Em 1945, com o término da Segunda Guerra Mundial, muitos empresários
brasileiros resolveram investir no transporte aéreo, pois as estradas de
rodagem eram poucas e precárias e o transporte ferroviário já entrava
em franca decadência. Além disso, o fim da guerra liberou para o mercado
de aviões civis uma grande quantidade de aeronaves de transporte
militares excedentes, a preços extremamente baixos.
Convair 440 da REAL |
Um desses empresários era o paulista Vicente Mammana Neto, que
inicialmente, em 1943, tentou estabelecer a Cia. Santista de Aviação,
projeto que acabou não indo para frente. Dois anos depois, fez uma
parceria com o empresário Armando de Aguiar Campos e o comandante Linneu
Gomes, piloto comercial da antiga TACA (empresa brasileira que operou
de abril a maio de 1945, com uma única aeronave DC-3), e fundaram, em
dezembro de 1945, uma empresa denominada Redes Estaduais Aéreas
Limitada, cuja sigla era REAL, depois redenominada REAL - Transportes
Aéreos.
A REAL e suas coligadas operaram um total de 99 aeronaves Douglas DC-3 , C-47 e similares |
A empresa adquiriu três aeronaves Douglas C-47 (versão militar do DC-3)
usados, que receberam as matrículas PP-YPA, PP-YPB e PP-YPC, e inaugurou
sua primeira linha em 7 de fevereiro de 1946, entre os aeroportos de
Congonhas, em São Paulo, e Santos-Dumont, no Rio de Janeiro.
Aeronave Bristol 170 Wayfarer, operada por pouco tempo na REAL |
As linhas foram estendidas até Curitiba, ainda durante o primeiro
semestre de 1946, e a empresa oferecia três voos diretos na rota
Congonhas-Santos Dumont. Em 1947, passou a operar mais rotas, incluindo
destinos como Londrina e Foz do Iguaçu, no Paraná.
Anúncio do Bristol 170, de 1946 |
Ainda em 1946, a REAL comprou dois bimotores ingleses Bristol 170 Mk.
II Wayfarer, matriculados PP-YPD e PP-YPE. Uma terceira aeronave, que
deveria ser matriculada PP-YPF, acidentou-se antes da entrega e nunca
chegou a operar. Os Bristols foram usados na linha Curitiba - São Paulo -
Rio de Janeiro, e eram os aviões de maior capacidade de passageiros na
aviação comercial brasileira naquela época, com 36 lugares. Os aviões,
no entanto, nunca foram muito populares, eram barulhentos demais,
sofriam com infiltração de água da chuva e davam muitos problemas,
inclusive estruturais, o que forçou a sua retirada de serviço com pouco
mais de um ano de operação. Terminaram por ser desmontados e vendidos
como sucata.
Douglas C-47 da REAL operando em Curitiba, em 1946 |
Mais aeronaves Douglas C-47 foram adquiridas, e a frota aumentou para 10
aviões até o final de 1947. Em 1948, a REAL adquiriu o controle da
Linhas Aéreas Wright, mas não chegou a operar os dois Lockheed 18
Lodestar dessa empresa,. que foram vendidos para aquisição de mais C-47.
Ao invés disso, dobrou o número dos seus C-47, e a frota compreendia 20
aeronaves do tipo até 1950, incluindo as 4 aeronaves da Linha Aérea
Natal, comprada pela REAL em 1949.
Aeronave C-47 da REAL em Londrina, Paraná, pilotada pelo dono da empresa, Linneu Gomes |
A REAL fazia uma guerra tarifárias com as outras empresas, praticando
preços mais baixos, e, com certeza, pode ser considerada a primeira
empresa aérea low-cost/low-fare do Brasil, 20 anos antes desse conceito ser aplicado pela Southwest, nos Estados Unidos.
O C-47 da REAL foi o primeiro avião comercial a operar em Cascavel, no Paraná |
Em 1951, a REAL comprou também a empresa LATB - Transcontinental, mas
vendeu quase todas as aeronaves dessa empresa, exceto 4 C-47, que
aumentaram a frota para 24 aeronaves do tipo. Com a incorporação da
LATB, no entanto, a REAL expandiu fortemente suas linhas na região
Nordeste do país.
De fato, muitas empresas aéreas fundadas após a Segunda Guerra Mundial
revelaram-se deficitárias, e a REAL aproveitou-se desse fato, expandindo
tanto a frota quanto as rotas.
Concepção artística do Curtiss C-46 da REAL - Nacional |
Em 1951, a REAL adquiriu quatro aeronaves Curtiss C-46, de maior
capacidade que os C-47, matriculados PP-YQC, PP-YQD, PP-YQE e PP-YQI.
Esses aviões, entretanto, ficaram na empresa por pouco tempo, operando
até 1953. Com a aquisição da Aerovias e da Nacional, a REAL voltaria a
operar o tipo, algum tempo depois.
