O avião
usado pela presidente Dilma Rousseff é um Airbus-A19 francês - o
próximo, todavia, tem boas possibilidades de sair do complexo da Boeing,
no Estado americano de Washington. Em maio, o Comando da Aeronáutica
enviou à Boeing e à Airbus um pedido formal de oferta de dois aviões,
para reabastecimento em voo e de longo alcance.
A resposta deve chegar, no máximo, em 90 dias. O
plano da Força Aérea prevê que os jatos analisados - o Boeing 767 e o
A-330 - possam ser convertidos para o transporte de passageiros e carga.
Um deles teria espaço preparado para receber uma seção executiva de uso
da Presidência em viagens longas. A seleção pode considerar jatos
usados, que seriam submetidos a um procedimento de modernização e
revitalização.
É um negócio prestigioso - todavia, não
ocupa espaço na agenda da presidente da Boeing do Brasil, Donna Hrinak.
Discreta, prefere evitar o assunto. Ex-embaixadora no País entre 2002 e
2004, e ex-vice-secretária de Estado para o México e o Caribe, está
agora empenhada em firmar parcerias que consolidem a presença da empresa
no mercado. Donna identifica no Brasil a oportunidade de vendas "para
mais de mil aeronaves, ou seja, 40% da demanda de toda a América Latina
até 2032 - veja bem: estamos falando de US$ 100 bilhões a serem
contratados".
Morando em São Paulo, onde já viveu nos
anos 80, quando era oficial diplomática no Consulado dos EUA, Hrinak
está fazendo a redescoberta dos restaurantes italianos e japoneses -
para ela, "estão entre os melhores do mundo". Na sexta-feira, preparando
uma caminhada pelo Parque Ibirapuera com o marido, Frans Boete, a
presidente da Boeing falou ao Estado. A seguir, os principais trechos da
entrevista.
A Boeing está redescobrindo o Brasil?
Nossa parceria com o Brasil é antiga. São
80 anos - em setembro de 1932 entregamos as primeiras aeronaves
militares ao governo brasileiro. Além disso, fornecemos aeronaves às
empresas aéreas brasileiras desde 1960. Geralmente, quando as pessoas
ouvem o nome Boeing pensam em aeronaves, e elas não estão erradas, mas
somos, acima de tudo, uma empresa de tecnologia. Por isso, as parcerias
que esperamos estabelecer por aqui incluem também universidades,
laboratórios de ideias e centros de pesquisa.
Há resultados práticos?
Já assinamos um acordo com a Embraer e
com a Fapesp para colaborar na pesquisa e desenvolvimento de um programa
para criar uma indústria sustentável de biocombustíveis. Outra
oportunidade que nos empolga muito é a de participar do programa Ciência
sem Fronteiras, uma iniciativa do governo brasileiro. Patrocinamos um
ano de estudos de 14 alunos dos cursos de engenharia aeroespacial e
engenharia Aeronáutica em universidades norte-americanas e ainda
oferecemos um estágio de dois meses na Boeing, que termina no dia 24 de
julho.
Em que estágio se encontra a implantação do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Aeroespacial?
O vice-presidente de Pesquisa e
Tecnologia da Boeing do Brasil chegou no final de maio, vindo de Pequim,
onde também estabeleceu um centro de pesquisa e tecnologia para a
China. Desde então, manteve consultas com universidades, cientistas e
autoridades governamentais para identificar áreas promissoras de
cooperação. A partir de nossas conversas com potenciais parceiros
brasileiros, achamos que essas áreas incluem pesquisas sobre materiais
avançados e biomateriais, análise visual (visual analytics) e sondagem
remota.
Quais são as metas da Boeing do Brasil?
Estamos no Brasil para ficar. Além de
continuar o engajamento com nossos clientes na área comercial, queremos
colaborar com o avanço e a competitividade da indústria de defesa do
Brasil. Estamos avaliando novas oportunidades de negócio com foco no
longo prazo, sempre nos alinhando com empresas locais para criar planos
de negócios que sejam mutuamente benéficos. Na Boeing, temos muita
experiência em aplicação prática de estudos e acreditamos que podemos
trabalhar juntos nessa transição de colocar em prática no próprio
mercado nacional, e também no internacional, as pesquisas elaboradas
pelos brasileiros. Somos uma das três empresas finalistas na
escolha para fornecer novos caças à Força Aérea Brasileira - mas este é
apenas um de nossos interesses no País. Já identificamos 25 empresas
locais que poderiam ser parceiras da Boeing nessa empreitada, gerando 5
mil empregos.
Qual é o tamanho da frota de aviões da Boeing no Brasil?
Aproximadamente 170 aeronaves da Boeing
voam no Brasil atualmente, ou mais de 50% da frota total do País. Temos
excelentes clientes. A Gol é a maior operadora - são cerca de 130
aeronaves, inclusive os novíssimos 737-NG.
