A tortura e o assassinato de prisioneiros é prática comum na Líbia pós-Kahdafi e as novas autoridades ignoraram todas as denúncias feitas nos últimos meses, revelaram a Amnistia Internacional (AI) e a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF).

Segundo denunciou a AI em comunicado, divulgado no final da semana passada, a tortura e o assassinato de prisioneiros líbios e emigrantes oriundos da África subsaariana – suspeitos de serem defensores do anterior regime – é habitual nos centros de detenção à guarda das milícias, nomeadamente os situados na capital, Tripoli, e em Misrata. A barbárie é consentida pelos responsáveis do Conselho Nacional de Transição (CNT).

«Vários alegados apoiantes de Kahdafi foram torturados até à morte», mas, não obstante, «não sabemos de nenhuma investigação nem os familiares das vítimas ou os sobreviventes tiveram acesso à justiça ou direito a qualquer reparação», diz a AI.

A organização baseia a sua conclusão em investigações e testemunhos recolhidos junto de familiares das vítimas e de prisioneiros, alguns dos quais haviam sido torturados há poucos dias, acusa.

Estátua e outras posições dolorosas, espancamentos com objectos contundentes ou descargas eléctricas são algumas das torturas que a Amnistia confirmou serem comuns.

Os ferimentos observados nos cadáveres e nos prisioneiros auscultados assim o indicam, sustenta a AI. «Muitos daqueles com quem falámos admitiram ter confessado crimes que não cometeram para escapar aos maus-tratos, e confirmaram nunca terem falado com qualquer advogado».

A AI diz ainda que em Misrata a tortura é praticada no quartel-general das milícias e que tal foi testemunhado pelos seus colaboradores ainda no passado dia 23 de Janeiro.

Acrescem os testemunhos dos familiares. A AI exemplifica com o caso de um ex-agente da polícia levado para parte incerta durante três semanas. Após esse período, foi-lhe permitido falar com a esposa ao telefone, mas alguns dias depois da conversa o seu cadáver foi entregue no Hospital de Tripoli, apresentando contusões diversas e feridas abertas na planta dos pés causadas por espancamentos contínuos.

A este caso, a Amnistia Internacional junta o de um antigo coronel do exército, Ezzeddine al Ghool, cujo cadáver foi devolvido à família em condições semelhantes.

Desde Maio de 2011 que a Amnistia Internacional diz denunciar os casos de abusos e torturas às chamadas autoridades centrais e locais, mas, até agora, «quem detém o poder nada fez para pôr fim à situação e punir os responsáveis». Os denominados comités judiciais continuam a realizar interrogatórios com total impunidade.

Situação inaceitável

No mesmo sentido, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) acusou as autoridades milicianas de Misrata de abusarem dos seus serviços ou, noutros caso, de privarem certos detidos do necessário tratamento médico.

«Traziam-nos pacientes a meio dos interrogatórios. Depois de recuperarem, levavam-nos e continuavam as torturas», revelou a MSF, que afirma igualmente ter efectuado várias diligências para denunciar o sucedido.

«Isto era inaceitável. A nossa missão era assistir feridos de guerra e doentes, não tratar detidos entre sessões de tortura», conclui aquela estrutura, que suspendeu as suas actividades em Misrata, onde, desde Agosto, «a tortura foi alastrando paulatinamente».

A MSF revela ter tratado um total de 115 pessoas com feridas provocadas pelas torturas infligidas pelos milicianos. Alguns dos detidos acabaram mesmo por morrer. As autoridades foram sendo avisadas, mas ignoraram sempre os relatos.

Várias detidos que já haviam sido assistidos pela MSF voltaram com novos ferimentos provocados pela tortura, diz também a organização. A gota de água terá ocorrido no passado dia 3 de Janeiro, quando nove pacientes, de um total de 14 trazidos pela pelas autoridades apresentavam indisfarçáveis sinais de tortura. Apenas um deles pôde ser transferido para um hospital, a fim de receber o devido tratamento.

A 9 de Janeiro, a Médicos Sem Fronteiras diz ter-se dirigido ao Conselho Militar, ao Comité de Segurança, ao Conselho Civil de Misrata e ao Serviço de Segurança do Exército Nacional exigindo o fim daquelas práticas, mas, como resposta, recebeu um novo grupo de quatro presos que haviam sido torturados.

Fonte: Jornal Avante