Curtiss C46 da REAL - Nacional, antes operado pela Itaú (foto: Jetsite) |
Em 1954, a REAL comprou a Aerovias Brasil, que continuou operando sob
bandeira própria, no entanto. A Aerovias também operava várias linhas
internacionais, incluindo uma linha para Miami, nos Estados Unidos,
usando aeronaves DC-3. com várias escalas. Tal viagem durava nada menos
que 48 horas de voo.
DC-3 da Aerovias, recuperado e exibido no Museu Aeroespacial |
Com a aquisição da Transportes Aéreos Nacional, em 1956, a REAL chegou à
sua maior expansão no mercado doméstico, e as três empresas, REAL,
Aerovias e Nacional, passaram a operar num consórcio denominado REAL
Aerovias Nacional, depois chamado de REAL Aerovias Brasil e REAL
Aerovias Brasília, numa homenagem à nova capital do país, então em
construção.
Hangar da Aerovias, adquirida pela REAL em 1954 |
O consórcio operava, em 1957, 117 aeronaves de diversos modelos, a
maior frota de uma empresa aérea brasileira até o momento, e era listada
como a sétima maior frota comercial do mundo naquela época, colocação
nunca mais atingida ou ultrapassada por nenhuma outra empresa aérea
brasileira. O número de aeronaves Douglas C-47/DC-3 operados, no total,
pelo consórcio, chegou a 99 aeronaves, sendo que 89 dessas chegaram a
operar simultaneamente, por volta de 1958.
Os Convair 340 da REAL na fábrica, prontos para entrega ao operador (foto: Jetsite e Revista Flap) |
Em 1954, a REAL encomendou o tipo de aeronave que viria a se tornar
emblemática nas suas linhas domésticas, os Convair 340. Confortáveis e
pressurizados, os seis Convair 340 foram adquiridos novos pela REAL, e
matriculados PP-YRA/B/C/D/E/F. Depois, chegaram mais 12 Convair 440
Metropolitan, alongados e modernizados em relação ao modelo 340. Os
remanescentes dessa frota operaram até o fim da REAL, em 1961, e foram
vendidos pela Varig, que permaneceu usando somente seus próprios, e mais
antigos, Convair 240.
Convair e outros aviões da REAL, em Congonhas |
Quatro Douglas DC-4 (C-54) foram incorporados à frota do consórcio a
partir de 1954, todos vindos da frota da Aerovias Brasil, matriculados
PP-AXQ, PP-AXR, PP-AXS e PP-YRO. Com exceção do PP-AXS, acidentado em
novembro de 1957, os demais foram vendidos para o Lóide Aéreo, e
posteriormente voaram muito tempo na VASP.
Douglas DC-4 da REAL, originalmente comprado pela Aerovias |
Entre 1954 e 1955, a REAL passou a formar seus pilotos, utilizando uma
aeronae Fairchild PT-19, o PP-GFH, quatro aeronaves Vultee BT-15, os PP-
GOK, PP-GOL, PP-GOM e PP-GON, e um North American T-6, o PP-GOV. Essas
aeronaves foram complementadas em 1959 por dois bimotores Rockwell
Aerocommander 560 e 680, o PP-YQT e o PP-YQU.
Plastimodelo de um dos Vultee BT-15 da REAL, onde eram usados para treinamento de pilotos |
O grande impulso da REAL nas linhas internacionais viria com a aquisição
de quatro Lockheed L1049H Super Constellation, que foram entregues
entre fevereiro e março de 1958. Esses quatro aviões, matriculados
PP-YSA, PP-YSB, PP-YSC e PP-YSD, passaram a operar linhas que iam de
Buenos Aires até Miami, com várias escalas no Brasil e em outros países.
Em julho de 1960, estabeleceram uma linha que chegava até Tóquio, no
Japão, passando por Manaus, Bogotá, Los Angeles, Honolulu e Wake. A REAL
foi a primeira empresa brasileira a operar para o Japão.
Lockheed Super Constellation da REAL |
No tempo da operação dos Constellations, a REAL pintou em destaque, nas
pontas das asas e nos anúncios, a expressão "Super H", para induzir o
público a pensar que esses aviões eram mais modernos que os
Constellation "Super G" da Varig, embora na prática fossem praticamente
idênticos em termos de conforto e desempenho, pois o modelo L1049H tinha
apenas uma porta de carga e um piso reforçado, em relação ao modelo G.
Foi a chamada "Guerra das Letras", e a Varig usou um subterfúgio, ao
escrever a palavra "Intercontinental" na ponta das asas dos seus L1049G,
com a letra "I" em destaque, induzindo o público a pensar que era um
modelo "I", mais moderno que o "H", embora o modelo "I" jamais tivesse
existido.