Qual é o resultado prático dos acordos de cooperação estabelecidos pela Embraer com a Boeing?
Os acordos são uma evolução natural da
relação da Boeing com a Embraer. Como empresas líderes no mercado
aeroespacial global, faz sentido trabalharmos em conjunto em áreas nas
quais compartilhamos interesses. Costumo dizer que quando falamos com a
Embraer é como se estivéssemos falando com nós mesmos porque as culturas
das duas empresas são muito parecidas. Na prática, nossos acordos vão
possibilitar que ofereçamos produtos e serviços que tornem a aviação
comercial mais eficiente e segura.
A Boeing e a Embraer poderiam desenvolver, em projeto conjunto, um novo avião regional nos padrões exigidos pelo mercado?
Temos um acordo para trabalhar juntos na
área de aeronaves comerciais buscando eficiência e segurança, no
desenvolvimento de pesquisas e tecnologias e em biocombustíveis
sustentáveis para aviação. Outras parcerias nas áreas comerciais e de
defesa estão sendo estudadas e serão anunciadas quando estivermos de
acordo com relação às oportunidades de mercado. O arcabouço da
colaboração foi estabelecido no acordo que assinamos em abril,
paralelamente à visita da presidente Dilma ao presidente Obama. Desde
então, anunciamos duas colaborações significativas na área de defesa e
segurança: o apoio da Boeing ao programa da aeronave de transporte aéreo
de médio porte KC-390, que a Embraer está desenvolvendo para a Força
Aérea Brasileira, e a integração de armas ao Super Tucano, inclusive no
que faz parte da oferta da Embraer na concorrência da Força Aérea dos
EUA para fornecimento de 20 aviões de ataque leve para o Afeganistão.
A sra. declarou que as restrições à
transferência de variada tecnologia de ponta, atribuídas à proposta da
Boeing na escolha dos F-X2, não passam de "lenda"? Como assim?
Compreendo a importância da transferência
de tecnologia dentro do contexto da concorrência dos caças. Todavia, me
incomoda focar excessivamente nesse conceito porque ele me remete à
ideia de relação "Norte-Sul" da segunda metade do século passado, quando
falávamos de um "Norte" supostamente desenvolvido e sofisticado que
transferiria seu conhecimento e sabedoria a um "Sul" supostamente
despreparado e subdesenvolvido. Essa nunca foi uma descrição justa e
muito menos completa de nossas relações econômicas e de nossos
investimentos. Isto dito, em relação à escolha dos caças, apresentamos,
repetidamente, garantias dos poderes Legislativo e Executivo do governo
dos EUA, vindas dos dois partidos, de que endossam e garantem a oferta
agressiva de tecnologia proposta pela Boeing. Nossa oferta inclui o
mesmo nível de compartilhamento de tecnologia disponibilizado para
nossos aliados da Otan, o que significa o mais alto nível de
compartilhamento de tecnologia que praticamos.
Na proposta da Boeing, quanto do caça F-18 E/F Super Hornet seria fabricado ou integrado no Brasil?
A Boeing ofereceu formalmente ao governo
brasileiro a possibilidade de montagem final do Super Hornet, não
somente para as aeronaves brasileiras, mas também para as da Marinha dos
Estados Unidos, além da fabricação de partes significativas da
fuselagem. O Super Hornet trará oportunidades que vão além da produção
da aeronave. A tecnologia para o suporte e upgrade da aeronave
ficará no Brasil, o que permitirá aplicar esse conhecimento às aeronaves
brasileiras no futuro. Como maior empresa aeroespacial do mundo, a
Boeing pode trazer oportunidades inéditas para a indústria brasileira
por conta das relações com fornecedores e outros players do setor
aeroespacial e de defesa. Um exemplo concreto recente foi a
seleção, no início de 2012, da empresa AEL Sistemas, subsidiária da
israelense Elbit Systems, para fornecer o Display de Grande Área (LAD,
na sigla em inglês) que integrará o Sistema Avançado de Cockpit
(Advanced Cockpit System) utilizado nos Super Hornets da Boeing e na
família de aeronaves F-15, incluindo a Silent Eagle. A AEL ganhará
know-how que possibilitará expansão da sua atuação no mercado de
capacidades avançadas de aviônicos do cockpit de vários tipos de
aeronaves, inclusive helicópteros. São parcerias que permitirão à
indústria elevar a posição no mercado global.
Ex-embaixadora dos Estados Unidos no
Brasil entre 2002 e 2004, na Venezuela (de 2000 a 2002), na Bolívia (de
1997 a 2000) e na República Dominicana (de 1994 a 1997). Foi
vice-secretária de Estado para o México e o Caribe e também oficial
diplomática no Consulado dos EUA em São Paulo. É a presidente da Boeing
do Brasil desde setembro de 2011.
Fonte: Estadão/NOTIMP/FAB
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