Em meio à crise paraguaia, o anúncio de que a China
teria interesse em um acordo de livre comércio com o Mercosul causou
surpresa e colocou em campos opostos diplomatas do Brasil e da
Argentina, segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil.
O governo de Pequim também ofereceu uma linha de crédito de US$ 10
bilhões para financiar projetos de infraestrutura na América Latina.
As propostas chinesas foram feitas na Argentina na sexta-feira
passada pelo primeiro-ministro chinês Wen Jiabao, durante uma vídeo
conferência da qual também participaram a presidente brasileira, Dilma
Rousseff, e o uruguaio José Mujica, além da presidente argentina,
Cristina Kirchner. A única ausência foi a Paraguai, que vive um
conturbado processo de sucessão presidencial.
Segundo os especialistas, as chances de que a proposta de livre
comércio prospere são pequenas em função da oposição da indústria
brasileira.
Miriam Gomes Saraiva, professora da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro, explica que a ideia de um tratado de livre comércio entre o
Mercosul e a China é defendida claramente pela Argentina e vista por
Brasília com preocupação por causa da ameaça que produtos chineses
podem representar à indústria brasileira.
A opinião é a mesma de Kevin Gallagher, especialista em relações
China-América Latina da Universidade de Boston e que está em Buenos
Aires pesquisando o tema.
"Todos os países latino-americanos poderiam se beneficiar de um
acesso privilegiado ao mercado chinês, que consome 72% da soja
argentina e 50% do aço brasileiro, mas o potencial do impacto de um
aumento das importações chinesas divide a região", explica.
Durante a teleconferência, o primeiro-ministro chinês ressaltou o "interesse comum e o grande potencial" do possível acordo.
Dilma, por sua vez, defendeu que o estreitamento dos laços com a
China poderia ajudar a evitar um contágio da crise global nos países
emergentes, mas para Gallagher a declaração foi política.
"A grande preocupação do Brasil hoje é como diversificar sua economia,
reduzindo a dependência das exportações de commodities, cujo principal
consumidor é a China, e aumentando a competitividade dos produtos de
maior valor agregado, que muitas vezes competem com os chineses",
afirma o analista
Paraguai
Para Saraiva, não foi à toa que a ideia foi lançada em um momento em
que o Paraguai está afastado do bloco. Segundo a professora, a
diplomacia argentina aproveitou a suspensão do país do Mercosul para
fazer pressão sobre o Brasil.
"O anúncio dessa proposta e as conversações relacionadas a ela foram
possíveis agora por causa do afastamento do Paraguai (do Mercosul), já
que o fato de esse país não manter relações diplomáticas (com a China)
vem impedindo há muito tempo qualquer acordo", afirma Saraiva,
especialista em diplomacia brasileira e cooperação sul-sul.
O Paraguai é um dos poucos países do mundo que não reconhece o
governo de Pequim, mas sim o governo chinês de Taiwan. A ilha, no
entanto, é considerada uma Província rebelde pelos chineses
continentais.
Saraiva ressaltou que a chance de que um acordo comercial com a
China avance são pequenas. Até porque costurar esse acordo exigiria
tempo - e a princípio o afastamento do Paraguai, decidido após o
impeachment-relâmpago do presidente Fernando Lugo, é apenas temporário.
Presença chinesa
A proposta da China de abrir uma linha de crédito de US$ 10 bilhões
para financiar projetos de infraestrutura na região já é menos
polêmica, embora para o Brasil também crie desafios, além de
oportunidades.
Desde 2005, a China emprestou, principalmente por meio do Banco de
Desenvolvimento Chinês, cerca de US$ 75 bilhões para países
latino-americanos segundo um estudo coordenado por Gallagher e
publicado pelo Inter-American Dialogue.
Só em 2010 os créditos chineses totalizaram US$ 37 bilhões, de
acordo com o mesmo estudo - mais do que o total aplicado na região pelo
Banco Mundial, o Banco Inter-Americano de Desenvolvimento e o EximBank
dos Estados Unidos juntos.
A maior parte desses recursos se destina a obras de infraestrutura e
costuma ser condicionada à contratação de construtoras chinesas em um
esquema semelhante ao implementado pelo BNDES.
A diferença é que, em troca dos empréstimos, os chineses podem
exigir exportações de petróleo e outros recursos naturais - como no
caso de algumas linhas de crédito para a Venezuela.
Entre as obras financiadas por capital chinês estão hidrelétricas no
Equador e poços de exploração de petróleo em Cuba. O Brasil também
recebe uma parte importante desses empréstimos, mas, segundo Gallagher,
também há uma preocupação no país com a competição que as empresas
chinesas representam na região para as brasileiras.
"Por isso o BNDES está se estruturando para apoiar mais a expansão internacional das companhias brasileiras", opina o analista
Fonte: Midia News
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