O receituário econômico de Hugo Chávez está prestes a ser colocado à
prova. Com a entrada oficial da Venezuela no Mercosul marcada para o dia
31 deste mês, especialistas questionam como será possível conciliar as
regras de um bloco de livre comércio com o cenário de câmbio fixo,
preços controlados e participação escassa de empresas privadas na
economia.
- A política econômica de Chávez está fundamentada em
três elementos contrários aos princípios do Mercosul: uma economia
ancorada em compras governamentais, controle de preços e sem muito
espaço para empresas privadas — disse ao GLOBO o analista venezuelano
Carlos Romero.
No Tratado de Assunção, documento que marcou a
criação do Mercosul, os sócios se comprometeram com “a livre circulação
de bens, serviços e fatores produtivos entre os países por meio da
eliminação dos direitos aduaneiros e das restrições relativas à
circulação de mercadorias e de qualquer outra medida equivalente”.
-
O Mercosul já estava em uma situação complicada antes, com a Venezuela
deve ficar ainda mais difícil. Todo esse protecionismo de Chávez só
tornou o país mais dependente do petróleo. No médio e no longo prazo
representa uma política de atraso para o país - disse Nora Zygel,
professora da FGV Management.
As vendas da indústria petrolífera
para outros países representam 95% da receita de exportações
venezuelanas. Nas transações comerciais com o Brasil, por exemplo, o
nafta (derivado de petróleo) para a petroquímica representou, de janeiro
a junho deste ano, mais da metade das vendas.
Mas o principal
entrave para as negociações não é a concentração da pauta de
exportações, mas os desafios impostos pelo câmbio fixo, que limita a
entrada de divisas e restringe as importações. Somente neste ano, o
bolívar já sofreu a maior desvalorização desde 2010, quando Chávez
resolveu extinguir o mercado paralelo de dólares para combater a
inflação em alta e o uso potencial para lavagem de dinheiro. A cotação
para compras essenciais foi fixada em 4,3 bolívares.
Diversificação para combater escassez de produtos
Mas
o fato de o mercado paralelo ter sido extinto pelo presidente não quer
dizer que os venezuelanos tenham parado de adquirir dólares. E estão
comprando cada vez mais, o que eleva a cotação e pressiona a inflação.
Segundo o blog Lechuga Verde, que apresenta a cotação negociada por
doleiros, o dólar custava ontem 9,28 bolívares. Já o euro era negociado
por 11,41 bolívares. As informações aparecem também nas redes sociais.
De
outro lado, a inflação continua em alta. O Fundo Monetário
Internacional (FMI) prevê que a Venezuela encerrará o ano com uma taxa
de até 31,6%. No ano passado, o país registrou uma variação de quase
28%. Na prática, com câmbio fixo, os importados saem mais em conta, o
que prejudica a indústria local.
Segundo Romero, as atividades que
podem sofrer mais com as mudanças incluem a área de alimentos
processados, indústria química e materiais de construção, afetados pelos
preços artificiais e pela taxa de câmbio imposta pelo governo.
Para
o analista, o objetivo de Chávez é aumentar a capacidade de compras de
bens finais do Brasil e da Argentina. A escassez de alimentos e de bens
de consumo já é uma realidade crônica no país, onde já foi registrada
neste ano falta de carne, azeite e de outros produtos da cesta de
consumo. E apesar das divergências no campo diplomático, os Estados
Unidos ainda são o principal parceiro comercial da Venezuela em
importações, seguidos por Colômbia, Brasil e China, com base em
estimativas de 2009.
- O governo quer diversificar a origem dos produtos e reduzir a dependência dos EUA.
A
lista de produtos comprados do Brasil de janeiro a junho deste ano
confirma essa expectativa, com ampla presença de alimentos como carne
bovina desossada, frango, milho e soja.
Apesar deste cenário, o
país deve fechar o ano com um crescimento da economia de 4,7%, segundo o
FMI, impulsionado pelo aumento de compras do governo, no ano em que
Chávez lançou sua quarta candidatura à Presidência.
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