspiração. O enredo a que assistimos hoje no Oriente Médio, ainda sacudido pela Primavera Árabe, é um jogo geopolítico instável, em que cada movimento é crucial. “Estamos em um processo complicado de transição: é o fim do ‘velho’ Oriente Médio, pois o ‘novo’ Oriente Médio está chegando e deve ser o dos movimentos, da juventude, do respeito aos direitos humanos, da liberdade, da dignidade, da representação política da sociedade civil”, enxerga a pesquisadora, com otimismo.
Atualmente no Belfer Center for Science and International Affairs, de Harvard, Annie Samuel se debruça sobre a complexidade do conflito dentro e fora da região. “Interessa-me como o Oriente ‘Médio’ parece hoje uma boa definição. É o que está entre o antigo e o moderno, o velho e o novo”, diz. De Boston, a historiadora de 27 anos, jovem como os que protestam na Primavera Árabe, conversou com o Aliás sobre os últimos acontecimentos no Irã e na Síria.
O que a invasão da embaixada britânica em Teerã sinaliza? Ela foi basicamente uma reação às sanções impostas pela Inglaterra recentemente, ao lado dos EUA e do Canadá, em resposta ao novo relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), das Nações Unidas, que trazia suspeitas de que o Irã estaria trabalhando no programa de armas nucleares. Isso, além da explosão na base militar da Guarda Revolucionária do Irã no início de novembro, pareceu confirmar aos iranianos que realmente existe uma campanha ocidental contra seu programa nuclear. O ataque à embaixada também pode ser interpretado como uma resposta ao assassinato de um cientista nuclear iraniano, que Teerã aponta como obra de espiões britânicos e israelenses.
Como fica a questão nuclear? As perspectivas para um diálogo internacional sobre o programa nuclear iraniano já não eram boas. A Grã-Bretanha era uma potência ocidental que ainda mantinha embaixada em Teerã. As relações diplomáticas nunca foram fáceis nos últimos 30 anos, mas o fato de os ingleses ainda terem uma embaixada lá era uma forma de manter os canais abertos para o diálogo. O fechamento dela, e o acirramento da hostilidade entre os dois países, certamente não vai facilitá-lo.
Desde a Revolução Islâmica, as relações diplomáticas entre Irã e Grã-Bretanha foram marcadas por altos e baixos. Elas estão comprometidas depois da invasão? Depois da fatwa do aiatolá Khomeini contra o escritor Salman Rushdie, em 1989, as relações diplomáticas foram rompidas completamente por 18 meses. Agora, ainda é difícil dizer o que acontecerá. Alguns analistas avaliam que o episódio não levará a um rompimento completo de relações, com aumento nas hostilidades e mais violência. Mas é preciso ver o que acontecerá a partir de agora, depois que a União Europeia endureceu as sanções contra o Irã, em resposta ao ataque à embaixada. Certamente houve altos e baixos, mas as relações entre o Reino Unido e o Irã são tradicionalmente mais próximas se comparadas às relações entre os EUA e o Irã - que absolutamente não dialogam nos últimos 30 anos.
Durante a campanha da Otan na Líbia, a França teve papel central. Agora, a Inglaterra protagoniza uma investida diplomática contra o Irã - e os EUA continuam em segundo plano. É um jogo combinado? Não concordo com essa teoria da conspiração nem com a ideia de um jogo combinado. Mas acho que os EUA estão de fato recuando desse papel principal no mundo, que exerceram durante o governo de George W. Bush. É possível ver isso na campanha na Líbia, quando Barack Obama deixou claro que os EUA se manteriam em segundo plano. E, há um mês, quando o presidente se comprometeu com a retirada total das tropas norte-americanas do Iraque. O governo de Obama tenta se portar de maneira mais contida no contexto internacional, em segundo plano nas questões políticas no Oriente Médio. Até porque se encontra ocupado com os problemas da economia e com as eleições do ano que vem. E a Obama não convém ficar no meio desses diversos levantes árabes. Diante das revoltas da chamada Primavera Árabe, os EUA hesitaram em escolher um lado. Primeiro porque havia ditadores, como o egípcio Hosni Mubarak, que, de certa forma, serviram a interesses americanos por muito tempo. Segundo porque, para os rebeldes, não seria bom ter o país ao seu lado - os EUA não desfrutam de boa reputação no Oriente Médio. Então, acredito que essa posição mais recuada foi um bom movimento no jogo.
