Em 1956, o Governo Juscelino Kubitschek adquiriu dois aviões
quadrimotores Vickers Viscount 700 para atender a Presidência da
República, em substituição aos obsoletos Lockheed VC-66 Lodestar. O
primeiro desses aviões, que havia sido encomendado originalmente pela
empresa aérea norueguesa Braathens - SAFE, já estava pronto, quando a
empresa aérea desistiu da compra, e foi oferecido imediatamente ao
governo brasileiro, que o comprou para a FAB, recebendo o registro FAB
2100.
O FAB 2100, logo após ser comprado pela FAB e ainda com pintura civil |
O Viscount foi então reconfigurado como aeronave presidencial, com
apenas 20 lugares, na Grã-Bretanha, e voou para o Brasil em fevereiro de
1957. O Viscount, rápido, confiável e isento de vibrações, fez sucesso
imediato no serviço presidencial, pois podia levar rapidamente o
Presidente JK para as obras da nova capital, Brasília. Uma segunda
aeronave, o FAB 2101, foi incorporada em 1958.
O FAB 2100, no entanto, logo demonstrou ser uma aeronave "azarada". Na
primeira vez, transportando o Presidente Juscelino no trecho voo São
Luiz - Recife, teve falha dos motores por entupimentos no sistema de
combustível, e teve que pousar em emergência no aeroporto de Fortaleza. O
abastecimento com combustível contaminado em São Luiz foi o motivo da
falha. A pane foi sanada, e a aeronave reabastecida com combustível
limpo, mas o Presidente preferiu pegar um avião comercial para continuar
a viagem.
O Presidente Arthur da Costa e Silva, que estava a bordo. |
O FAB 2100 ainda na Inglaterra, pouco após ser convertido em aeronave Presidencial |
Na manhã do dia 8 de dezembro de 1967, o então Presidente Arthur da
Costa e Silva embarcou em Brasília no já famigerado FAB 2100, tendo como
destino o Aeroporto Santos-Dumont, no Rio de Janeiro. Junto com o
Presidente, estavam o chefe do SNI, General Emílio Garrastazu Médici, o
General Jaime Portela, chefe da Casa Militar, o Chefe da Casa Civil
Rondon Pacheco, o Coronel Massa, subchefe da Casa Militar, o subchefe da
Casa Civil, José Assis Aragão, o chefe do cerimonial Marques Coimbra, o
Secretário de Imprensa Heráclito Sales, o Comandante Stalla,
responsável pela segurança dos voos presidenciais, o médico do
Presidente e alguns outros funcionários e funcionárias.
O então chefe do SNI, e futuro Presidente Emílio Médici, estava a bordo |
Por volta das 10:30 da manhã, já sobre o espaço aéreo do Rio de Janeiro,
o FAB 2100 recebeu instruções da Torre Rio para pousar na pista 02R do
Aeroporto Santos-Dumont, aproximando-se, portanto, do lado do morro Pão
de Açucar.
O comandante da aeronave, Capitão-Aviador Ariel, fez uma aproximação
baixa, para fazer o avião tocar logo no começo da curta pista do
aeroporto. Entretanto, por um erro de cálculo ou alguma rajada de vento,
as rodas do trem de pouso direito bateram nas pedras proeminentes do
quebra-mar que existe naquela cabeceira, ao lado da rua que dá acesso à
Escola Naval, na Ilha de Villegaignon.
Croqui publicado pelo O Globo, no dia 9 de dezembro |
Surpreendemente, não houve pânico a bordo. Embora ainda existisse o
risco de incêndio ou de explosão do avião, as coisas a bordo aconteceram
quase que em câmera lenta. O Presidente resolveu assumir a liderança do
salvamento e pediu que as senhoras desembarcassem primeiro. Alguém
abriu a porta traseira da aeronave, e foi por lá que os passageiros
desembarcaram.
Viscount FAB 2100 nos anos 60 |
O Presidente saiu calma e lentamente do local, apesar do risco ainda
existente. Mas, dezesseis minutos após o acidente, chegou ao Palácio das
Laranjeiras, cumpriu rapidamente a sua agenda e, demonstrando muita
preocupação, recolheu-se aos aposentos do palácio para se recuperar do
susto. A esposa do Presidente, D. Iolanda, que estava em Paris, recebeu a
notícia do acidente, e no mesmo dia, às 22:30, embarcou para o Rio,
chegando pela manhã do dia 9 de dezembro no aeroporto do Galeão.
O avião acidentado foi rapidamente removido do local, e lá pelas 11:30
da manhã, a pista já havia sido liberada. O pessoal da 3ª Zona Aérea,
baseados ali mesmo no aeroporto, começaram as investigações de imediato.
Como se trata de uma aeronave militar, o relatório final do acidente
jamais foi divulgado oficialmente, e permanece restrito nos arquivos da
FAB. A aproximação foi muito baixa, o que é normal e costumeiro no
Aeroporto Santos-Dumont, que tem uma pista muito curta, e qualquer
turbulência, comum àquela hora do dia num dia quente, poderia ter
baixado o avião o suficiente para que ele batesse o trem contra as
pedras proeminentes e pontiagudas do quebra-mar, feito para proteger a
pista da erosão das ondas. As pedras foram rebaixadas pouco depois, pela
FAB.
Aspecto atual do quebra-mar do aeroporto Santos-Dumont (foto: Google Street View) |
A aeronave azarada, no entanto, jamais voltou a voar. Depois de extensas
avaliações, o avião foi dado como irrecuperável e foi desmontado. Tinha
apenas 1.473 horas de voo. O Governo já tinha encomendado, no mesmo
ano, duas aeronaves presidenciais novas, a jato: os BAC One-Eleven. Com a
chegada dessas aeronaves, o Viscount sobrevivente, o FAB 2101, foi
transferido ao CAN - Correio Aéreo Nacional, e sobreviveu muito tempo na
FAB, graças inclusive às peças sobressalentes que foram aproveitadas da
sucata do FAB 2100. O FAB 2101 teve uma longa carreira, foi
reconfigurado como aeronave presidencial em 1971 e só foi aposentado em
1987, quando foi conduzido em voo ao Museu Aeroespacial, onde se
encontra até hoje, perfeitamente preservado.
Foto do acidente. Fonte: Jornal "O Globo". |
O Viscount acidentado (O Globo, 09/12/1967) |
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