Nos anos finais da Segunda Guerra Mundial, a indústria aeronáutica norte americana lançava, quase diariamente, novos modelos de aeronaves, motores e componentes, para atender as necessidades militares.
Os militares sempre estavam pedindo aeronaves com maior velocidade, maior alcance, maior capacidade de armas, e um dos problemas em se conseguir isso estava nos motores. Os americanos sempre preferiram usar motores radiais, refrigerados a ar, em suas aeronaves mais potentes, tanto que, durante toda a Guerra, apenas dois motores em "V", resfriados a líquido, tiveram grande uso em combate.
De fato, os motores radiais tinham grandes vantagens, como sua excelente relação peso-potência e sua confiabilidade em serviço. Por outro lado, tinham como desvantagens óbvias sua grande área frontal e o grande consumo de óleo lubrificante.
A grande maioria dos motores radiais em uso pelos americanos no final da Guerra eram configurados em uma estrela de 9 cilindros ou duas estrelas de 7 ou 9 cilindros cada, para compor motores de 14 e 18 cilindros. Embora a tecnologia oferecesse alguns novos avanços, a maneira mais óbvia de aumentar a potência do motor seria aumentar sua cilindrada.
O aumento da cilindrada dos motores de aeronaves não podia ser ilimitado, pois um dos efeitos disso era o aumento da área frontal dos motores radiais. Os fabricantes de motores eram criativos, e ofereceram várias opções, que geralmente tinham um dos desses "defeitos", na ótica dos americanos: ou eram resfriados a líquido, ou eram sujeitos ao superaquecimento. Como já foi dito, os americanos tinham preferência pelos motores resfriados a ar.
A Pratt & Whitney, um dos maiores fornecedores de motores radiais, concebeu um novo modelo de motor radial, com 4 estrelas de 7 cilindros cada uma, perfazendo um total de 28 cilindros. Isso resolvia o problema da área frontal, mas criava outro: como refrigerar adequadamente os cilindros das estrelas traseiras?
Os engenheiros adotaram uma solução engenhosa para o problema da refrigeração: os cilindros de trás eram ligeiramente defasados em relação aos da frente, criando espaços de circulação de ar entre os cilindros de formato semi-helicoidal, o que possibilitava a refrigeração dos cilindros traseiros sem maior dificuldade.
Obviamente, outros problemas teriam que ser resolvidos, como o sistema de ignição para os 28 cilindros e o sistema de alimentação.
O motor resultante demonstrou ser extremamente compacto para uma cilindrada tão grande, 4.362 polegadas cúbicas, ou 71,5 litros. Outra vantagem do novo motor era a sua excelente relação peso-potência, potencialmente melhor que a do excelente motor P & W R2800, até então o melhor motor radial usado em aviões de caça, e que equipava os Republic Thunderbolt e os Vought Corsair, entre outros aviões de primeira linha.
O motor foi designado R4360 Wasp Major, e seus modelos iniciais produziram cerca de 3.000 HP nas bancadas de teste, com potencial para desenvolver até 3.500 Hp nos modelos de produção.
O novo motor interessou de imediato tanto os militares quanto os fabricantes de aeronaves. Na época, a Boeing produzia o mais poderoso e sofisticado bombardeiro de seu tempo, o B-29. O B-29 era um excelente avião, mas seus motores Wright R3350 deixavam muito a desejar quanto à sua confiabilidade. De fato, incêndios nesses motores destruíram o segundo protótipo do B-29 e mataram toda a sua tripulação. Durante a Guerra, os motores Wright destruíram mais B-29 que os inimigos japoneses.
Outro problema se demonstrava urgente: os B-29 podiam levar bombas nucleares, mas tais bombas tornavam-se cada vez mais pesadas e precisavam ser levadas cada vez mais longe, e um novo bombardeiro, mais potente e de maior capacidade tornava-se altamente necessário.
De fato, tão logo terminou a Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1945, a Boeing encerrou a fabricação do B-29 e começou a desenvolver um modelo parecido, mas equipado com os novos motores R4360, designado inicialmente B-29D, mas depois redesignado Boeing B-50.
A Consolidated-Vultee (Convair) também desenhou um bombardeiro estratégico de grande alcance, com capacidade nuclear, o B-36 Peacemaker, que seria equipado com seis motores R4360.
Tanto o Boeing B-50 quanto o Convair B-36 constituíram a espinha dorsal da força de bombardeiros nucleares americanos durante a primeira fase da Guerra Fria, até serem substituídos pelos bombardeiros a jato Boeing B-47 Stratojet e B-52 Stratofortress.
Convair B-36 Peacemaker |
Embora alguns modelos de aeronaves de caça, como os Vought 2FG Super Corsair, chegassem a ser equipados com o R4360, o desenvolvimento dos motores a jato e o fim da Guerra impediu um uso mais intenso desses motores em caças.
