A implosão dos mercados está produzindo anomalias de preço em diversos setores.

Desde o início da crise do coronavírus, que empurrou as empresas aéreas para a beira do abismo, a ação da Embraer já caiu mais de 40%.

O bizarro: agora, o valor de mercado da empresa (US$ 1,6 bilhão) é quase igual ao dividendo que será pago aos acionistas da Embraer após a conclusão da venda para a Boeing.

Mais: o enterprise value (valor da firma, que soma o valor do equity e da dívida) da Embraer ‘pós-deal’ está negativo em US$ 1,35 bilhão.

A conta que os gestores estão fazendo é a seguinte.

No ano passado, a Embraer vendeu 80% de seu negócio de aviação comercial para a Boeing por US$ 4,2 bilhões — um negócio que ainda depende da aprovação da Comissão Europeia. Do total, a Embraer ficaria com cerca de US$ 3 bilhões, já que US$ 900 mi serão pagos em imposto de renda e US$ 300 mi serão custos para a integração das duas operações.

“Tirando o dividendo de US$ 1,3 bi e os US$ 850 milhões da dívida bruta que serão transferidos para o balanço da Boeing, sobrariam US$ 850 milhões no caixa da empresa,” diz um gestor comprado no papel. “Subtraindo do valor de mercado (ex-dividendo) o caixa líquido e o valor da put que a Embraer tem pelos próximos 10 anos — e que avaliamos em US$ 800 milhões — o EV ‘pós-deal’ está negativo.”

Isso pode significar três coisas: ou o mercado está precificando que o caixa será muito mal investido, ou que as partes restantes da Embraer [a área de aviação executiva, de defesa e a joint venture com a Boeing em serviços] darão um prejuízo absurdo — ou, ainda, que a Boeing vai desistir do negócio.

“Nenhuma das três hipóteses me parece razoável,” diz o gestor.

Segundo ele, não há nenhum projeto relevante que faça a Embraer gastar muito caixa, o negócio de aviação executiva está se recuperando no mundo (a Embraer já teria uma demanda robusta), e a área de aviação militar deve começar a performar bem com o C-390 — o cargueiro militar cujo desenvolvimento levou mais de cinco e cuja comercialização começou há poucos meses.

O ceticismo do mercado com a Embraer é compreensível: com o cancelamento de milhões de viagens pelo pânico do coronavírus, a Boeing será afetada e o temor é que isso a faça rever a compra do negócio de aviação comercial.

“Mas a Boeing precisa urgentemente preencher esse gap de produtos para competir com a Airbus, que comprou recentemente a Bombardier. Além disso, a aquisição não é tão cara para o tamanho da Boeing,” aposta o gestor.

No meio da tarde, a Embraer subia 6%, junto com todo o mercado.