"Se não conseguirmos chegar a acordo sobre estes assuntos, vocês sabem quais são as consequências", avisou Medvedev - Foto: Mikhail Klimentyev, EP

Kremlin ameaça instalar mísseis às portas da Polónia contra escudo dos EUA

Fonte: RTP

O Presidente russo inverteu hoje, na cimeira do G8, o discurso de concórdia tecido para a recepção ao homólogo dos Estados Unidos em Moscovo, prometendo uma resposta à instalação de um escudo balístico na Europa Central. À falta de um entendimento com Barack Obama, Dmitry Medvedev fará chegar mísseis Iskander ao enclave de Kalininegrado, com a Polónia à vista.

O mesmo dirigente político que, na segunda-feira, adoçava a retórica, procurando contentar o Presidente norte-americano com a ideia de que "ninguém disse que a defesa anti-míssil coloca uma ameaça", retoma agora as fórmulas mais tradicionais da Rússia contemporânea. Os componentes que o Pentágono, com o beneplácito da NATO, quer instalar na Polónia e na República Checa são "prejudiciais" e "ameaçadores para a Rússia". Foram estes os adjectivos aplicados em L'Aquila por Dmitry Medvedev, para consumo dos demais líderes dos oito países mais industrializados do planeta.

Quando os presidentes da Rússia e dos Estados Unidos franquearam as portas douradas do Kremlin para enfrentarem a imprensa internacional, deixaram transparecer a persistência de divergências de fundo entre os antigos inimigos da Guerra Fria. Mas mantiveram essas mesmas divisões dentro dos limites da polidez diplomática: Dmitry Medvedev admitia, após a reunião de segunda-feira, que o Kremlin e a Casa Branca continuavam a divergir sobre uma "gama de posições", enquanto Barack Obama se escusava "a fingir que os Estados Unidos e a Rússia estão de acordo em todos os assuntos".

Os cuidados com o verbo partilhados no mesmo palco mediático por Obama e Medvedev eram compreensíveis. Para trás ficava a assinatura de um histórico acordo de base no sentido do abate dos arsenais de ogivas nucleares dos dois países - senhores de 95 por cento do total calculado de armas nucleares na Terra - para um intervalo entre as 1.500 e as 1.675, nos sete anos após a assinatura do futuro tratado de substituição do START 1 (Tratado de Redução de Armas Estratégicas) de 1991.

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Mísseis Iskander em Kalininegrado

Decorridos quatro dias, o Presidente russo, a quem o homólogo norte-americano reservou títulos tão elogiosos como "profissional" e "franco", regressa à habitual postura de uma cúpula político-militar russa zelosa da sua esfera geográfica de influência - uma cartografia geoestratégica que vai do Cáucaso Meridional, onde em Agosto do ano passado esmagou as pretensões da Geórgia a um controlo dos separatistas na Ossétia do Sul e na Abecásia, até ao coração da Europa, onde os Estados Unidos querem semear radares e mísseis de intercepção.

"Se não conseguirmos chegar a acordo sobre estes assuntos, vocês sabem quais são as consequências. O que eu disse no discurso do Estado da Nação não foi revogado", frisou esta sexta-feira o Presidente russo, no cair do pano sobre a cimeira do G8. Dmitry Medvedev aludia a uma alocução de Novembro de 2008, quando brandiu a intenção de "instalar na região de Kalininegrado um complexo de mísseis Iskander", com o objectivo de "neutralizar, se necessário, o sistema de defesa anti-míssil" arquitectado pela Administração republicana de George W. Bush e mantido pelo seu sucessor democrata na Sala Oval da Casa Branca, Barack Obama.

O 44.º Presidente dos Estados Unidos tem sido protagonista de um discurso menos entusiástico no que toca ao escudo, mas também já deixou claro que não deixará cair os planos sem contrapartidas. Por outro lado, embora abra caminho a uma revisão do projecto, Washington não quer alienar a Polónia e a República Checa. Ambos os países assinaram tratados com os norte-americanos: os checos disponibilizam o seu território para a instalação de um sistema de radares; os polacos estão prontos a dar abrigo a dez mísseis interceptores.

"O que me inquieta é que os americanos não anulem a sua iniciativa, mas que a reexaminem. Em que é que isso se vai traduzir, não sei", sublinhou em L'Aquila o Presidente russo.

Recuperação "ainda está longe"

Os líderes do G8 (Estados Unidos, Japão, Canadá, Alemanha, Grã-Bretanha, França, Itália e Rússia) e do emergente G5 (África do Sul, Brasil, China, Índia e México) fecharam esta sexta-feira a cimeira de Itália com o compromisso da mobilização de 15 mil milhões de dólares (10,8 mil milhões de euros) em três anos destinados a prover a segurança alimentar do planeta. Os dirigentes adoptaram, ainda, uma declaração com vista a alargar o "acesso à água e à higiene pública" em África.

No cair do pano sobre a cimeira, o Presidente norte-americano resumiu o sentimento dominante entre as nações mais prósperas quanto ao tema de fundo em L'Aquila: a crise económica e financeira.

"Estamos de acordo quanto a uma recuperação que ainda está longe", admitiu Barack Obama. Para acrescentar que "seria prematuro reduzirmos os planos de estímulo": "Devemos manter os nossos esforços relativamente a esses planos para garantir as bases de uma recuperação firme e estável".

Por sua vez, o primeiro-ministro italiano, Sílvio Berlusconi, salientou o acordo de reactivação das negociações de Doha para a liberalização do comércio mundial, que considerou "um êxito extraordinário" - a celebração do acordo final está prevista para o próximo ano.