Enquanto os governos já veem o ambiente digital como uma área
estratégica, há divergência entre especialistas em chamar os casos de
ataques hackers de ‘ciberguerra’
Na semana passada, uma comissão do Congresso dos Estados
Unidos recomendou que as empresas do país deixassem de comprar produtos
da fabricantes chinesas de equipamentos de telecomunicações Huawei – a
segunda maior do mundo – e da ZTE. A decisão foi tomada sob suspeita de
que seus produtos poderiam funcionar como ferramentas de
ciberespionagem, fornecendo informações privilegiadas ao Partido
Comunista chinês.
Este foi apenas mais um dos recentes casos de conflitos que levantam a
questão: a internet é um potencial terreno de guerra entre nações –
numa disputa entre Estados, em que soldados dão lugar a hackers, fuzis
são trocados por computadores e, em vez de cidades bombardeadas, veremos
países sem energia elétrica ou sem comunicação?
À frente dos que levam essa possibilidade a sério, está os Estados
Unidos. O país trava uma disputa interna para aprovar leis mais rígidas
de cibersegurança.
Em agosto, o secretário de Defesa norte-americano, Leon E. Panetta,
fez um discurso reclamando do Senado por ter rejeitado um projeto sobre
cibersegurança, de interesse da Casa Branca. Panetta reforçou a tese de
“risco” e falou até em um “cyber-Pearl Harbor”, lembrando o ataque à
base no Havaí, em 1941, que colocou os EUA na Segunda Guerra Mundial.
“Uma nação agressora ou grupo extremista pode usar essas ferramentas
para ganhar controle de pontos importantes”, disse Panetta.
Em 2010, os Estados Unidos estabeleceram formalmente o “ciberespaço”
como um novo ambiente de combate, colocando-a ao lado da terra, água e
ar. No ano seguinte, o país atualizou sua política de cibersegurança e
colocou o tema como uma prioridade do governo Barack Obama.
Casos de espionagem online já têm ocorrido nos últimos anos. Um dos
mais graves foi a destruição de centrífugas nucleares no Irã pelo vírus
Stuxnet – atribuído recentemente aos EUA. A China tem uma má fama, por
ser frequentemente o local de origem de ataques. A reclamação contra o
país é antiga. Em 2007, a então chanceler alemã Angela Merkel falou com o
presidente chinês, reclamando da irritante prática hacker de seu país.
Os ataques são parecidos com os que atingem os usuários comuns, mas
direcionados para altos funcionários de governos ou de empresas – como
ocorreu com a Casa Branca ou a General Motors. Envia-se um e-mail com um
link malicioso, a vítima clica e informações privilegiadas de setores
estratégicos e documentos com detalhes da propriedade intelectual são
roubados.
Defesa
Dados da PricewaterhouseCoopers mostram que os EUA
não estão sozinhos. Cerca de US$ 60 bilhões foram gastos em 2011 com
cibersegurança. O Brasil, por exemplo, desembolsou R$ 83 milhões para
criar a sua própria divisão de defesa virtual, o chamado Centro de
Defesa Cibernética do Exército (CDCiber), além de pagar R$ 6 milhões
para comprar programas antivírus. No mundo, mais de 120 países possuem
centros de defesas desse tipo, segundo a empresa de tecnologia de
segurança McAfee.
O assunto ganhou mais evidência com o livro Cyber War (Editora Ecco
Press, 2010, sem edição brasileira), escrito por Richard Clarke, chefe
de cibersegurança da Casa Branca durante os governos de Bill Clinton e
George W. Bush.
O livro se tornou polêmico por retratar um mundo caótico e frágil que
poderia abrigar “ataques de ciberguerra sofisticados” criados por
hackers em apenas 15 minutos de trabalho. Clarke vislumbra uma guerra
global em que vários tipos de ataques são possíveis, desde o
monitoramento ilegítimo de contas bancárias no Oriente Médio (caso do
vírus Gauss) até o bloqueio a sites do governo de um país por meio de
ataques DDoS (caso da Georgia e Estônia).
“Nossa vida atual é totalmente dependente dos recursos de computação e
de rede”, diz Adriano Cansian, professor da Unesp e coordenador do
grupo de trabalho em segurança do Comitê Gestor da Internet no Brasil.
“Uma guerra cibernética de larga escala destruiria a economia mundial,
levaria o mundo a um caos completo.”
Sem pânico. A visão de Clarke é criticada por quem vê a abordagem
como causadora de pânico e paranoia em relação à internet. Alguns chegam
até a considerar tudo uma desculpa para exercer maior controle e
monitoramento sobre a rede.
A tese é muito questionada por basicamente dois motivos: não houve
até hoje um caso em que um conflito do tipo foi considerado um ato de
guerra. E não há oponente com arsenal suficiente e disposto a começar
uma guerra digital.
“Não estamos em uma ciberguerra. Guerra é uso de força militar para
atacar outra nação e destruir sua capacidade de resistência”, diz o
especialista em cibersegurança e membro do Centro de Estudos
Estratégicos de Washington, James A. Lewis, em um artigo. “Apenas alguns
países – Rússia, China, Israel, França, EUA e Reino Unido – têm
capacidades avançadas de lançar um ataque cibernético que possa causar
danos equivalentes à sabotagem, podendo ser classificado como um ato de
guerra.”
Mark Schloesser, membro do Honeynet Project – organização que analisa
e elabora ferramentas de controle a ataques – descarta a ideia de
guerra. “É certo que houve casos de espionagem industrial e de
sabotagem, mas a comunidade de segurança concorda que não dá para chamar
isso de ciberguerra.”
O professor Adriano Cansian acredita há “uma guerra fria digital” e
rejeita a ideia de paranoia. “Esta guerra existe, mas numa escala
restrita. É real. Mas não é motivo de pânico. É um problema estratégico,
de Estado, que deve ser tratado por quem tem competência legal e
técnica para isso. Talvez devêssemos ter uma ‘Convenção de Genebra’ para
guerras cibernéticas. Seria um bom começo.”
Fonte: Estadão
0 Comentários