A ONU afirmou desejar que o Brasil envie 750 militares para uma
missão de paz na República Centro-Africana até maio. Um dos motivos para
essa urgência é tentar frear uma onda de assassinatos praticados contra
a população civil por milícias armadas no país.
Uma missão de reconhecimento de terreno formada por dez militares brasileiros parte neste domingo (21) para o país africano.
O convite para a participação na Minusca (Missão Multidimensional
Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República
Centro-Africana) foi feito pela ONU ao Brasil em novembro de 2017.
Porém, até agora o governo não deu resposta formal à instituição sobre a
participação brasileira.
Se aprovada, a nova missão de paz do
Brasil pode ter uma dimensão comparável à do Haiti, na qual mais de 35
mil militares brasileiros se revezaram em uma operação de grandes
proporções entre os anos de 2004 e 2017.
O Departamento de Missões de Paz afirmou ao UOL em entrevista por
e-mail que a experiência obtida pelo Brasil durante anos de missão de
paz no Haiti contribuiu para a escolha do país para participar da
operação na República Centro-Africana.
O núcleo disse ainda esperar que as tropas brasileiras sejam enviadas o mais rápido possível ao continente africano.
Além da preocupação com os ataques de rebeldes à população civil, há
outro motivo para o prazo ideal ser antes do mês de maio. Segundo a ONU,
as tropas devem chegar ao seu destino "antes do início da época das
chuvas, quando aumentam os desafios logísticos para enviar equipamento
pesado à região".
A missão de paz deve acontecer em ambiente de
selva, no interior da República Centro-Africana. As chuvas que caem de
forma abundante no país entre maio e setembro acabam provocando o
fechamento de estradas e cortando a comunicação por terra de diversas
cidades com a capital Bangui. E não é viável levar os equipamentos mais
pesados de avião.
Missão precisa de autorização de Temer e do Congresso
A proposta de envio dos militares brasileiros para uma nova missão de
paz vem sendo defendida publicamente pelo Ministro da Defesa Raul
Jungmann desde a cerimônia de encerramento da missão de paz do Haiti
realizada em outubro, no Rio de Janeiro.
A ideia foi discutida
com o Itamaraty e com membros do Executivo. Oficialmente, assessores de
Temer dizem que ele ainda não tomou uma decisão final. Mas além do aval
dele, a proposta ainda terá que passar pelo Congresso brasileiro.
A ONU havia pedido uma resposta formal do Brasil até 15 de dezembro de
2017, mas ela não foi dada. Na semana passada, porém, o presidente da
Câmara, Rodrigo Maia, se encontrou com o secretário-geral da
ONU, António Guterres, em Nova York e disse que o pedido de tropas deve
ser aprovado logo no Congresso.
Militares ouvidos
pelo UOL disseram que não é possível dizer como a discussão política
deve evoluir. Mas se a missão for aprovada, em teoria, seria possível
chegar à República Centro-Africana em abril, antes das chuvas e dentro
do prazo estipulado pela ONU.
Preparação das Forças Armadas já começou
Mesmo sem uma resposta política, as Forças Armadas já vêm se preparando
para a missão desde o ano passado. Segundo militares que falaram
anonimamente ao UOL, não haveria tempo suficiente para planejar a
operação toda se o trabalho fosse iniciado somente após o resultado da
votação no Congresso brasileiro.
Oficiais graduados - alguns
deles veteranos de missões de paz da ONU - já estiveram na República
Centro-Africana para levantar informações sobre a situação do país em
diversas ocasiões no ano passado.
Neste domingo, um novo grupo
de dez militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica parte para a
República Centro-Africana em outra missão de reconhecimento, segundo
portaria publicada no Diário Oficial da União. O objetivo é participar
de reconhecimento na capital Bangui e também na cidade de Bambari – a
possível sede do batalhão brasileiro, caso a missão seja aprovada.
Também serão pesquisadas localidades adjacentes a essas cidades, onde as tropas podem ter que operar.
Além das missões de reconhecimento, já estariam acontecendo também
treinamento de tropas e o planejamento da logística necessária para a
viagem dos 750 militares.
Oficiais ouvidos pela reportagem
afirmaram que chegar na República Centro-Africana será um grande desafio
logístico. Isso porque o país não tem saída para o mar – diferente do
que ocorria no Haiti.
