Esse texto não visa esgotar o tema, mas possibilitar ao leitor ter conhecimento das limitações da responsabilidade na engenharia.

Toda cidadão é sujeito à direitos e deveres, assumindo também a responsabilidade por seus atos em caso de danos.

Com os profissionais da Engenharia e Arquitetura não é diferente. O profissional ao exercer suas funções, assume o risco de sua atividade que deve ser exercida com a cautela técnica tanto para atender seus objetivos dentro do custo e tempo previstos assim como minimizar eventuais efeitos decorrentes de acidentes, erros, sub-dimensionamento, etc.
O exercício profissional nas áreas de Engenharia, Arquitetura e Agronomia é regulamentado pela Lei Federal 5194/66,possibilitando aos profissionais da área tecnológica, atuarem de maneira ordenada, consciente e responsável, com uma maior presença no processo econômico, político e social da sociedade brasileira.
Além disso, a atividade se sujeita a toda legislação, sendo que se destaca: a Constituição Federal; Código Civil, Código Penal, Lei 8.078/90 que institui o Código de Defesa do Consumidor; Lei 5.194/66 que regula o exercício das profissões de Engenheiro, Arquiteto e Engenheiro Agrônomo; Lei 6.496/77 que institui a Anotação de Responsabilidade Técnica na prestação de serviços de Engenharia, de Arquitetura e Agronomia, Decreto Lei 73/66 cujo art. 20 letra c) Dispõe sobre a obrigatoriedade do seguro de responsabilidade civil em obras urbanas; Decreto 61.867/67, que submete os órgãos da administração pública à exigência do Seguro de Responsabilidade Civil em obras urbanas.

