Esta semana, a Marinha lançará um drone (avião não tripulado) de
combate inteiramente autônomo - sem nenhum piloto no joystick - do
convés do porta-aviões George H. W. Bush. O drone tentará pousar a
bordo do navio, uma façanha que poucos pilotos humanos são capazes de
realizar.
Esse exercício é o começo de um novo capítulo da história militar: a
guerra de drones autônomos. Mas é também uma virada nefasta numa
rivalidade militar potencialmente perigosa que está sendo formada entre
os Estados Unidos e a China.
O X-47B, um avião invisível apelidado de "Robot" (Robô) pelos
marinheiros, é um pássaro grande - 11,4 metros de comprimento e cerca de
19 metros de envergadura - que voa em velocidades subsônicas com um
alcance de mais de 3.200 quilômetros. Mas é a tecnologia no interior do
Robot que faz dele um elemento capaz de mudar o jogo no Leste Asiático.
Sua decolagem, combate e pouso completamente computadorizados criam a
possibilidade de haver dezenas ou centenas de seus sucessores engajados
num combate ao mesmo tempo.
Ele também é capaz de suportar níveis de radiação que matariam um
piloto humano e destruiriam a eletrônica de um jato normal. Além de
bombas convencionais, sucessores desse avião de teste poderão ser
equipados para carregar um micro-ondas de alta potência, um dispositivo
que emite um feixe de radiação capaz de fritar redes elétricas de um
inimigo tecnologicamente equipado, destruindo todas as coisas a elas
conectadas, entre as quais as redes de computadores que conectam
satélites, navios e mísseis de precisão.
E essas, é claro, estão entre as principais coisas nas quais a China
investiu durante sua modernização militar. Enquanto a Marinha dos
Estados Unidos lança um drone autônomo, a Marinha chinesa brinca de
esconde-esconde com um voo pilotado do convés de um porta-aviões.
Em novembro, a Marinha chinesa pousou um caça a jato J-15 no convés do porta-aviões Liaoning, o primeiro do país (foto).
Embora a China ainda tenha um longo percurso para desenvolver uma
frota de porta-aviões que rivalize com a dos Estados Unidos, o pouso
revela suas ambições.
Com quase 500 mil marinheiros e aproximando-se rapidamente de 1 mil
embarcações, sua Marinha já é, por certos parâmetros, a segunda maior do
mundo.
Com essa nova Marinha, Pequim pretende projetar seu poder a uma série
de cadeias de ilhas no Pacífico: a primeira se estende ao sul da
Península Coreana, na costa oriental de Taiwan, contornando o Mar do Sul
da China, e a segunda vai do Japão para sudeste até as Ilhas Bonin e
Marshall, abarcando as Ilhas Marianas do Norte, um território dos
Estados Unidos, e Guam - uma base americana crucial no Pacífico
ocidental. Alguma literatura não oficial dos militares chineses chega a mencionar uma terceira cadeia: as Ilhas Havaianas.
Para projetar esse tipo de poder, a China depende não só da
quantidade de seus navios, mas também da qualidade de sua tecnologia.
Manter os americanos a meio oceano de distância requer a capacidade
de ataques de precisão de longo alcance - o que, por seu lado, requer o
reconhecimento por satélite, guerra cibernética, comunicações
codificadas e redes de computadores em que a China investiu quase US$
100 bilhões na última década.
Idealmente para ambos os países, os esforços da China criariam um
novo equilíbrio de poder na região. Mas para compensar a vantagem
numérica e os avanços tecnológicos da China, a Marinha dos Estados
Unidos está apostando pesadamente em drones - não somente os X-47B e
seus sucessores, mas drones de reconhecimento antissubmarinos, drones de
comunicações de longo alcance, até drones submarinos.
Uma simples combinação de um drone de reconhecimento Triton (acima) e um
avião antissubmarino tripulado P-8A Poseidon (ao lado) pode varrer 6,7 milhões de
quilômetros quadrados de oceano numa única missão.
Corrida pela tecnologia. A corrida armamentista entre as maiores
Marinhas do mundo compromete a possibilidade de se chegar a um novo
equilíbrio de poder, e eleva a possibilidade de colisões inesperadas à
medida que os Estados Unidos mobilizarem centenas e até milhares de
drones e a China procurar maneiras de fazer frente ao novo desafio.
E os drones, por serem mais baratos e dispensarem um piloto humano,
baixam as barreiras a um comportamento agressivo por parte dos líderes
militares americanos - como farão com a Marinha da China tão logo ela
faça sua própria e inevitável investida nas capacidades de drones
(aliás, há relatos da semana passada de que a China está preparando seu
próprio drone invisível para testes de voo - foto).
Por si mesmas, as rivalidades navais não desencadeiam guerras. Em
tempos de paz, aliás, as operações navais são uma forma de diplomacia
que oferece a rivais exibições saudáveis de força que servem como
elementos de dissuasão de uma guerra. Mas elas também precisam ser
cercadas de relações políticas maiores.
No momento, a relação Estados Unidos-China é, sobretudo, no plano
econômico. Enquanto essa relação permanecer vibrante, um confronto não é
do interesse de nenhuma das partes. Mas se esse elo fino se partir
restará pouca coisa de uma relação política maior, para não falar de uma
aliança, para ocupar seu lugar.
A única barreira entre crise e conflito, então, seriam duas Marinhas
ainda maiores e mais perigosas preparadas para travar um tipo de guerra
com base em aviões não tripulados que ainda não compreendemos
completamente e, por isso, somos mais propensos a enveredar por uma
delas.
Fonte: Estadão
Fonte: Estadão
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