Concepção artística do Mirischia assymetrica, dinossauro com 50 cm de altura que vivia no Nordeste
Os dinossauros que viveram no Nordeste brasileiro há cerca de 120
milhões de anos provavelmente eram penosos, assim como seus primos mais
famosos da China e da Europa. O resultado vem da primeira análise
detalhada de penas fossilizadas da chapada do Araripe, mais importante
jazida de criaturas da Era dos Dinos no país.
Os fósseis estudados pela equipe do Instituto de Geociências da USP só
chegaram às mãos dos cientistas após uma apreensão feita pela Polícia
Federal –tudo indica que seriam comercializados no exterior, e um deles
chegou a ser retocado para ganhar uma aparência mais atraente para
colecionadores.
Com isso, não foi possível estabelecer detalhadamente o contexto de sua
origem, mas as características das rochas nas quais as antigas penas
estão preservadas são suficientes para estimar que elas vêm do Araripe e
têm cerca de 120 milhões de anos.
Gustavo Prado, Luiz Eduardo Anelli e outros colegas acabam de publicar a
análise de três penas fossilizadas na revista científica de acesso
livre "PeerJ". "É muito provável que essas penas pertencessem a
dinossauros não avianos, embora também exista a possibilidade de que
elas pertencessem a aves", disse Prado à Folha.
O uso do termo "não avianos" é indispensável porque o consenso entre
paleontólogos e biólogos é que as aves modernas não passam de um
subgrupo dos terópodes, nome dado a dinos bípedes e carnívoros como o
tiranossauro e o velociraptor.
Duas das penas estudadas são "plumuláceas" –grosso modo, semelhantes à
penugem "fofinha" de pintinhos. Sua morfologia mais primitiva fortalece a
possibilidade de que elas tenham vindo de dinossauros não avianos. O
outro exemplar é o que os especialistas chamam de pena "penácea" –mais
rígida e comum em aves adultas modernas, embora dinossauros extintos
também as tivessem.
As três penas têm alguns milímetros. "Se elas forem proporcionais ao
tamanho dos animais, seriam bichos pequenos também", diz Prado –mais ou
menos do tamanho de uma galinha doméstica. Sabe-se que dinos de porte
modesto, como o Mirischia assymetrica (com 50 cm de altura) viveram na região.
CADÊ O DONO DAS PENAS?
O principal mistério que ainda ronda as penas fossilizadas da chapada do
Araripe é por que cargas d'água elas ainda não foram encontradas junto
com o resto dos dinossauros (e aves) que as portavam.
A exceção que
comprova a regra é a Cratoavis cearensis, avezinha do tamanho de
um beija-flor. A descrição formal da espécie foi publicada em 2015 –ela
tinha um par de penas desproporcionalmente longas na cauda.
"É estranho mesmo, mas o mais provável é que tenha acontecido algum tipo
de preservação diferencial", diz Prado. Um elemento que talvez seja
crucial é a diferença entre as duas camadas de rochas mais importantes
da região, conhecidas como membro Crato (de onde parecem ter vindo as
penas, com idade estimada de 120 milhões de anos) e membro Romualdo
(mais recente, com uns 110 milhões de anos).
Tanto o membro Crato quanto o membro Romualdo abrigam fósseis com
tecidos moles (ou seja, que não são apenas ossos) preservados.
Mas a
camada mais antiga parece corresponder a um ambiente mais tranquilo e
profundo de um lago, o que explicaria a excepcional qualidade de seus
fósseis: eles teriam afundado rapidamente, impedindo boa parte da
decomposição.
Os restos de animais do membro Romualdo, por outro lado,
teriam sido transportados por mais tempo até chegar ao seu derradeiro
repouso, o que teria levado à perda das penas.
Isso faz sentido quando se considera que os dinossauros, que são
espécies terrestres, até hoje foram achados só no membro Romualdo,
enquanto o membro Crato tem animais aquáticos ou animais alados, que
poderiam ter caído no meio do lago e afundado rapidamente. As penas
isoladas teriam sido levadas pelo vento para a parte mais funda do corpo
d'água, segundo alguns paleontólogos.
Enquanto um dino devidamente emplumado não aparece no registro fóssil do
Araripe, os pesquisadores estão se concentrando na análise da estrutura
microscópica das penas. Outros estudos já mostraram que é possível
reconstruir com razoável grau de certeza a coloração da plumagem que os
bichos tinham em vida, com base na preservação de estruturas como os
melanossomas (reservatórios de pigmento das células).
Fonte: Folha de São Paulo
0 Comentários