Um dos quatro Constellation da REAL |
Por volta de 1960, os balanços da REAL apresentavam, no entanto,
constantes prejuízos. Os planos de expansão da frota, no entanto,
continuavam. A REAL havia encomendado quatro aeronaves Convair 880 a
jato, cuja entrega seria feita no começo de 1963. A encomenda foi
convertida para o modelo 990, e seriam os primeiros jatos da REAL. Para
eles, já estavam reservadas as matrículas PP-YSE, PP-YSF, PP-YSG e
PP-YSH. A REAL foi vendida para a Varig antes da entrega dessas
aeronaves, e a Varig tentou a todo custo cancelar essas encomendas, mas,
por força de contrato, teve que receber três delas, que acabaram
recebendo as matrículas PP-VJE, PP-VJF e PP-VJG.
Dois Convair da REAL em Congonhas: eram aeronaves confortáveis e pressurizadas, muito populares entre os passageiros (foto: Helmut Dierkes) |
O mesmo aconteceu com três aeronaves turboélice Lockheed Electra, que
foram comprados pela REAL da American Airlines, e receberiam as
matrículas PP-YJF, PP-YJG e PP-YJH. A Varig recebeu esses aviões muito a
contragosto, com as matrículas renomeadas, respectivamente, para
PP-VJN, PP-VJL e PP-VJM. Os Electras, ao contrário dos Convair 990, no
entanto, fizeram muito sucesso na Varig e foram complementados por
vários outros, que serviram até 1992, na Ponte Aérea Rio-São Paulo.
A REAL chegou a promover os jatos Convair 990, que acabaram sendo recebidos pela VARIG |
Graves acidentes em 1960 prejudicaram ainda mais a situação da empresa,
que já estava operando com prejuízo. Entre 1957 e 1961, a REAL sofreu
sete acidentes graves, com a perda de 99 vidas, entre tripulantes e
passageiros, mas, mesmo assim, a REAL adquiriu cinco aeronaves Douglas
DC-6B, que levariam as matrículas PP-YSI, PP-YSL, PP-YSM e PP-YSN, em
1961. Os dois últimos foram cancelados, mas os outros três foram
recebidos e operaram por pouco tempo na REAL, sendo depois passados para
a Varig quando essa empresa assumiu o controle da REAL, em agosto de
1961.
Anúncio da venda de metade da Aerovias para a Varig, em maio de 1961. Pouco tempo depois, em agosto, a Varig assumiria todo o consórcio e a REAL desapareceria dos céus brasileiros |
O Departamento de Aviação Civil - DAC, detectou os problemas da REAL,
que incluíam, além da questão financeira, o estado de saúde ruim do
comandante Linneu Gomes, que então controlava a empresa, e a
concorrência predatória com as outras companhias. O então Presidente da
República, Jânio Quadros, tão logo assumiu, recomendou uma
"racionalização" das linhas, especialmente as internacionais, e, em 2 de
maio de 1961 a Varig assumiu 50 por cento do capital da Aerovias Brasil
de Linneu Gomes. Em agosto, a Varig acabou comprando todo o Consórcio,
que assim chegou ao fim, após apenas 15 anos de operação. Em más
condições de saúde, Linneu Gomes logo morreria também.
Os Douglas DC-6B foram os últimos aviões adquiridos e entregues à REAL, em 1961 |
A REAL operava com tarifas competitivas e foi a primeira empresa a
operar em Brasília, três anos antes da inauguração da cidade. Jamais
operou aeronaves turboélice ou a jato, somente aviões com motores a
pistão. No entanto, foi a primeira empresa aérea a operar em muitos
aeroportos brasileiros, sendo que alguns desses, atualmente, não são
mais atendidos pela aviação comercial. Em 1960, era a maior empresa
aérea brasileira e dominava mais de 30 por cento do mercado, mas
desapareceu subitamente apenas um ano depois.
Propaganda dos Super Constellation da REAL |
Convair 440 da REAL (foto: Jetsite) |
Fonte: Cultura Aeronáutica
2 Comentários
Precisamos de mais empreendedores patriotas e destemidos como esses da década de 40 !
É chamo Ricardo de BARCELLOS, sou brasileiro et francês e moro atualmente em Montpellier, cidade du sul da França.
Meu pai trabalhou na Real nos anos 50, como Comissário de Bordo, eu nem sei se era nascido nessa época.
Gostaria de perguntar-lhe se existem registros e fotos dos empregados da Real porquanto gostaria de obter uma cópia, desde que Mon pai apareça nela.
Fiquei muito impressionado com todas as informações que o Senhor reuniu, especialmente pelas fotos.
Eu não sabia que a Real foi considerada a maior empresa aérea do Brasil, e de como as coisas aconteceram...
Eis o meu telefone: 0033606660589
Meu endereco: 14, Rue du Refuge 34000 Montpellier França
Peço lhe à amabilidade de não fornecer estas coordenadas à autras pessoas.
Cordialmente,
Ricardo de BARCELLOS