https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizMgdbbjX6-AVm3bUHgx11obgbTV0jjBcknb1k984rX69mur8VqRMDdMHylUpznjlEreHvOECJJrWZ_b9l1CsqkqJOgEo6zKaKYjUte7nhQsAk3RI_BP8J4ga4THtGBRvqZ4I3nL6sFWY/s1600/dragado-martin-garcia.jpgEm maio, as relações diplomáticas entre Argentina e Uruguai entraram em crise novamente. A disputa, desta vez em razão da dragagem do Canal García Martín, no Rio da Prata, atingiu seu ápice há três semanas, quando o governo argentino, responsável pela obra, suspendeu definitivamente a licitação para escolha de uma nova empreiteira. 

O problema azedou até mesmo o relacionamento entre a presidente argentina, Cristina Kirchner, e o uruguaio, José Mujica, tradicionalmente amistoso. O episódio é apenas mais um que mostra a complicada relação entre os "irmãos" sul-americanos - a qual o número cada vez maior de fóruns regionais, encontros presidenciais e fotos de mandatários sorridentes não consegue disfarçar.
Vizinhos e parceiros no Mercosul, Argentina e Uruguai vivem às turras. Se agora o problema é a dragagem do canal, durante quatro anos os dois países quase foram à agressão armada em razão da instalação de uma fábrica de celulose no Rio Uruguai. O governo argentino alegava que a fábrica poluiria o rio. O caso terminou na Corte de Haia, que deu razão aos uruguaios.
Essa semana, mais um problema: Mujica foi ao rádio em Montevidéu reclamar do imposto de 15% nas operações de cartão de crédito no exterior determinado por Cristina Kirchner - o Uruguai é destino de férias de boa parte dos argentinos e será diretamente prejudicado. Com um temperamento naturalmente "passional", segundo seus vizinhos, a Argentina está constantemente envolvida em rusgas regionais, especialmente na área econômica.
Durante a maior parte deste ano, decisões unilaterais de impor barreiras comerciais a produtos brasileiros levou os dois governos a "negociações" que quase desandavam em bate-bocas. Nesse momento apaziguadas, as crises econômicas são cíclicas, principalmente quando o déficit comercial está do lado argentino.
Apesar de mirar especialmente o Brasil com as tentativas de retaliação pela sua suspensão do Mercosul, o Paraguai foi atacado mais fortemente por Cristina Kirchner depois do impeachment do ex-presidente Fernando Lugo - que os vizinhos consideraram um golpe de Estado.
Mediação
A presidente argentina queria impor sanções econômicas ao país, além da suspensão política, mas foi contida pela presidente brasileira, Dilma Rousseff, e por José Mujica. O isolamento do Paraguai depois da saída de Lugo levou a mais uma rodada de pequenos conflitos, bate-bocas e ameaças na região, especialmente entre Paraguai e Venezuela, o mais novo membro do Mercosul.
Depois de acusar os venezuelanos de tentarem arregimentar os militares paraguaios para impedir a deposição, parlamentares do país ainda afirmaram terem recebido proposta de suborno para aprovarem a entrada da Venezuela no bloco. Já os venezuelanos garantem que foram os paraguaios que pediram dinheiro. Com a volta do Paraguai ao Mercosul, possivelmente em julho do ano que vem, novas crises devem vir por aí.
Algumas disputas sul-americanas são quase centenárias: Bolívia e Chile brigam desde 1904, quando os bolivianos perderam a Guerra do Pacífico e, com ela, sua saída para o mar. Os dois países não tem relações diplomáticas desde os anos 70, quando uma tentativa de acordo deu em nada. Este ano, mais uma vez, o presidente Evo Morales levou a reclamação à Organização dos Estados Americanos (OEA) e promete ir à Corte Internacional de Haia. O Chile se recusa até mesmo a debater o assunto. O país já enfrenta em Haia outra reclamação, do Peru, sobre os limites marítimos entre os dois países, que pode ser solucionada este ano.
Já a Venezuela descobriu, na década de 60, que o acordo de limites com o território da Guiana - então pertencente à Grã-Bretanha - feito em 1899 a tinha prejudicado. E quer a área de Essequibo de volta. O território, com diversos garimpos de ouro, representa praticamente metade da Guiana. Em mapas usados pelos militares venezuelanos a área já é do país, mas dificilmente essa disputa terá uma solução que agrade aos dois lados.
Apesar dos constantes conflitos, diplomatas sul-americanos lembram que a região não é das piores. Em um século, poucas disputas regionais acabaram descambando para a guerra aberta entre os países - algo comum em outros continentes. A dificuldade de relacionamento, no entanto, é típica de países que têm muita dificuldade com o conceito de integração e ainda pensam mais como unidade do que em grupo. O Mercosul, por exemplo, com seus 20 anos, ainda não conseguiu resolver nem mesmo as relações comerciais, seu foco principal.
Ainda assim, os fóruns regionais são considerados um bom caminho para tentar resolver as crises locais, mesmo que ainda em fase de testes. A intermediação da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), em 2008, evitou o agravamento da crise entre Equador e Colômbia depois que o então presidente colombiano, Álvaro Uribe, ordenou que forças colombianas invadissem território equatoriano para bombardear o acampamento e matar o líder político da guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Raúl Reyes. Os dois países chegaram a romper relações diplomáticas, mas pelo menos não foram além nas ameaças de um conflito armado.

Fonte: Estadão