Os consumidores norte-americanos não voltaram a ser tão optimistas
como eram antes da crise financeira, a Europa continua a registar as
taxas de crescimento mais baixas do mundo desenvolvido e o Japão
continua a sua batalha de mais de duas décadas contra a deflação. No
meio deste cenário sombrio, tem sido o forte crescimento dos mercados
emergentes e, em especial da China, que tem evitado nos últimos anos uma
recessão mundial. Mas agora, mesmo essa ajuda parece estar a
esgotar-se, dando ainda mais argumentos aos que avisam para um risco de
estagnação secular e forçando os responsáveis dos bancos centrais e dos
governos a ponderar, especialmente na Europa, uma reformulação da sua
resposta.
A deterioração de expectativas tem vindo a ser assumida
progressivamente pelas mais diversas instituições. Na semana passada, o
Fundo Monetário Internacional fez a sua segunda revisão em baixa das
previsões de crescimento mundial dos últimos seis meses, passado a
apontar para um crescimento de 3,1% em 2015 e 3,6% em 2016, menos 0,4
pontos do que acreditava no passado mês de Abril.
Estes números
aproximam-se perigosamente do nível (crescimento de 3%) que é
normalmente utilizado como fronteira para definir se o mundo está ou não
em recessão. E vários economistas avisam que as actuais previsões do
FMI são feitas num cenário central em que, não só os bancos centrais
mantêm as suas políticas expansionistas, como nos mercados emergentes a
estabilidade financeira acaba por ser assegurada.
Em vários pontos
do globo, o cenário é preocupante. Nos Estados Unidos, a explosão do
consumo que no passado tantas vezes serviu de motor para a economia
mundial, teima em não acontecer. É verdade que a economia
norte-americana está bem mais sólida do que por exemplo a europeia,
antecipando-se um crescimento de 2,6% este ano e 2,8%, mas, apesar de
sete anos de taxas de juro a zero e outros estímulos monetários, um
arranque definitivo da actividade económica não acontece e os riscos de
pressões deflacionistas mantém-se.
Na zona euro, a retoma é ainda mais lenta. Com níveis de desemprego
muito altos e uma taxa de inflação novamente em valores negativos, não
pode deixar de ser decepcionante a forma como a economia está a
conseguir aproveitar a conjuntura de taxas de juro nulas, compras de
activos pelo banco central em larga escala e queda dos preços do
petróleo. O FMI prevê um crescimento de 1,5% este ano e de 1,6% no
próximo.
Tanto nos Estados Unidos como na Europa, as previsões do FMI –
consideradas por alguns ainda como demasiado optimistas - apontam para a
manutenção de taxas de crescimento que ficam abaixo da variação do PIB
que se registava em média antes da crise.
Isto vem ao encontro dos
que argumentam que, na verdade, aquilo que está a acontecer à economia
mundial é bem mais do que uma dificuldade conjuntural em encontrar o
caminho para o crescimento. O que se passa mesmo é a entrada numa nova
era de crescimento lento.
O ex-secretário do Tesouro
norte-americano e professor em Harvard, Larry Summers, é o mais famoso
defensor da ideia de que a economia mundial está a passar por uma fase
de “estagnação secular”, um estado em que, perante a persistência de
taxas de juro reais e inflação baixas, os incentivos ao investimento são
demasiado fracos e a economia cai numa situação em que, de forma
permanente a procura fica aquém da oferta potencial. Uma situação
semelhante à que tem vivido o Japão nas últimas décadas, mas desta vez
vivida à escala mundial.
Se este cenário já era suficientemente
preocupante há alguns meses atrás, agora que se tornou ainda mais
evidente que os mercados emergentes estão a entrar muito rapidamente em
crise, o sentimento de urgência começa a instalar-se.
Os problemas
nos mercados emergentes surgem de várias frentes. Por um lado, este
ambiente de crescimento lento na Europa e nos Estados Unidos contribui
para que as exportações desses países não dêem o mesmo contributo que no
passado para o crescimento, um fenómeno que é agravado pela queda dos
preços das matérias primas, especialmente do petróleo.
Depois,
muitas economias emergentes sofrem de forma muito visível com a
apreciação do dólar face às suas divisas. É verdade que isso poderia
contribuir para uma maior competitividade das suas exportações, mas
perante a procura internacional adormecida, esse efeito é superado pelos
problemas vividos pelas empresas que se endividaram em dólares.