Como ficam, nesse tabuleiro geopolítico, as relações entre EUA, Israel e Irã? A questão árabe-israelense está certamente ligada à questão iraniana e as relações do Irã com o Ocidente. Os iranianos veem o conflito entre Israel e Palestina como uma forma para buscar os próprios interesses e aumentar sua influência no Oriente Médio. Usam o conflito para se projetar como líderes na campanha contra os EUA - aliado de Israel -, em apoio à Palestina. É uma forma de se aproveitar da situação.
A Primavera Árabe pode chegar ao Irã? Na verdade, acredito que, de diversas formas, muitos dos levantes saíram do Irã para chegar ao mundo árabe. Tanto a Revolução Islâmica de 1979 como as turbulentas eleições de 2009 (após a vitória de Mahmoud Ahmadinejad, milhares de partidários do principal candidato da oposição saíram às ruas para denunciar que teria havido fraude na eleição) de alguma forma influenciaram as revoltas no mundo árabe. Claro que os revolucionários não querem ser relacionados aos iranianos de forma alguma. Mas vale lembrar que, depois dos primeiros protestos na Tunísia e no Egito, houve alguns dias de protestos no Irã em apoio a essas revoltas - duramente reprimidos. Desde as eleições de 2009, o regime iraniano e a Guarda Revolucionária fizeram um “bom trabalho”, se é que se pode chamar assim, garantindo que os protestos não ameaçassem o regime no Irã. Mas a situação na República Islâmica do Irã não é estável e qualquer faísca ou movimento pode ameaçar o regime. Por isso a repressão é tão forte. Até o momento, os mecanismos de controle do regime sobre a sociedade têm se mostrado fortes, com a propaganda, a repressão e a Guarda Revolucionária.
O regime de Bashar Assad na Síria parece perder apoio em todo o mundo árabe. Como o Irã se posiciona sobre essa questão? A condenação ao regime de Bashar Assad certamente está aumentando. Mas sua possível queda não é o que Ahmadinejad quer. Síria e Irã são grandes aliados no Oriente Médio desde a Revolução Islâmica - e, juntos, estendem sua influência em Israel e na Palestina, por meio do Hezbollah. Então, os líderes iranianos estão preocupados em perder um aliado tão importante. Por outro lado, muitos desses líderes apoiaram os movimentos na Tunísia, no Egito e no Bahrein, e o fato de agirem diferentemente na Síria os coloca em uma posição muito esquisita. Eu não ficaria surpresa se eles em breve se dessem conta de que é melhor planejar uma Síria pós-Assad. Pois, com a possível queda de Assad, eles não querem os novos líderes sírios contra o Irã por ter apoiado o antigo ditador.
Na quinta-feira, a Alta Comissária para Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay, disse que a Síria está em guerra civil. Como isso vai afetar o atual contexto no Oriente Médio? Há dois caminhos possíveis: Assad pode cair ou pode acirrar a repressão. Se continuar com essa campanha repressiva com brutalidade e mortes, pode continuar a desestabilizar o Oriente Médio. Enquanto a Turquia tenta descobrir como lidar com isso, Israel se posiciona contra a Síria. Virão mais sanções, já que uma intervenção militar está fora da jogada... Considerar o que está acontecendo na Síria como uma guerra civil, com 4 mil mortos segundo as Nações Unidas, é uma forma de pressionar Assad a renunciar. Se as pessoas não perceberam ainda como a situação é grave, terão que perceber agora.
A ONU também indicou que o Irã estrutura a produção de tecnologia nuclear possivelmente com o intuito de fabricar armas atômicas. Há razões para preocupação? O relatório da Agência Internacional de Energia Atômica não diz especificamente que o Irã tem uma bomba nuclear. Até agora, não há evidência clara de que o Irã tenha uma bomba nuclear. E o Irã tampouco se posicionou claramente se quer investir em um programa nuclear a toda potência. O que acontece é que o país mantém todas as opções ao alcance com a tecnologia nuclear. Eles querem manter as possibilidades abertas. Essa posição ambígua funcionou ao longo da última década e os iranianos pretendem mantê-la até quando for possível.
Essa posição de tensão no Oriente Médio, com a possibilidade do uso de armas nucleares, mas sem confronto direto, remete a uma espécie de nova Guerra Fria? A situação atual é tão fluida que é incrivelmente difícil defini-la. Mas a falta de comunicação, especialmente entre os EUA e o Irã, é característica de uma “guerra fria”. E, eu diria, ainda mais drástica que aquela Guerra Fria. Naquela época, sempre houve uma forte comunicação entre os EUA e aliados da União Soviética, inclusive Cuba e Coreia do Norte. Agora, a falta de comunicação é muito mais grave. O que vemos não é mais uma guerra fria bipolar: há hostilidade entre os EUA e o Irã, entre a Inglaterra e o Irã, entre a Arábia Saudita e o Irã. Precisamos ver o que acontece com Assad, com o potencial do programa nuclear de Ahmadinejad. China e Rússia até agora não sinalizaram no sentido de se unir à UE e aos EUA nas sanções contra o Irã. É muito mais complicado que uma guerra fria. É um conflito multipolar e muito acelerado.