A RESPONSABILIDADE

Dentre as diversas esferas de responsabilidade, destacam-se a responsabilidade cível, penal e funcional, senão vejamos:
A responsabilidade civil nasce da obrigação de reparar ou indenizar por eventuais danos causados no exercício da atividade. Decorre da responsabilidade pelos materiais aplicados, ou seja, pela escolha dos materiais a serem empregados na obra ou serviço, cuja competência é exclusiva do profissional, e da responsabilidade pela solidez e segurança da construção no qual o profissional responde durante cinco anos, a partir da formalização da data do término da obra. Daí a importância de ter um documento formal de entrega com data e aceite do cliente/usuário.
Para diminuir os riscos pelos materiais, tornou-se praxe executiva a especificação através do "Memorial Descritivo", determinando tipo, marca e dimensões, dentro dos critérios exigíveis de segurança, distribuindo a responsabilidade pelo fornecedor/fabricante que deve garantir as especificações técnicas dentro dos critérios de segurança.
Além disso, é possível a rejeição pelo profissional dos materiais que não atingem as especificações técnicas, a qualquer tempo, pois pode vir a fragilizar a segurança e solidez da obra.
Nesse caso, se a obra apresentar problemas de solidez e segurança , seja em decorrência de erros de projeto ou execução, aferida em de perícias, ficar constatado erro do profissional, este será responsabilizado, independente do prazo transcorrido, conforme jurisprudência existente.
Casos como o desabamento do edifício Palace II em 1998 e do metropolitano paulista em 2007, tomaram repercussão mundial, causando sério descrédito na atividade de construção, fazendo com que a sociedade passasse a exigir dos órgãos públicos, providências mais severas, em decorrência da perda de vidas nesses incidentes.
Nesses casos, o dever de indenizar os danos causados a terceiros, em virtude da vibração de estaqueamentos, fundações, quedas de materiais e outros. Os danos resultantes desses incidentes devem ser tanto pelo profissional quanto pelo proprietário da obra, podendo ser extensivo ao ao sub-empreiteiro, naquilo em que concorrer para o dano.
A Responsabilidade técnica decorre das atividades específicas dentro das várias modalidades das categorias da área tecnológica que realizam (projeto, execução, consultoria, peritagem, etc).
Instituída pela Lei 6496/77, a Anotação da Responsabilidade Técnica define as obrigações e identifica os responsáveis pelo empreendimento em cada área tecnológica. Com isso, o profissional fica vinculado à sua atuação, e a ausência da ART presume o exercício ilegal da profissão, se não houver participação de profissional habilitado ou a eventual irregularidade do profissional, sujeitando-se assim a autuação pelo Conselho.
A contratação de profissionais liberais pode ser concretizada verbalmente ou através de documentos, sendo o ideal o contrato firmado entre as partes para a execução de um determinado trabalho, sendo fixados os direitos e obrigações de cada uma, estabelecendo assim, a responsabilidade contratual.
O profissional ainda se sujeito à responsabilidade penal em decorrência de fatos considerados crimes na Lei como Crimes Contra a Incolumidade Pública e Crimes de Perigo Comum, cujas condutas tipificadas podem ser:
a) Incêndio – previsto no Art. 250 do CP - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: cuja pena de reclusão é de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa sendo que as penas aumentam-se de um terço: I - se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio; II - se o incêndio é: a) em casa habitada ou destinada a habitação; b) em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou de cultura; c) em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo; d) em estação ferroviária ou aeródromo; e) em estaleiro, fábrica ou oficina; f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável; g) em poço petrolífico ou galeria de mineração; h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta.
b) Explosão - previsto no Art. 251 do CP - Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos, cuja pena de reclusão é de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Se a substância utilizada não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos: a pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
c) Uso de Gás Tóxico ou Asfixiante - previsto no Art. 252 do CP - Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, usando de gás tóxico ou asfixiante, cuja pena de reclusão é de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
d) Fabrico, Fornecimento, Aquisição Posse ou Transporte de Explosivos ou Gás Tóxico, ou Asfixiante - previsto no Art. 253 do CP - Fabricar, fornecer, adquirir, possuir ou transportar, sem licença da autoridade, substância ou engenho explosivo, gás tóxico ou asfixiante, ou material destinado à sua fabricação, cuja pena de detenção é de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
e) Inundação - previsto no Art. 254 do CP - Causar inundação, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, cuja pena de reclusão é de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa, no caso de dolo, ou detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, no caso de culpa.
f) Perigo de Inundação - previsto no Art. 255 do CP - Remover, destruir ou inutilizar, em prédio próprio ou alheio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, obstáculo natural ou obra destinada a impedir inundação, cuja pena de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
h) Desabamento ou Desmoronamento - previsto no Art. 256 do CP - Causar desabamento ou desmoronamento, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, cuja pena de reclusão é de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
i) Subtração, Ocultação ou Inutilização de Material de Salvamento - previsto no Art. 257 do CP - Subtrair, ocultar ou inutilizar, por ocasião de incêndio, inundação, naufrágio, ou outro desastre ou calamidade, aparelho, material ou qualquer meio destinado a serviço de combate ao perigo, de socorro ou salvamento; ou impedir ou dificultar serviço de tal natureza, cuja pena de reclusão é de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa;
j) Difusão de Doença ou Praga - previsto no Art. 259 do CP- Difundir doença ou praga que possa causar dano a floresta, plantação ou animais de utilidade econômica, cuja pena de reclusão é de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
A responsabilidade administrativa resulta das restrições impostas pelos órgãos públicos, através do Código de Obras, Código de Água e Esgoto, Normas Técnicas, Regulamento Profissional, Plano Diretor e outros, sendo que essas normas legais impõem condições e criam responsabilidades ao profissional o qual deve zelar pelo cumprimento das leis específicas à sua atividade, sob pena inclusive, de suspensão do exercício profissional.
Em caso de faltas éticas que contrariam a conduta moral na execução da atividade profissional prevista na Lei, o profissional se sujeita à responsabilidade ética, nos termos do Código de Ética Profissional, estabelecido na Resolução nº 205, de 30/09/71, do CONFEA.
A responsabilidade trabalhista resulta das relações com os empregados e trabalhadores da obra ou empreendimento quando da contratação de empregados, feito pessoalmente ou através de seu representante ou representante de sua empresa.
A obrigação em indenizar não distingue o dano é patrimonial ou moral, principalmente com a evolução ao ordenamento jurídico com o advento da Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, X, tornando tranqüila e predominante o entendimento da tese de reparabilidade do dano moral ante a responsabilidade civil causada pelo ato ilícito cometido pelo profissional.
Ainda, o mais moderno entendimento jurisprudencial é justamente que não há necessidade de comprovação com o dano patrimonial, pois trata-se do direito a personalidade daquele que teve reputação atingida e maculada, assim como pelas conseqüências posteriores.
É uma relação de consumo, tutelada pela Lei nº 8078 de 11 de setembro de 1990, também conhecida como Código de Defesa do Consumidor, sendo os direitos do consumidor previstos no artigo 6º, em especial a proteção da vida e segurança contra riscos provocados pelas práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos e nocivos, devendo ser clara e adequada a informação sobre os produtos e serviços com a especificação de quantidades e características, bem como, os riscos que esses apresentem.
Assim, a responsabilidade objetiva, ou seja, sem que tenha havido culpa do agente consignada no parágrafo único do artigo 927 do atual Código Civil, que possui a seguinte redação: "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Também estabelecida pelo Código de Defesa do Consumidor nos artigos 12º e 14º é resultante das relações de consumo, envolvendo o fornecedor de produtos e de serviços (pessoa física e jurídica) e o consumidor, visando a garantia de proteção físico-psíquica ao consumidor, incluindo proteção à vida, ao meio ambiente e a proteção no aspecto econômico, detalhando quais são esses direitos e a forma como pretende viabilizar essa proteção.
A responsabilidade profissional está prevista através do Código de Defesa e Proteção ao Consumidor, pois coloca em questão a efetiva participação preventiva e consciente dos profissionais.
A Responsabilidade trabalhista resulta das relações com os empregados e trabalhadores que compreendem: direito ao trabalho, remuneração, férias, descanso semanal e indenizações, inclusive, aquelas resultantes de acidentes que prejudicam a integridade física do trabalhador. O profissional só assume esse tipo de responsabilidade quando contratar empregados, pessoalmente ou através de seu representante ou representante de sua empresa. Nas obras de serviços contratados por administração o profissional estará isento desta responsabilidade, desde que o proprietário assuma o encargo da contratação dos operários.