Assim, será necessário levar equipamentos
como geradores de energia, caminhões, maquinário pesado e blindados de
navio até uma nação vizinha, como Camarões. De lá, será preciso seguir
por terra até a capital Bangui e depois até o interior do país pelas
precárias estradas de terra da República Centro-Africana.
Já os militares e armamentos poderiam seguir de avião até seu destino final.
Conflitos e mortes por poder e religião
"A República Centro-Africana está em uma encruzilhada no momento atual", afirmou a ONU ao UOL.
"A autorização do aumento do número de tropas da Minusca pelo Conselho
de Segurança na resolução 2397 (2017) é um reconhecimento da situação
terrível de segurança, que coloca em risco melhorias no país que vêm
sendo conquistadas a muito custo", disse o Departamento de Missões de
Paz.
Refugiados e membros de minorias étnicas estão sendo mortos
de forma constante em conflitos travados entre ao menos 14 diferentes
grupos rebeldes que operam no país.
Fontes militares ligadas à
preparação da missão disseram ao UOL que esses grupos lutam entre si
pelo domínio de regiões ricas em recursos naturais, como diamantes,
ouro, petróleo e urânio.
Embora o conflito seja baseado
principalmente na luta pelo poder local, há também componentes
religiosos. Grupos muçulmanos denominados genericamente ex-Seleka estão
em conflito constante com cristãos conhecidos como Anti-Balaka.
Ambos os grupos são acusados de atacar populações civis ligadas aos
rivais. Relatórios recentes da ONU descrevem massacres promovidos em
pequenas vilas e campos de refugiados.
Na tentativa de defender essas pessoas, as forças da ONU frequentemente entram em confronto com as milícias.
Brasileiros seriam "conselheiros" em missão
A missão Minusca existe desde 2014, é composta por cerca de 10 mil
soldados - a maioria deles de nações africanas - e, apesar da pressa da
ONU em contar com uma equipe de brasileiros, eles não serão responsáveis
por comandar a operação, ao menos inicialmente.
Segundo fontes
das Forças Armadas, a ideia da ONU é que os comandantes brasileiros
transmitam aos colegas de outras nacionalidades a experiência obtida no
Haiti, missão considerada pela comunidade internacional como um sucesso
militar.
Além de missões de combate, as tropas seriam utilizadas também na proteção de estruturas da ONU e em assistência humanitária.
Na Minusca, o idioma oficial é o francês, pois a República
Centro-Africana é uma ex-colônia da França – no país, o idioma
predominante é o sango, que tem origem em dialetos do continente
africano.
A língua, porém, não deverá ser problema para os
brasileiros. No Haiti, o francês também era o idioma oficial, mas as
barreiras de comunicação foram superadas. Além disso, os militares do
Brasil poderão falar em português com um contingente de cerca de 150
soldados de Portugal, que já participa da missão.
Custo da missão ainda é desconhecido
Ainda não está claro qual será o custo total de uma ação na República
Centro-Africana, mas este é um dos pontos que devem pesar na aprovação
ou não da participação brasileira na missão Minusca.
A longo
prazo, a ONU reembolsará uma parte dos recursos investidos pelo Brasil,
mas isso pode levar alguns anos. Os custos iniciais de transporte de
navio e de avião dos militares e de seus equipamentos também serão pagos
pelas Nações Unidas.
Mesmo assim, Brasília terá que fazer um
investimento inicial de recursos, ao menos para comprar equipamentos
militares específicos que serão necessários na missão e o Brasil não
possui.
Em 13 anos no Haiti, foram gastos R$ 2,5 bilhões, dos
quais quase 1 bilhão já voltou para os cofres brasileiros. A diferença
entre os valores se explica em parte porque o Brasil decidiu investir
além dos padrões mínimos exigidos pelas Nações Unidas. O objetivo era
dar equipamentos melhores para as tropas em missão no exterior,
mas custos adicionais também ocorreram por falta de experiência com
procedimentos da ONU.
Críticos da ideia dizem que os custos de
uma nova missão seriam excessivos e que o risco de militares serem
mortos é muito alto.
Já os defensores da missão dizem que, além
do socorro humanitário a uma nação em dificuldades e o treinamento de
tropas brasileiras em situação de combate, a missão na República Centro
Africana traria prestígio político e influência internacional.
*Colaborou Luciana Amaral, do UOL em Brasília
Do UOL
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