De tempos em tempos, uma discussão volta ao país: a suposta ameaça de internacionalização da Amazônia. A primeira vez que se falou no assunto foi no século XIX, quando um militar americano reivindicou a abertura do rio Amazonas à navegação estrangeira, despertando ira. A saída da ambientalista Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente, em maio de 2008, trouxe o tema de volta. Questionando a capacidade brasileira de zelar pelo riquíssimo patrimônio amazônico, um dos mais influentes jornais do mundo, The New York Times, publicou artigo intitulado "De quem é essa floresta, afinal?". O presidente Lula bradou: "A Amazônia tem dono, e são os brasileiros". Simultaneamente, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) revelou um suposto esquema de venda de terras da região pelo empresário sueco Johan Eliasch, conselheiro do premiê britânico Gordon Brown. Desta vez, a resposta do governo veio por meio de projeto pretende restringir a atuação de estrangeiros na floresta. Entenda por que o mundo volta seus olhos para a Amazônia e a razão do pânico de alguns governantes.

1. A internacionalização da Amazônia é um risco real ou uma paranóia?
2. O que diz o governo a respeito da internacionalização?
3. Qual a postura das Forças Armadas sobre essa questão?
4. Do ponto de vista jurídico, a tese da internacionalização possui algum fundamento?
5. Por que o citado artigo do New York Times provocou tamanha comoção?
6. O que, de fato, a Abin descobriu sobre o suposto esquema Johan Eliasch?
7. Por que a floresta desperta tanta atenção?
8. O governo brasileiro tem sido competente na gestão da floresta?
9. Quais as conseqüências da destruição da Amazônia para o mundo?
10. A questão da Amazônia está relacionada à saída de Marina Silva do Meio Ambiente?
11. Por que a demissão da ex-ministra preocupa a comunidade internacional?

1. A internacionalização da Amazônia é um risco real ou uma paranóia?

Não há um único sinal concreto de que uma invasão ou internacionalização seja iminente ou esteja sendo planejada. Ainda assim, segundo uma pesquisa de VEJA em parceria com o instituto CNT/Sensus, 72,7% dos civis brasileiros temem isso. O fato é que nunca nenhum país ou entidade internacional séria reivindicou direito algum de soberania sobre a Amazônia, e sempre que uma autoridade deu qualquer declaração infeliz sobre o assunto a respectiva diplomacia se encarregou de desmentir. Periodicamente essa questão volta à mídia. Em 2001, por exemplo, circulou pela internet um e-mail segundo o qual um livro didático americano já apresenta a Amazônia como região internacionalizada. O mapa e o texto eram falsos. A maneira como surgiu a teoria de que a Amazônia está prestes a se tornar uma zona de controle internacional monitorada pelos países ricos ilustra bem essa definição. Circula entre grupos ligados a partidos de esquerda e também entre militares uma lista de frases de líderes mundiais que defendem, supostamente, uma soberania compartilhada da Amazônia. Um exemplo é a frase do ex-vice-presidente americano e Nobel da Paz, Al Gore, que disse em 1989: "Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é só deles, mas de todos nós".


2. O que diz o governo a respeito da internacionalização?

A administração Lula é unânime em afirmar: a Amazônia pertence aos brasileiros. "Há visões da comunidade internacional que defendem a Amazônia como se ela fosse um território da humanidade e não território brasileiro. Isso aí esconde interesses econômicos sobre a Amazônia como uma reserva planetária para grandes multinacionais e para controles territoriais de outros países sobre o Brasil", resumiu certa vez o ministro da Justiça, Tarso Genro. O governo não fica somente no discurso e pretende enviar ao Congresso um projeto de lei que restringe o acesso de visitantes à Amazônia. Se a proposta for aprovada pelos parlamentares, os estrangeiros e suas organizações, incluindo as que têm vínculos religiosos, ficarão sujeitos ao controle do Ministério da Defesa. Para quem não tiver autorização e continuar atuando na Amazônia, a punição será dura: cancelamento de visto e expulsão do país. A principal preocupação do governo diz respeito ao trabalho das ONGs que atuam na região. Muitas delas têm endereço doméstico, mas capital estrangeiro, o que levanta suspeitas. Pelo projeto, as ONGs terão de pedir autorização ao Ministério da Defesa para trabalhar na região. Os infratores da nova regra também podem ter de pagar multas de até 100.000 reais.