CONSEQUENCIAS DA RESPONSABILIDADE

As conseqüências dos danos podem extrapolar o dano material, sendo que o Código Civil no seu artigo 949 regulamenta a matéria dispondo que: “Art. 949 – No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”.
Assim sendo, estabelece-se o dano material consoante a facilidade de contabilização, o que não ocorre com o dano moral.
Alguns doutrinadores traduzem o Dano Moral atribuído à imagem como a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a aflição física ou moral, em geral uma dolorosa sensação provada pela pessoa, que tem sua auto-imagem atingida. E não atingem em si o patrimônio.
Essa ofensa a um bem imaterial, em geral, desprovidos de conteúdo econômico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro, contudo, perder a valoração do indivíduo por feri-lo em seu espírito ou na sua vontade.
Nos ensinamento de Arnoldo Wald, "Dano é a lesão sofrida por uma pessoa no seu patrimônio ou na sua integridade física, constituindo, pois, uma lesão causada a um bem jurídico, que pode ser material ou imaterial. O dano moral é o causado a alguém num dos seus direitos de personalidade, sendo possível à cumulação da responsabilidade pelo dano material e pelo dano moral" (Curso de Direito Civil Brasileiro, Editora Revista dos Tribunais, SP, 1989, p. 407).
Assim sendo, o montante indenizatório depende de critérios subjetivos do julgador, que, para determinar a dosagem da indenização analisará a conduta daquele que causou o dano, o liame causal do fato com o dano e sua extensão, possibilidade financeira do causador e condição da vítima, visando estabelecer não somente a reparação justa, mas uma sanção, sem caracterizar o enriquecimento ilícito da outra parte.
A súmula n º 37 do STJ que autoriza a cumulação de dano moral com o dano material, razão pela qual, a cumulação do dano patrimonial, estético com o dano moral tem sido acolhida pela jurisprudência, garantindo assim o direito da personalidade e à integridade física do indivíduo.
Na espera penal, se comprovadas as condutas, o agente estará sujeito à penas privativas de liberdade aplicadas em regimes de reclusão ou detenção.
A repercussão administrativa pode imputar ao profissional a advertência, suspensão ou perda do direito de exercer a profissão pelo Conselho de Classe, assim como a perda de cargo em caso de servidor público.

CONCLUSÃO
É imprescindível que o profissional conheça as limitações e repercussões dos atos, evitando danos e a responsabilização nas mais diversas esferas, que surge como fenômeno de contrapartida social aos atos praticados.
O domínio da técnica e tecnologia, conhecimento dos limites de bens, materiais e serviços aplicados nas mais diversas áreas tecnológicas, possibilita evitar a ocorrência do afastamento das prescrições estatuídas no Ordenamento Jurídico, possibilitando assim o cumprimento do objetivo social da atividade.
Portanto, é fundamental a observância às Normas Técnicas e à execução de orçamento prévio de projeto completo com especificação correta de qualidade e materiais, garantia contratual (contrato escrito) e legal (ART) e principalmente, que esteja atendo à evolução do direito e da tecnologia. 

Autor: Cláudio Millian
Advogado e Professor Universitário da Unifacs Salvador que ministra a matéria de Sociologia e Direito para o Curso de Engenharia