A ideologia extremista do grupo Estado Islâmico (EI) atrai
simpatizantes nos meios radicais na Líbia, onde a cidade de Derna, no
Leste, transformada em “emirado islâmico”, se tornou um feudo dos
partidários do EI, segundo os especialistas.
Alguns
observadores ocidentais consideram já esta cidade de 150 mil habitantes,
histórica praça-forte dos radicais islâmicos no Leste líbio, como o
terceiro ramo do EI na África do Norte, depois dos grupos Jund
al-Khilafah, na Argélia, e Ansar Bayt al-Maqdis, no Egipto.
O
dirigente do EI, Abu Bakr al-Baghdadi, vangloriou-se recentemente num
registo radiofónico da expansão do “califado”, anunciando ter aceitado
os juramentos de fidelidade dos jihadistas da Líbia, do Egipto, do
Iémen, da Arábia Saudita e da Argélia. “O EI está em Derna. Isso está
bem documentado. Não há qualquer dúvida”, sublinhou o político líbio
Othman Ben Sassi.
O grupo “beneficia da ausência de autoridade do
Estado e de fronteiras porosas” num país caótico, onde dois parlamentos e
dois governos disputam o poder num clima de violência e derramamento de
sangue, lamenta este antigo membro do Conselho Nacional de Transição
(CNT), que foi o braço político da rebelião contra Khadafi.
Há
semanas que comunicados e fotos circulam em fóruns radicais sobre a
adesão dos “jihadistas da Líbia” ao EI. No entanto, esses documentos não
são subscritos por qualquer grupo e têm a vaga assinatura de “Estado
Islâmico, Wilayat Barqa” (província de Cirenaica, região leste).
Os
Estados Unidos expressaram recentemente a sua “inquietação” com base em
“informações segundo as quais facções extremistas violentas [na Líbia]
prometeram fidelidade ao EI e procuram associar-se a ele”, segundo o
porta-voz do Departamento de Estado, Jeffrey Rathke.
Desde a queda
do regime de Muammar Khadafi, em 2011, Derna e uma grande parte de
Bengasi, segunda cidade do país, estão nas mãos de grupos radicais, em
particular do Ansar Al-sharia, classificado como organização terrorista
pela ONU.
“Conflito ideológico”
Em Abril, um ramo do Ansar Al-sharia anunciou ter instaurado a justiça de acordo com a lei islâmica em Derna. Denominando-se “Majlis Choura [Conselho Consultivo] dos jovens do islão em Derna”, instaurou tribunais islâmicos e uma polícia religiosa.
Em Abril, um ramo do Ansar Al-sharia anunciou ter instaurado a justiça de acordo com a lei islâmica em Derna. Denominando-se “Majlis Choura [Conselho Consultivo] dos jovens do islão em Derna”, instaurou tribunais islâmicos e uma polícia religiosa.
Dezenas dos seus membros encapuçados e vestidos com uniformes militares desfilam regularmente em viaturas pick-up, armados de lança-rockets RPG
e metralhadoras, empunhando a bandeira preta e branca dos jihadistas. O
grupo divulgou em Agosto um vídeo da execução pública de um egípcio
acusado de assassínio, no estádio da cidade, a primeira vez que isso
aconteceu na Líbia.
Este grupo extremista não anunciou até agora
formalmente a sua fidelidade ao chefe do EI e analistas falam em
divisões nas suas fileiras. “Vários extremistas de Derna sentem-se
atraídos pelo EI. Mas a maior parte dos chefes jihadistas na Líbia são
antigos membros da Al-Qaeda e há um conflito ideológico entre os
partidários do EI e os da Al-Qaeda”, diz um especialista líbio, sob
anonimato.
A ONU classificou este mês o Ansar Al-sharia em Bengasi
e Derna como organizações terroristas devido aos seus laços com a
Al-Qaeda do Magrebe Islâmico (AQMI). “Esta decisão foi baseada em
informações fiáveis. Porque efectivamente o Ansar Al-sharia tem mais
ligações com a Al-Qaeda do que com qualquer outro grupo”, segundo o
especialista.
“Tendência errada”
Para Claudia Gazzini, analista do International Crisis Group para a Líbia, “facções de Derna prestaram juramento ao EI, mas ignora-se o seu peso e número” de membros. “Há uma tendência errada em associar automaticamente a criação de tribunais islâmicos e o assassínio de soldados a uma agenda do EI”, acrescenta a analista.
Para Claudia Gazzini, analista do International Crisis Group para a Líbia, “facções de Derna prestaram juramento ao EI, mas ignora-se o seu peso e número” de membros. “Há uma tendência errada em associar automaticamente a criação de tribunais islâmicos e o assassínio de soldados a uma agenda do EI”, acrescenta a analista.
De facto, Derna era já considerada
um “emirado islâmico” fora do controlo das frágeis autoridades líbias,
antes mesmo da proclamação do EI. Combatentes estrangeiros são ali
acolhidos regularmente desde 2011, designadamente para serem treinados
antes de serem enviados para o Iraque ou para a Síria.
“Há
grupúsculos em Derna que terão jurado fidelidade ao EI, em busca de uma
entidade capaz de unificar a comunidade de muçulmanos, de acordo com o
conceito de ‘governação islâmica’ e de ‘califado’”, explicou um
especialista em segurança e antigo responsável líbio.
“Mas as
diferenças ideológicas com outros grupos jihadistas e a guerra conduzida
pela coligação internacional fizeram com que esses grupúsculos tenham
optado até agora pela discrição ou partam simplesmente para combater no
Iraque e na Síria”, acrescenta este especialista, que pediu o anonimato
por razões de segurança.
No dia-a-dia, “a vida é normal em Derna”,
segundo um habitante da cidade. “Tu sais, vais fazer as tuas compras,
visitas os teus familiares, ninguém te incomoda. Mas se és da polícia,
do exército ou da magistratura, és morto", afirma.
Do Publico
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