Por
fim, há a China. A maior das economias emergentes do planeta está a
enfrentar os limites da sua impressionante expansão. Entre os
investidores, está instalada a desconfiança em relação à existência de
bolhas especulativas nos mercados financeiros e imobiliários, algo que
os apoios do Estado não conseguem dissipar. E na economia, a passagem de
um modelo baseado no investimento público e nas exportações, para outro
sustentado numa procura interna saudável com muito investimento privado
está a revelar-se difícil de concretizar sem sobressaltos.
A
economia continua, de acordo com as autoridades estatísticas chinesas, a
crescer próximo da meta de 7% estabelecida por Pequim, mas as previsões
têm vindo a tornar-se cada vez mais pessimistas, algo que ainda afecta
mais o desempenho de outras economias emergentes, algumas delas, como o
Brasil, já em recessão profunda.
Larry Summers, o homem da
“estagnação secular”, vê aqui mais um motivo para estar pessimista.
“Isto aumenta o espectro de um ciclo vicioso global em que o crescimento
lento nos países industrializados afecta os mercados emergentes que
exportam capital, levando a que por sua vez o crescimento no Ocidente
abrande ainda mais”, escreveu recentemente num artigo de opinião, em que
avisava igualmente que “as economias industrializadas que estão a
crescer ligeiramente acima do nível de estagnação não podem dar-se ao
luxo de suportarem um choque global negativo”.
Este é contudo, o
problema que têm realmente pela frente. Com a economia chinesa a dar
sinais de esgotamento, a economia mundial prepara-se para perder a sua
última fonte de crescimento forte. Ou como escreveu Martin Wolf, na sua
última coluna no Financial Times, “o mundo ficou sem grandes economias
preparadas e disponíveis para deixar o crédito e o consumo explodirem.
Isto significa que a procura global pode ainda ser mais fraca durante os
próximos anos”.
Que resposta pode ser dada? Neste
momento, nos chamados países industrializados, a capacidade para
responder a um desafio desta magnitude parece ser limitada.
Ao
nível da política monetária, os instrumentos já estão a ser utilizados
no limite há já vários anos. A Reserva Federal, que tem vindo a preparar
o regresso das subidas das taxas de juro, ao fim de sete anos a zero,
decidiu no mês passado, voltar a adiar essa decisão, dando exactamente
como argumento os riscos e as incertezas trazidas pela instabilidade na
China. Mas esse adiamento não esconde o
facto de a Reserva Federal, tal como os outros bancos centrais, já não
ter muito espaço de manobra para actuar se lhe for exigida uma
intervenção em larga escala.
Na Europa, o problema é
semelhante. Em Março, o Banco Central Europeu decidiu começar a comprar
dívida pública no mercado secundário, uma injecção de liquidez na
economia que tenta contrariar o ambiente de crescimento moderado e
inflação muito baixa que se vive na Europa.
Com a conjuntura
novamente a deteriorar-se e a inflação a cair outra vez em terreno
negativo (afectada pelo preço do petróleo), aumenta a expectativa que o
BCE se veja forçado a prolongar ou aumentar o seu programa de compras de
activos. Há quem, como o economista Ashoka Mody, num artigo publicado
na Bloomberg, apele a que Mario Draghi, na reunião que realiza esta
quinta-feira em Malta, aproveite “a oportunidade de liderar em vez de
seguir, expandindo o seu programa de compra de obrigações”. Mas também
há quem, como próprio representante do banco central alemão no BCE,
considere que as actuais medidas já vão mais longe do que aquilo que é
suposto fazer um banco central. Perante
estes dois apelos, Mario Draghi deverá manter a sua declaração de que o
BCE está pronto para estender o seu programa, “caso seja necessário”.
Mas
será esta actuação suficiente? Para quem acredita, como Larry Summers,
que o Mundo enfrenta um problema de “estagnação secular”, a resposta tem
de ir muito mais além do que um fortalecimento de políticas monetárias
que já estão próximas do seu limite.
O que também é preciso,
afirma, são políticas de expansionismo orçamental, aquelas que antes
eram consideradas imprudentes mas que agora podem ser a solução para
evitar o agravamento de um período de crescimento lento e de deflação à
escala mundial. “As abordagens tradicionais de foco em finanças públicas
saudáveis, aumento do potencial da oferta e a fuga à inflação podem ser
um desastre”, escreveu, assinalando que, agora, que “aquilo que é visto
convencionalmente como imprudente, é o único caminho prudente que nos é
oferecido”.
Do Publico
2 Comentários
Acredito que deva ter mudado de domínio.