A Ucrânia desmente estudo que aponta país como possível origem dos
motores de mísseis intercontinentais da Coreia do Norte e vê digitais da
Rússia na denúncia. Objetivo: desviar atenção de "possível fornecimento
próprio".
Quem falar com Vitaly Sushevsky sobre as acusações contra seu antigo
empregador será logo interrompido. "É uma mentira", responde o antigo
vice-chefe de produção de motores da empresa Pivdenmash (anteriormente
Yuzhmash), que na era soviética fabricou foguetes na cidade ucraniana de
Dnipro.
Nesta última segunda-feira (14/08), o jornal The New York Times
noticiou que o inesperado avanço do programa de mísseis da Coreia do
Norte poderia ter ligação com a Pivdenmash. Segundo o diário, a empresa
estaria financeiramente abalada. Por esse motivo, criminosos e
ex-funcionários poderiam ter contrabandeado antigos motores de foguetes
soviéticos ou componentes deles para a Coreia do Norte.
O New York Times se baseou num estudo do especialista em foguetes
Michael Elleman, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos
(IISS), de Londres, como também em avaliações de serviços de
inteligência americanos. O diário não ofereceu provas, somente indícios.
Salto tecnológico
Elleman analisou fotos de novos foguetes de médio alcance e mísseis
balísticos norte-coreanos dos tipos Hwasong 12 e 14, que teriam
potencial para atingir os EUA. Sua conclusão: o seu rápido
desenvolvimento nos últimos dois anos teria sido possível somente por
meio de fornecimentos do exterior. O especialista em foguetes Robert
Schmucker, da Universidade Técnica de Munique, também compartilha dessa
opinião, mas evita fazer acusações.
Segundo os especialistas, o motor de câmara única utilizado nos novos
mísseis Hwasong lembra o modelo soviético RD 250, que, porém, tinha duas
câmaras e foi desenvolvido na década de 1960 pela empresa Energomash,
perto de Moscou. É difícil de comprovar se o RD-250 também foi produzido
pela Pivdenmash. Suschevsky afirmou ter recebido tais motores da
Rússia, onde "foram produzidos em pequenas quantidades".
A imprensa ucraniana confirma o que Elleman sugeriu: que na Ucrânia
também teria havido produção. Em seu estudo para o IISS, o especialista
escreveu que, tanto na Rússia quanto na Ucrânia, teriam sobrado centenas
de motores do tipo RD 250, "se não mais". Assim, Moscou também poderia
ser um possível fornecedor para Pyongyang.
"Nós nunca produzimos motores como aqueles mostrados no New York
Times", afirmou Sushevsky, que trabalhou quase meio século na
Pvidenmash. O engenheiro aposentado confirmou que, após o fim da
cooperação com Moscou, provocada pela anexação da Crimeia, a fábrica de
foguetes em Dnipro estaria "praticamente morta". Ainda assim, um
contrabando da tecnologia para a Coreia do Norte seria algo impensável.
Tanto o governo em Kiev quanto a Pvidenmash desmentiram a reportagem do
New York Times. Elleman disse que o governo ucraniano pode não ter
sabido sobre o possível contrabando.
Casos do passado
Esta é a primeira vez que o ex-produtor de mísseis intercontinentais
soviéticos do tipo SS 18 é suspeito de violar as sanções da ONU e outros
acordos internacionais. No entanto, há anos que Pyongyang demonstra
interesse pelo know-how ucraniano: em 2012, dois norte-coreanos foram
condenados na Ucrânia por espionagem na Pivdenmash.
Em 2002 houve relatos de imprensa de que a Ucrânia pretendia fornecer
instalações modernas de radar ao Iraque. Kiev desmentiu, e tais
instalações nunca foram encontradas no Iraque. Mas também houve casos
comprovados de contrabandos de armas. Em 2005, o então procurador-geral
admitiu que um grupo de ucranianos e russos teria vendido, em 2001, 18
mísseis de cruzeiro do tipo AS 15 (X 55) para China e Irã.
Oleg Uruski, ex-chefe da Agência Espacial da Ucrânia, disse acreditar
ser improvável que o atual caso possa transcorrer da mesma forma.
Segundo ele, o Estado teria um sistema de controle multinível. Mas
Uruski não descartou uma ação criminosa. "Um crime é possível em todas
as esferas."
Ucrânia aponta para Moscou
Em Kiev, observadores acreditam que o artigo do New York Times faria
possivelmente parte de uma campanha direcionada da Rússia. Nesta
terça-feira, o Centro de Estudos Militares escreveu numa análise que a
publicação americana portaria "sinais de ataque de informação contra a
Ucrânia", cujo objetivo seria, entre outros, desviar a atenção de
possíveis "fornecimentos próprios de tecnologia de mísseis para a Coreia
do Norte" e desacreditar a Ucrânia - principalmente aos olhos dos EUA.
"A Rússia tem uma fronteira comum com a Coreia do Norte, assim pode-se
fornecer de tudo, também motores inteiros", afirmou o vice-diretor do
centro de estudos, Mykhailo Samus, acrescentando que a Ucrânia teria
dificuldades logísticas para fazer o mesmo.
Schmucker disse que se trata mais do que apenas motores. "E os mísseis?
Somente deter informações não bastam. São necessárias unidades de
produção, equipamentos técnicos e, sobretudo, uma boa garantia de
qualidade", explicou o especialista alemão. "Assim teria que ter vindo
muito mais da Ucrânia do que somente alguns motores."
Do Terra
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