Tecnicamente, o motor R4360 não apresentava grandes evoluções sobre os motores anteriores, exceção feita à disposição inédita de 4 estrelas e à enorme cilindrada. A alimentação de combustível era por carburador de injeção por pressão Bendix-Stromberg, de corpo quádruplo, e um supercharger entre o carburador e os cilindros, que além de aumentar a pressão de admissão, tinha a função de permitir uma mistura de combustível mais homogênea para todos os cilindros.
O sistema de ignição apresentava mais novidades, pois empregava 4 magnetos do tipo de baixa tensão, duplos. e uma bobina individual de alta tensão para cada uma das 56 velas de ignição.
Para absorver tamanha potência, hélices enormes tiveram que ser desenvolvidas, criando um novo problema: a velocidade de rotação das mesmas deveria ser baixa, para que as pontas das pás não chegasse à velocidades supersônicas. Para solucionar isso, uma caixa de redução de engrenagens planetárias reduzia a velocidade de 2700 RPM máximas do motor para apenas 1000 RPM da hélice, uma relação de 0,375:1.
Os cilindros do Wasp Major eram totalmente convencionais, de 2 válvulas por cilindro, 5,75 polegadas de diâmetro por 6 polegadas de curso. A válvula de escapamento era feita de uma liga niquel-cromo denomina Inconel-M, altamente resistente ao calor. A taxa de compressão era de 6,7:1. Todos os cilindros eram intercambiáveis entre si, e eram, praticamente iguais aos cilindros utilizados no motor R2800 Double-Wasp.
O eixo de manivelas era, obviamente, longo para um motor radial. Construído em aço forjado de alta qualidade, tinha 4 moentes e era apoiado em 5 mancais por rolamentos sólidos de aço revestidos de chumbo-prata.
O eixo da hélice era apoiado em um grande rolamento sólido de bronze-chumbo para suportar as cargas radiais e um rolamento de encosto de esferas para suportar a carga de tração da hélice.
O cárter era constituído de 10 seções, sendo as 5 seções de potência construídas em alumínio forjado e as seções dianteiras (2) e traseiras (3) construídas em liga de magnésio. Os cilindros eram fixados por parafusos passantes. A seção dianteira alojava as engrenagens de redução e o governador da hélice.
Era comum o uso de sistemas de injeção de água na decolagem, assim como em outros motores contemporâneos.
O motor tinha 2,451 metros de comprimento, sem a hélice, 1,397 metro de diâmetro e 1,35 metro quadrado de área frontal. Pesava, conforme o modelo, de 1,579 a 1.755 Kg.
O modelo mais potente produzido do Wasp Major foi o R4360-51VDT (Variable Discharge Turbine), equipado com carburador Bendix-Stromberg PR-100E2 e dois enormes turbocompressores General Eletric CHM-2. Tal motor foi construído para o Convair B-36C, mas foi instalado no YB-50C. Foi, provavelmente, o mais potente motor aeronáutico a pistão a voar, com seus 4.300 HP. O escapamento dos turbocompressores fornecia empuxo adicional.
A despeito de ter sido projetado para uso militar, o R4360 foi utilizado em uma aeronave comercial, o Boeing 377 Stratocruiser. Esse avião era a versão civil de um transporte militar, o C-97, que por sua vez era derivado do B-29 e do B-50, com uma fuselagem de seção dupla, em formato de "8".
No uso civil, embora fosse confiável em voo, o motor deixava a desejar na questão da manutenção. Uma partida mal executada podia sujar as velas, e como havia 56 velas, o trabalho de limpeza ou substituição das mesmas podia demorar horas. A revisão geral do motor também era muito dispendiosa, e como o TBO (Time Between Overhaul) era, como a maioria dos motores da época, de apenas 600 horas, o custo operacional do Stratocruiser era alto demais. O avião não foi bem sucedido, e foi prejudicado por várias panes no grupo motopropulsor, se bem que várias dessas panes foram da hélice, não do motor.
No uso militar, nos Estados Unidos, o motor permaneceu em uso até a retirada de serviço dos Boeing KC-97 Stratotanker, aviões-tanques, em 1970. Outras aeronaves que usavam o R4360, como os Fairchild C-119 e C-97 Stratofreigthers permaneceram em uso militar em outros países, ou mesmo civil (conversão de aviões militares), por muito mais tempo. Uma aeronave Vought 2FG Super Corsair, o "Race 74", matriculado NX5577N e operado como avião de corrida, voou com um motor R4360 em 18 de julho de 2011, mas teve dificuldades e aguarda resoluçao dos problemas com o motor para voltar ao voo. Outros motores podem ainda estar em uso até hoje.
A Pratt & Whitney produziu um motor de 14 cilindros derivado do R4360, que era, essencialmente, um motor Wasp Major "cortado ao meio". Tal motor, designado R2180 Twin Wasp E, tinha 1.500 HP na decolagem e só foi usado em um modelo de avião, o SAAB Scandia, dos quais apenas 18 exemplares foram produzidos. O último sobrevivente desse avião está no Brasil, em Bebedouro/SP, e foi operado pela Vasp, assim como todos os outros.
0 Comentários