A atual queda dos preços do petróleo, atribuída em boa parte ao gás de xisto, está inserida em um movimento mais amplo de início do fim do atual ciclo de alta das commodities, o qual incluiria ainda o minério de ferro, as commodities agrícolas e até o ouro? 
Em 2007, foi constituído nos Estados Unidos um empreendimento chamado “Energy Future Holdings”, destinado à compra no Texas de termelétricas a carvão. Seus controladores investiram US$ 8 bilhões do próprio bolso e fizeram dívida de outros US$ 37 bilhões na maior operação de compra alavancada da história dos EUA.
O banco de investimento Goldman Sachs e o investidor Warren Buffett (através da holding Berkshire Hathaway), entre outros nomes famosos, investiram no negócio, tendo somente Buffett emprestado US$ 2 bilhões à EFH. Em 29 de abril de 2014, a EFH entrou com pedido de falência na Justiça americana.
A causa da falência foi a queda dos preços do gás natural nos EUA, a partir de 2008, com a revolução do “shale gas” (em português, “gás de xisto”), o que tornou as termelétricas a carvão da EFH economicamente não rentáveis. Buffett recebeu US$ 837 milhões de juros da dívida e depois a revendeu por US$ 259 milhões em 2012, tendo tido prejuízo bruto de cerca de US$ 900 milhões.
Nem Warren Buffett, conhecido por apostar em bons negócios no longo prazo, previu o alcance da revolução, já em andamento em 2007, do gás (e petróleo) de xisto nos EUA, a qual fez o preço do gás para geração elétrica cair para menos da metade naquele país entre 2008 e 2014 e, mais recentemente, tem feito despencar os preços internacionais do petróleo. Segundo a Agência Internacional de Energia, os EUA já ultrapassaram Arábia Saudita e Rússia como primeiro produtor mundial de hidrocarbonetos.
Nova realidade
Há uma série de mudanças em curso no mundo diante dessa nova realidade. Primeiro, a queda dos preços do petróleo ameaça o desenvolvimento e a lucratividade de projetos de exploração de alto custo, como no Ártico e no pré-sal brasileiro.
Segundo, a redução do custo da energia nos EUA, em conjunto com o aumento do salário médio na China e outros países asiáticos com grande oferta de mão-de-obra barata nas duas últimas décadas, está provocando uma realocação da produção industrial com destino aos EUA, sobretudo de plantas intensivas em consumo de energia, como a produção de alumínio. Os países da UE, por sua vez, parecem não estar aproveitando essa tendência, por terem investido talvez demais em fontes limpas de energia cujo custo começa a se mostrar não competitivo.
Ainda em consequência da queda dos preços do petróleo, governos de países altamente dependentes da renda petrolífera, como Venezuela e Argélia, poderão ter problemas à frente na hora de fechar suas contas orçamentárias.
Por fim, há uma mudança geopolítica em curso, com os EUA cada vez menos dependentes do petróleo do Oriente Médio, o que tende a reduzir a importância da região no tabuleiro político internacional.
Quanto à redução da dependência europeia em relação ao gás russo, mesmo que os EUA comecem a exportar gás natural liquefeito (GNL) para a Europa, ainda se trata de uma questão em aberto, devido aos custos dessa operação e ao volume do excedente exportador americano no médio prazo.
Já a questão da reprodução do “boom” do gás de xisto em outros países, apesar de, do ponto de vista geológico, isso ser possível, na prática é uma tarefa com variáveis desafiadoras. Com a tecnologia existente hoje nos EUA, há reservas de gás de xisto em grande volume na China, Argentina, Argélia, Rússia, Canadá, Brasil e outros países.

Fenômeno a ser repetido?
Mas boa parte dos analistas considera a revolução do “shale” nos EUA não só um fenômeno geológico ou tecnológico, mas também institucional, pelas seguintes razões: a) existência de grande número de empresas de petróleo independentes de pequeno e médio porte, responsáveis por cerca da metade da produção total do país; b) abundância de água (o que não ocorre, por exemplo, na China); c) existência de uma indústria financeira capaz de bancar os riscos da exploração do gás de xisto; d) nos EUA, os recursos do subsolo pertencem aos proprietários da terra, diferentemente, por exemplo, do Brasil, onde pertencem à União; e) regime fiscal altamente flexível e atrativo.
Além disso, há nos EUA quase 6 milhões do poços de petróleo já perfurados, enquanto no Brasil não chegam a 30 mil. O subsolo americano, sobretudo nas áreas de maior ocorrência do gás de xisto (Dakota do Norte e Texas), já é ampla e detalhadamente conhecido, o que torna o sucesso exploratório do gás de xisto muito alto e compatível com o rápido declínio da produtividade média dos poços.
Some-se a isso uma extensa rede de gasodutos já implantada nos EUA, em contraste com, por exemplo, a reduzida rede do Brasil. Para se ter uma ideia do atual frenesi exploratório nos EUA, só em outubro último foram lá perfurados cerca de 9.500 poços, enquanto no Brasil, no ano de 2013, esse número foi de 140.
A comparação que fizemos foi com o Brasil, mas poderia ser com a Argentina, que possui ampla reserva de gás de xisto no campo de Vaca Muerta. Os investimentos necessários à viabilização do mesmo serão certamente muito maiores, em termos de capital inicial (Capex), para não falar dos custos operacionais (Opex), do que em Dakota do Norte e no Texas.
Daí a conta a fazer sobre a viabilidade do projeto tem que ser muito diferente da feita nos EUA, isso valendo também para as bacias do Solimões, do Amazonas e do Paraná, onde, no Brasil, estima-se haver significativo volume recuperável de gás de xisto.  
Para concluir, citamos um livro do investidor americano Jim Rogers entitulado “Hot Commodities”, no qual ele demonstra o caráter cíclico dos preços das commodities ao longo dos últimos 150 anos.
Os preços são determinados pela lei da oferta e procura, caindo e desestimulando novos investimentos quando há excesso de oferta e subindo e estimulando novos projetos quando a demanda sobe além da oferta. Esse processo tem gerado ciclos de aproximadamente 15 a 20 anos, tendo o mais recente ciclo de alta começado por volta de 1999.
Então, a pergunta que deixamos em aberto é a seguinte: a atual queda dos preços do petróleo, atribuída em boa parte ao gás de xisto, está inserida num movimento mais amplo de início do fim do atual ciclo de alta das commodities, o qual incluiria ainda o minério de ferro, as commodities agrícolas e até o ouro?

Por: Carlos Serapião Jr., especial para Gazeta Russa