Relatório americano sobre recentes ataques cibernéticos atribuídos à
China marca guinada na forma como EUA lidam com o caso. Nunca antes a
ciberespionagem foi publicamente tão documentada e politizada por
Washington.
As recentes notícias de que hackers chineses haviam espionado empresas, grupos de mídia e think tanks
americanos só despertou nos especialistas do setor de segurança um
sorriso de cansaço. Desde o ataque conhecido como Ghostnet, em 2009, já
estava claro que hackers chineses não apenas dispõem do conhecimento
necessário para atos de espionagem, como também os praticam.
O Ghostnet atingiu instituições políticas e econômicas de
aproximadamente cem países. Isso significa que o ataque, que segundo um
grupo internacional de pesquisadores foi comandado a partir da China, é
um dos maiores de ciberespionagem já conhecidos.
Para os especialistas, mais importante que a notícia sobre os novos
ataques dos hackers chineses são as condições da publicação do material e
suas consequências políticas. Num relatório de 78 páginas, a empresa
americana Mandiant, especializada em segurança de TI, explica
detalhadamente como o grupo de hackers que opera em Xangai espionou pelo
menos 141 companhias dos Estados Unidos desde 2006, tendo roubado
centenas de terabytes de dados.
A título de comparação: o arquivo do Twitter da maior biblioteca do
mundo, a do Congresso americano, com um volume de aproximadamente 170
bilhões de tweets entre 2006 e 2010, tem aproximadamente 130 terabytes.
As pistas dos ataques leva, segundo a Mandiant, à unidade de
ciberespionagem 61398 das Forças Armadas chinesas em Xangai.
Apresentação clara de provas
"O mais importante no relatório da Mandiant não é sua conclusão, embora
eu ache que ela seja também importante", analisa Herb Lin, coordenador
de pesquisas em Ciências da Computação e Telecomunicações da Academia
Nacional de Ciências, nos EUA. "Muito mais importante é sua documentação
detalhada."
Michael Waidner, diretor do Instituto Fraunhofer de Segurança da
Tecnologia da Informação, em Darmstadt, também acentua que acusar a
China de ciberespionagem não é uma novidade. O surpreendente, segundo
ele, é a transparência das declarações do relatório da Mandiant. "Até
agora, ninguém tinha tido a coragem de afirmar com tanta clareza que
pode provar de onde vêm esses ataques", observa.
Embora seja difícil afirmar com certeza absoluta quem é o responsável
por um ciberataque, os dois especialistas apontam o relatório da
Mandiant como plausível e convincente. Além disso, Pequim nem tentou,
exceto através de uma única nota desmentindo as afirmações, examinar ou
revidar a suposta autoria dos ataques.
Nazli Choucri, professora de Política do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e autora do recém-publicado Cyber Politics in International Relations
(ciberpolíticas nas relações internacionais, em tradução livre),
compara: "Quando você está roubando um biscoito e, de repente, seu dedo
fica preso, porque alguém fecha a tampa da lata, você fica numa situação
consideravelmente chata".
A série de provas, compreensível também para leigos, bem como sua
publicação, é de fato uma novidade. Normalmente, os relatórios sobre
ciberespionagem costumam ficar guardados, pois as empresas envolvidas
temem por suas imagens e também porque isso dificulta a proteção contra
outros ataques. A empresa Mandiant também menciona essa preocupação em
seu relatório e explica que, depois de muita reflexão, a conclusão foi
de que as razões políticas em favor da publicação seriam, neste caso,
mais fortes.
Ciberpolítica como assunto principal
Embora o governo americano não tenha confirmado diretamente o relatório
da Mandiant, não é por acaso que, pouco depois da publicação, as
autoridades competentes tenham divulgado seu estudo, de 140 páginas,
sobre estratégias de combate do roubo de dados sigilosos de empresas.
Neste documento oficial, Pequim é mencionada mais de cem vezes.
E também não é nenhum acaso que o presidente Barack Obama tenha, no dia
de seu discurso sobre o estado da nação, ou seja, uma semana antes da
divulgação do relatório da Mandiant, assinado um decreto "contra a
dramaticamente crescente ameaça através de ciberataques".
No discurso, Obama chegou a dedicar mais tempo ao problema dos ataques
que ao programa nuclear iraniano. Em fins de fevereiro, Dianne
Feinstein, presidente da Comissão de Serviço Secreto do Senado
americano, confirmou a validade do relatório da Mandiant.
"Estávamos, até agora, acostumados a analisar o mundo virtual de maneira
separada do mundo físico que conhecemos. Mas esse caso recente, e o
fato de o governo citar nomes pela primeira vez, marcam o início de uma
possível 'diplomacia de domínios cruzados'. Isso significa que um ato
não cortês num setor virtual pode levar a uma resposta em outro",
afirmou.
No segundo semestre de 2011, o então secretário de Defesa dos EUA, Leon
Panetta (foto ao lado), falou num "Pearl Harbor virtual", já demonstrando o quanto
Washington leva a sério esses ataques. Pois uma proteção completa contra
ciberataques não existe nem mesmo nos EUA, líder mundial do setor de
TI.
"O único computador realmente seguro fica guardado numa caixa, sem fios
que saiam dele ou entrem", diz Lin. E pelo fato de, ao contrário de
outros países, o governo americano não ter permissão para praticar
espionagem econômica, Obama cogita até mesmo sanções. Embora esta seja a
última alternativa, pois uma guerra comercial não é de interesse dos
EUA.
Mais sensato seria, de acordo com os especialistas, a vigência de normas
genericamente reconhecidas. "Este é um setor que certamente precisa de
regras internacionais. Seria necessário concordar que ciberataques são
tão abomináveis quanto ataques convencionais com armas por parte de
outros países", acentua Waidner.
Mas no momento, afirma o especialista, o setor mais parece um Velho Oeste sem xerife.
Fonte: DW - Autor: Michael Knigge (sv) - Revisão: Rafael Plaisant Roldão
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