Na noite de dezembro de 1981, sob um calor infernal, tinha um encontro marcado em São Paulo com o amigo Mauro Ivã Pereira de Mello, jornalista e publicitário. Quando cheguei ao Santos Dumont, confesso que quase desisti. Mas encontro é encontro e, com certa facilidade, embarquei no Electra II da Varig, o mais moderno avião da ponte-aérea da época.

Confortável, bem projetado e veloz, o Electra II, mesmo estacionado à espera de seus passageiros, estava com o ar condicionado ligado, tornando a temperatura do interior do avião uma inversão total do calor que fazia lá fora. Foi minutos depois que Manoel dos Santos (1933-1983), nome oficial de Garrincha (tenho a certidão de nascimento do jogador) chegou a bordo com dois amigos. Ao passar por mim, ele disse sua frase habitual:

- Fala, gente boa...

O tempo foi passando e acabei cochilando, naquela temperatura agradável e acomodado nas mais confortáveis e espaçosas poltronas de um avião. Lá pelas tantas, acordei meio atordoado e perguntei ao passageiro a meu lado se já havíamos chegado a Congonhas. Levei um susto com a resposta:

- Ainda nem decolamos. Há um passageiro bêbado a bordo e o comandante chamou a segurança do aeroporto para retirá-lo. Enquanto isso não acontecer, vamos esperar...

Na mesma hora pensei em Garrincha. Será que meu ídolo no Botafogo havia embarcado alcoolizado? Será que teria essa decepção inesperada?

Os três seguranças, de paletó e gravata, chegaram e se dirigiram ao fundo do avião, justamente para onde Garrincha havia ido com os amigos.

Qual não foi minha surpresa ao verificar que os seguranças, valendo-se da força física, retiravam, aos trancos e barrancos, um senhor de cabelos brancos. Foi uma dificuldade tão grande para que o indivíduo fosse expulso do voo que ele, realmente bêbado, acabou perdendo um sapato que ficou perdido no corredor do Electra.

Admito que fiquei mais do que aliviado. Não gostaria de ver Garrincha expulso de um avião por bebedeira – justamente ele que tinha a fama de viver alcoolizado, principalmente após o fim de sua carreira.

Garrincha morreu de falência múltipla dos órgãos dois anos depois, exatamente a 20 de janeiro de 1983, antes de completar 50 anos. E este fato inusitado que relato aos leitores da ESPN Brasil marcou a última vez que vi Garrincha.

Felizmente sóbrio e comportado.

Fonte: ESPN - por Roberto Porto