3. Qual a postura das Forças Armadas sobre essa questão?

Sobretudo para o Exército brasileiro, a defesa da Amazônia é uma prioridade indiscutível. Uma pesquisa de VEJA em parceria com a CNT/Sensus revela que 82,6% dos militares acreditam que a Amazônia corre o risco de sofrer uma ocupação estrangeira. Com sua vastidão verde, suas promessas de fartura genética e sua generosa oferta de água doce, a Amazônia é considerada pelos militares um dos grandes "pontos de cobiça" do mundo. A questão é prioridade quando o assunto é a defesa da soberania do país e tropas têm sido, sistematicamente, transferidas do Sul para a região Norte.


4. Do ponto de vista jurídico, a tese da internacionalização possui algum fundamento?

Os defensores da internacionalização baseiam seus argumentos nos chamados direitos de terceira geração – reconhecidos pelas constituições, convenções internacionais e tratados –, que garantem que o direito ao meio ambiente à paz e à democracia, por exemplo, não se restringe a pessoas individualmente, mas a todo o gênero humano. Esses direitos surgiram a partir do término da II Guerra Mundial, como resultado da repulsa a regimes totalitários e da exigência de que o mundo estivesse unido em prol da realização dos mais elevados valores humanos. Não se pode deixar de levar em conta, porém, o fato de que cada país tem poder para estabelecer regras jurídicas para o seu povo e políticas dentro do seu território, sem ingerências externas – o que se pode chamar de soberania nacional.


5. Por que o citado artigo do New York Times provocou tamanha comoção?

O artigo discutia o papel da comunidade internacional diante de exemplos da incompetência da administração brasileira em proteger uma floresta considerada importante e valiosa para todo o planeta. Falava também como a crescente preocupação com os efeitos do aquecimento global e as notícias sobre o aumento do desmatamento na região deram força para que líderes internacionais declarassem mais abertamente a Amazônia como parte de um patrimônio mundial – e não pertencente apenas às nações que dividem seu território. O artigo chegava até a comentar a reação hostil esses comentários provocam nos brasileiros, inclusive nos governantes.


6. O que, de fato, a Abin descobriu sobre o suposto esquema Johan Eliasch?

Segundo relatório da agência divulgado pela imprensa, Eliasch avaliou que poderia comprar toda a floresta Amazônica por 50 bilhões de dólares e incentivou empresários estrangeiros a fazer doações para a compra das terras. O texto diz ainda que Eliasch é fundador da ONG Cool Earth, que já comprou terras na Amazônia brasileira e equatoriana, e as registrou em nome da Floream e da Empresa Florestal da Amazônia, empresas sob o controle do Brazil Forestry Fund Investiment, um fundo americano. Juntas as empresas já controlariam 120.000 hectares, nos municípios de Itacoatiara, Manicoré, Humaitá e Novo Aripuanã. As terras seriam vizinhas de propriedades onde, segundo o Departamento Nacional de Produção Mineral, existem pedidos para exploração de ouro.


7. Por que a floresta desperta tanta atenção?

A Amazônia é atualmente o mais precioso tesouro ambiental do planeta, com inimaginável diversidade biológica e manancial de água potável. Maior floresta tropical do mundo, ela abriga 15% de todas as espécies de plantas e animais conhecidas. Mas a floresta tem, também, um enorme potencial econômico. Um exemplo: multiplicando o valor de cada minério pelos estoques já medidos no subsolo da Amazônia, excluído o petróleo, tem-se como resultado a impressionante quantia de 7,2 trilhões de dólares. Repita-se: esse é o estoque já conhecido e, segundo os especialistas, há muito mais minérios sob a floresta do que as reservas já registradas.