Qual tem sido o papel da Turquia? Nos últimos anos, a Turquia mudou: antes era um aliado tanto do Ocidente quanto do Irã. Mas em 2009, a Turquia e o Brasil se reuniram para negociar qual seria o posicionamento na questão do enriquecimento do urânio iraniano. Era evidente como eles estavam tentando trabalhar com os dois lados. Agora, a Turquia está se afastando, realmente se posicionando contra Assad na Síria, impondo sanções ao Irã, discutindo o projeto de escudo antimíssil da Otan em território turco. Estão tentando se firmar com uma posição inteligente e não ideológica no Oriente Médio. Não querem ser vistos no mesmo campo que Irã e Síria.
Em um artigo recente, publicado no site Open Democracy, a sra. comenta o delicado contexto da região e fala da emergência de 'um novo Oriente Médio'. Como ele será? Durante décadas, diversos países do Oriente Médio estavam en situação muito difícil, duramente reprimidos por ditadores que estavam no poder havia muito, muito tempo. E pouca gente percebeu o que estava acontecendo no interior dessas sociedades - mesmo os ditadores não se deram conta do que ocorria e do que estava por vir. O novo Oriente Médio deve ser o dos movimentos, da juventude, do respeito aos direitos humanos, da liberdade, da dignidade, da representação política da sociedade civil. Minha natureza é otimista. Vivi em Israel por cinco anos. Se assistir de perto a situações tão complicadas como essas não acabou com meu otimismo... Acredito que continuaremos a ver, por muito tempo, um período de transição no Oriente Médio. Com cidadãos se recusando a ser suprimidos por seus líderes e brigando por seus direitos. É certamente um novo começo.
Fonte: Estadão
Como ficam, nesse tabuleiro geopolítico, as relações entre EUA, Israel e Irã? A questão árabe-israelense está certamente ligada à questão iraniana e as relações do Irã com o Ocidente. Os iranianos veem o conflito entre Israel e Palestina como uma forma para buscar os próprios interesses e aumentar sua influência no Oriente Médio. Usam o conflito para se projetar como líderes na campanha contra os EUA - aliado de Israel -, em apoio à Palestina. É uma forma de se aproveitar da situação.
A Primavera Árabe pode chegar ao Irã? Na verdade, acredito que, de diversas formas, muitos dos levantes saíram do Irã para chegar ao mundo árabe. Tanto a Revolução Islâmica de 1979 como as turbulentas eleições de 2009 (após a vitória de Mahmoud Ahmadinejad, milhares de partidários do principal candidato da oposição saíram às ruas para denunciar que teria havido fraude na eleição) de alguma forma influenciaram as revoltas no mundo árabe. Claro que os revolucionários não querem ser relacionados aos iranianos de forma alguma. Mas vale lembrar que, depois dos primeiros protestos na Tunísia e no Egito, houve alguns dias de protestos no Irã em apoio a essas revoltas - duramente reprimidos. Desde as eleições de 2009, o regime iraniano e a Guarda Revolucionária fizeram um “bom trabalho”, se é que se pode chamar assim, garantindo que os protestos não ameaçassem o regime no Irã. Mas a situação na República Islâmica do Irã não é estável e qualquer faísca ou movimento pode ameaçar o regime. Por isso a repressão é tão forte. Até o momento, os mecanismos de controle do regime sobre a sociedade têm se mostrado fortes, com a propaganda, a repressão e a Guarda Revolucionária.
O regime de Bashar Assad na Síria parece perder apoio em todo o mundo árabe. Como o Irã se posiciona sobre essa questão? A condenação ao regime de Bashar Assad certamente está aumentando. Mas sua possível queda não é o que Ahmadinejad quer. Síria e Irã são grandes aliados no Oriente Médio desde a Revolução Islâmica - e, juntos, estendem sua influência em Israel e na Palestina, por meio do Hezbollah. Então, os líderes iranianos estão preocupados em perder um aliado tão importante. Por outro lado, muitos desses líderes apoiaram os movimentos na Tunísia, no Egito e no Bahrein, e o fato de agirem diferentemente na Síria os coloca em uma posição muito esquisita. Eu não ficaria surpresa se eles em breve se dessem conta de que é melhor planejar uma Síria pós-Assad. Pois, com a possível queda de Assad, eles não querem os novos líderes sírios contra o Irã por ter apoiado o antigo ditador.
