Por pressão da ONU e de organizações não governamentais de defesa dos direitos humanos, o governo interino da Líbia e o Tribunal Penal Internacional (TPI) investigam as circunstâncias da morte de Muamar Kadafi em 20 de outubro, na periferia de Sirte. Ao Estado, os jovens que colocaram as mãos no ditador em um túnel de esgoto pluvial relataram os instantes finais do "líder": preso sem ferimentos graves, Kadafi foi linchado em ato de vingança dos insurgentes de Misrata que o Conselho Nacional de Transição (CNT) tentava impedir.

Os relatos foram colhidos pela reportagem entre o final de outubro e o final de novembro e são conclusivos. As principais testemunhas são dois jovens do grupo de cinco que localizou o ditador nos dutos de Sirte. Sirak al-Himali, de 21 anos, e Mohammed Aoued, de 22, estavam na cena de guerra por volta de 11 horas, após o ataque de aviões da Otan ao comboio de militares leais ao regime.

No momento de sua prisão, Kadafi estava sob fogo intenso e cercado de cinco agentes, entre os quais Mansur Dau, seu chefe de segurança. Reconhecido por um dos jovens do grupo, Umran Shaaban, o ditador foi pego por Himali e retirado do túnel. "Ele não tinha ferimentos", disse o jovem em entrevistas (gravadas) ao Estado.

Nos minutos que se seguiram, segundo Himali, Kadafi foi espancado, empalado e baleado no ventre e na cabeça por uma multidão de rebeldes que participava dos combates. Os tiros causaram sua morte, segundo os dois médicos legistas que examinaram o corpo na cidade de Misrata.

O testemunho dos jovens é importante, pois confirma as evidências de linchamento e contraria as versões - mantidas ainda hoje por líderes militares da batalha de Sirte e pelo governo provisório - que sustentam que Kadafi teria sido ferido numa troca de tiros com tropas leais após a sua captura, morrendo em consequência.

Além disso, o linchamento não fora de todo espontâneo, como sugerem as imagens de vídeo feitas por rebeldes durante a captura. Em Misrata, a cidade insurgente que mais sofreu durante a revolução, Kadafi era jurado de morte por populares, em retaliação às cerca de 800 mortes registradas na cidade durante o conflito e à onda de estupros promovida por militares e mercenários.

Os testemunhos já são de conhecimento das autoridades líbias. Mas nenhuma conclusão da investigação sobre as circunstâncias da morte foi divulgada em Trípoli pelo novo governo interino. A ONU, o TPI e organizações de defesa dos direitos humanos cobram respostas para o linchamento de Kadafi, que pode ser classificado como crime de guerra.

A participação decisiva de jovens na captura de Kadafi e durante a revolução vem servindo para restaurar a imagem da juventude na Líbia. Durante grande parte dos 42 anos de poder de Kadafi, os jovens foram encarados como um problema. Desde as revoltas estudantis dos anos 70, em Benghazi e Trípoli, universitários eram vistos pelo regime como um foco potencial de rebelião, além de serem recriminados por líderes religiosos conservadores por serem "ocidentalizados" demais.

Juventude

A participação de estudantes como Himali na captura do "guia", encerrando anos de terror no país, redimiu os jovens e conferiu-lhes uma popularidade que se reflete nas ruas das principais cidades, mas também nos meios políticos, que antes os criticavam pelo suposto desinteresse pelo futuro do país.

Antes da queda do regime, o reconhecimento já se fazia sentir. Na véspera da captura de Kadafi, Mahmud Jibril, então premiê da Líbia, mas demissionário, quebrou o tabu e fez uma deferência aos jovens, "sem os quais a revolução não teria sido possível".

Fonte: Estadão