8. O governo brasileiro tem sido competente na gestão da floresta?

Não. Quando o assunto é a preservação, a impressão que se tem é de que, em Brasília, sobra discurso e falta ação. Por anos, o governo alardeou a queda do desmatamento. Em 2008, no entanto, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelou os números do desmatamento na Amazônia: a devastação havia crescido. O Brasil dispõe da mais moderna técnica de vigilância por satélite para detectar e medir o desmatamento. São dois sistemas, Prodes e Deter, ambos gerenciados pelo Inpe. Os dados que os satélites produzem, porém, de pouco servem para reprimir os desmatamentos ilegais. Isso porque o Ibama conta com apenas 644 fiscais em toda a Amazônia e 4 helicópteros.


9. Quais as conseqüências da destruição da Amazônia para o mundo?

Basta listar algumas das características da floresta para concluir que sua extinção seria uma tragédia para a humanidade. Pesquisas recentes mostram que o efeito mais visível do desaparecimento da Amazônia seria o desequilíbrio das chuvas no mundo, seja na Bacia do Prata, na Califórnia, no sul dos Estados Unidos, no México ou no Oriente Médio. Isso traria perturbações imprevisíveis à agricultura dessas regiões. Na Amazônia também encontram-se duas vezes mais espécies de aves do que nos Estados Unidos e no Canadá. Não se sabe ao certo em que medida o desaparecimento desse extraordinário bioma afetaria o aquecimento global. No Brasil não seria diferente. Por meio da evaporação, a Amazônia produz um volume de vapor d’água que responde pela formação de 60% da chuva que cai sobre as regiões Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. A diminuição da chuva teria um impacto direto sobre a produtividade agrícola em estados como Mato Grosso, Goiás e São Paulo. Os rios que abastecem o reservatório da Hidrelétrica de Itaipu teriam sua vazão sensivelmente diminuída, causando um colapso energético no país.


10. A questão da Amazônia está relacionada à saída de Marina Silva do Meio Ambiente?

Sim. Marina não soube solucionar a equação básica para o desenvolvimento do país atualmente: conciliar desenvolvimento com preservação. O desmatamento desenfreado da Amazônia, a maior floresta tropical do planeta, é grave. Quase um quinto da vegetação original já desapareceu. A demissão de Marina ocorreu em meio a um debate central para o futuro – como conciliar o crescimento econômico com a proteção ambiental. A ex-ministra nunca passou de uma peça de marketing exibida pelo governo Lula para mostrar uma suposta vocação ambientalista. No cargo, mostrou pouca intimidade com a burocracia, a começar pela montagem da equipe. Seus principais assessores eram quase todos militantes de organizações dogmáticas, que viviam em atrito permanente com setores do próprio governo.

topo

11. Por que a demissão da ex-ministra preocupa a comunidade internacional?

A reação no exterior ao pedido de demissão da ministra foi de susto. O jornal inglês The Guardian qualificou a saída de Marina Silva como "uma ameaça ao futuro da maior floresta tropical do mundo". Marina, muito antes de ser ministra, era reconhecida internacionalmente como defensora da preservação da floresta, com excelente trânsito entre as ONGs mais barulhentas do planeta. A ex-ministra já havia aparecido em um ranking do Guardian como uma das 50 pessoas que podem ajudar a salvar o planeta. A ONG WWF-Brasil lamentou a saída de Marina, dizendo que o fato é uma prova de que "a área ambiental não tem espaço no atual governo". Para a ONG The Nature Conservancy, a demissão poderá aumentar a pressão externa contra a produção de biocombustíveis.


Fonte: Veja