Na quinta-feira, a Alta Comissária para Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay, disse que a Síria está em guerra civil. Como isso vai afetar o atual contexto no Oriente Médio? Há dois caminhos possíveis: Assad pode cair ou pode acirrar a repressão. Se continuar com essa campanha repressiva com brutalidade e mortes, pode continuar a desestabilizar o Oriente Médio. Enquanto a Turquia tenta descobrir como lidar com isso, Israel se posiciona contra a Síria. Virão mais sanções, já que uma intervenção militar está fora da jogada... Considerar o que está acontecendo na Síria como uma guerra civil, com 4 mil mortos segundo as Nações Unidas, é uma forma de pressionar Assad a renunciar. Se as pessoas não perceberam ainda como a situação é grave, terão que perceber agora.
A ONU também indicou que o Irã estrutura a produção de tecnologia nuclear possivelmente com o intuito de fabricar armas atômicas. Há razões para preocupação? O relatório da Agência Internacional de Energia Atômica não diz especificamente que o Irã tem uma bomba nuclear. Até agora, não há evidência clara de que o Irã tenha uma bomba nuclear. E o Irã tampouco se posicionou claramente se quer investir em um programa nuclear a toda potência. O que acontece é que o país mantém todas as opções ao alcance com a tecnologia nuclear. Eles querem manter as possibilidades abertas. Essa posição ambígua funcionou ao longo da última década e os iranianos pretendem mantê-la até quando for possível.
Essa posição de tensão no Oriente Médio, com a possibilidade do uso de armas nucleares, mas sem confronto direto, remete a uma espécie de nova Guerra Fria? A situação atual é tão fluida que é incrivelmente difícil defini-la. Mas a falta de comunicação, especialmente entre os EUA e o Irã, é característica de uma “guerra fria”. E, eu diria, ainda mais drástica que aquela Guerra Fria. Naquela época, sempre houve uma forte comunicação entre os EUA e aliados da União Soviética, inclusive Cuba e Coreia do Norte. Agora, a falta de comunicação é muito mais grave. O que vemos não é mais uma guerra fria bipolar: há hostilidade entre os EUA e o Irã, entre a Inglaterra e o Irã, entre a Arábia Saudita e o Irã. Precisamos ver o que acontece com Assad, com o potencial do programa nuclear de Ahmadinejad. China e Rússia até agora não sinalizaram no sentido de se unir à UE e aos EUA nas sanções contra o Irã. É muito mais complicado que uma guerra fria. É um conflito multipolar e muito acelerado.
Qual tem sido o papel da Turquia? Nos últimos anos, a Turquia mudou: antes era um aliado tanto do Ocidente quanto do Irã. Mas em 2009, a Turquia e o Brasil se reuniram para negociar qual seria o posicionamento na questão do enriquecimento do urânio iraniano. Era evidente como eles estavam tentando trabalhar com os dois lados. Agora, a Turquia está se afastando, realmente se posicionando contra Assad na Síria, impondo sanções ao Irã, discutindo o projeto de escudo antimíssil da Otan em território turco. Estão tentando se firmar com uma posição inteligente e não ideológica no Oriente Médio. Não querem ser vistos no mesmo campo que Irã e Síria.
Em um artigo recente, publicado no site Open Democracy, a sra. comenta o delicado contexto da região e fala da emergência de 'um novo Oriente Médio'. Como ele será? Durante décadas, diversos países do Oriente Médio estavam en situação muito difícil, duramente reprimidos por ditadores que estavam no poder havia muito, muito tempo. E pouca gente percebeu o que estava acontecendo no interior dessas sociedades - mesmo os ditadores não se deram conta do que ocorria e do que estava por vir. O novo Oriente Médio deve ser o dos movimentos, da juventude, do respeito aos direitos humanos, da liberdade, da dignidade, da representação política da sociedade civil. Minha natureza é otimista. Vivi em Israel por cinco anos. Se assistir de perto a situações tão complicadas como essas não acabou com meu otimismo... Acredito que continuaremos a ver, por muito tempo, um período de transição no Oriente Médio. Com cidadãos se recusando a ser suprimidos por seus líderes e brigando por seus direitos. É certamente um novo começo.
Fonte: Estadão
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