A não ser que haja uma reviravolta no escândalo de espionagem
eletrônica protagonizado pelos Estados Unidos, a presidente Dilma
Rousseff está praticamente convencida a adiar para 2015 a compra de
novos caças à Força Aérea Brasileira (FAB), deixando o capítulo final da
novela em torno do projeto FX-2 para um eventual segundo mandato.
Segundo auxiliares diretos da presidente, a decisão já estava muito
perto de ser tomada, a favor da americana Boeing. Mesmo com as
manifestações de junho e com as dificuldades orçamentárias, Dilma ainda
estava disposta a fechar negócio para adquirir um lote inicial de 36
caças F-18 Super Hornet, avaliado em pelo menos US$ 5 bilhões. A
revelação de que ela teria sido alvo direto de espionagem pela Agência
Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos mudou completamente o
humor de Dilma, que já confidenciou a assessores sua intenção de não
assinar nenhum contrato nos próximos meses.
Nas palavras de um auxiliar, se o presidente Barack Obama “tivesse
entregado uma pasta com todas as escutas e emails interceptados” de
Dilma e da Petrobras, teria sido mantida a visita de Estado a Washington
e ainda havia possibilidades reais de levar adiante o negócio. Apenas
uma mudança radical de postura da Casa Branca seria capaz de reabrir
imediatamente a última fresta para um acordo com a Boeing, mas a chance
de avanços em 2014 é “zero” porque “não se anuncia compra de caças em
ano eleitoral”, segundo fontes do Palácio do Planalto. Com isso, a
decisão fica automaticamente para 2015, em um segundo mandato da petista
ou cabendo a quem lhe suceder.
O novo cenário do FX-2, no entanto, não inverte a balança para o lado
dos franceses. No governo Lula, a escolha dos caças Rafale chegou a ser
cantada pelo ex-presidente brasileiro, quando recebeu o colega francês
Nicolas Sarkozy no país, em 2009. De lá para cá, o favoritismo da
Dassault – fabricante do jato – se esvaiu, diante da proximidade cada
vez maior entre Boeing e Embraer.
O Palácio do Planalto recebeu relatos de que já houve um mal-estar
entre a francesa DCNS e a Marinha envolvendo a transferência de
tecnologia no contrato para a construção de quatro submarinos de
propulsão convencional. O contrato abrange também a parte não nuclear –
como o casco – do primeiro submarino nuclear brasileiro. A percepção de
problemas recentes desestimula a equipe presidencial a apostar em uma
nova parceria de longo prazo com a França, com os caças, numa encomenda
inicial de 36 jatos, mas que pode chegar a 124 unidades no longo prazo.
Dilma também recebeu a informação de que o governo indiano, após um
acordo para adquirir até 126 caças em um período de dez anos, enfrenta
dificuldades na absorção de tecnologia pela Dassault. Essa foi a
primeira venda dos caças Rafale a um país estrangeiro e a experiência da
Índia é acompanhada com atenção pelos assessores presidenciais.
Os caças suecos Gripen, terceira opção entre os finalistas do FX-2,
são vistos no Planalto como um “projeto” e ainda não convenceram o
entorno político de Dilma. Até agora, a ofensiva da fabricante Saab não
foi capaz de desfazer a percepção de que sua escolha seria uma espécie
de tiro no escuro, embora o próprio governo da Suécia já tenha
encomendado 60 unidades do Gripen NG (New Generation) – a Suíça adquiriu
outros 22 jatos. Os caças têm entrega a partir de 2018.
A Saab busca usar a seu favor o fato de que o caça ainda está em
desenvolvimento. Caso Dilma se decida pelo Gripen NG, a fabricante sueca
promete a produção de 80% da estrutura do avião no país. Também oferece
o financiamento integral para os equipamentos, de forma a aliviar o
orçamento da FAB, com o início do pagamento seis meses após a entrega da
última das 36 unidades – ou seja, daqui a cerca de 15 anos.
Um dos fatores citados no governo contra uma decisão imediata é a
falta de espaço fiscal para encomenda desse porte. O financiamento a
longo prazo resolve uma parte do problema, ao evitar desembolso da
Aeronáutica nos próximos anos, mas pode ter efeito no cálculo da dívida.
As manifestações populares de junho são apontadas por alguns
observadores como mais um complicador, que ajudaram no adiamento do
leilão do trem de alta velocidade Rio-São Paulo-Campinas. O Planalto,
entretanto, não aponta os protestos de rua como elemento-chave na
decisão de Dilma sobre os caças.
O novo adiamento cria um problema concreto para a proteção do espaço
aéreo: a FAB conseguiu prolongar a vida útil dos caças Mirage 2000 C/D
usados que comprou da França, em 2005, mas o ciclo operacional dos jatos
termina inevitavelmente no fim deste ano. Eles serão desativados, em
definitivo, e não há mais nenhum caça de interceptação disponível na
frota da Aeronáutica.
Para remediar o problema, a Embraer está modernizando e adaptando
caças F-5, usados tradicionalmente para defesa aérea e ataque ao solo.
Eles complementam, mas não eliminam a necessidade de compra dos novos
aviões, que são de múltiplo emprego e de geração superior.
Em 2005, após sepultar a primeira versão do projeto FX, o governo
Lula decidiu comprar um lote de 12 Mirage usados para não ficar
unicamente na dependência dos caças F-5. É esse o dilema que reaparece
agora, fazendo surgir novamente especulações em torno da compra de outro
lote de aviões usado, como solução “tampão” até o desfecho da
concorrência.
A compra dos novos caças se transformou numa novela que já dura mais
de 13 anos e atravessou governos de três presidentes diferentes.
Alegando que sua prioridade de gastos era com o Fome Zero, Lula
extinguiu o primeiro processo de disputa, batizado como FX. Na época, a
Dassault era favorita, oferecendo os caças Mirage 2000/BR. Corriam por
fora os russos da Sukhoi.
O sepultamento da primeira concorrência foi até bem vista pelos
militares, diante da constatação de que surgia uma nova geração de
caças. Isso permitiu, na reabertura da disputa em 2008, quando passou a
ser chamada de FX-2, a apresentação de propostas com aviões mais
modernos.
Dilma, assim que assumiu, desacelerou o processo de decisão e evitou
dar um desfecho nos dois primeiros anos de mandato. Nos últimos anos,
havia grande expectativa de que finalmente o martelo fosse batido. Em
agosto, durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e
Defesa Nacional do Senado, o comandante da FAB, tenente-brigadeiro
Juniti Saito, havia declarado que a decisão da presidente seria tomada
“em curto prazo”.
O ministro da Defesa, Celso Amorim, também vinha dando indicações de
que a escolha final estava prestes a ser feita. Depois do anúncio, ainda
há negociações até a assinatura do contrato.
Do: Valor Econômico via CAVOK
Nota: Aqueles que acham que a espionagem americana é bobagem eu lhes convido a um breve exercício de imaginação: O que nos aconteceria se fôssemos nós os bisbilhoteiros?
0 Comentários