Como a CIA usou rede de satélites, grampeou o Planalto e garantiu à Raytheon vitória sobre a Thomson na venda de radares para a Amazônia
Fonte: Revista EPOCA
Fonte: Revista EPOCA
O Brasil foi o alvo de uma operação conjunta dos serviços secretos dos Estados Unidos exclusivamente voltada para a espionagem econômica. A CIA e a NSA, agência nacional de segurança dos EUA, grampearam as comunicações do Palácio do Planalto, onde trabalham o presidente da República e assessores, além dos escritórios do grupo francês Thomson, no Rio de Janeiro e em Paris, durante a concorrência do governo brasileiro para a compra do conjunto de radares do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). A licitação correu no período dos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, entre 1994 e 1995.
Os serviços secretos americanos usaram a rede de satélites militares dedicada à interceptação de comunicações por telefone, fax e correio eletrônico. Depois de meses de vigilância clandestina sobre a licitação de US$ 1,3 bilhão do Sivam, informaram ao Departamento de Comércio sobre a provável vitória do grupo francês Thomson.
O então secretário de Comércio, Ron Brown, morto em acidente aéreo meses depois, produziu um relatório para a Comissão de Comércio dos EUA no qual incluía a concorrência do Sivam entre duas centenas de casos em que empresas européis subornavam funcionários em diferentes países para conseguir vencer as americanas em milionárias concorrências. A existência do relatório de Brown foi mencionada pelo ex-subsecretário de Comércio Jeffrey Gartey, durante entrevista ao jornal New York Times em fevereiro de 1995.
Na seqüência, houve um escândalo palaciano, em Brasília, quando se descobriu um grampo no telefone de um assessor presidencial, o embaixador Júlio César Santos, flagrado num lobby pró-americano. A concorrência do Sivam avançou. Acabou decidida, meses depois, com a interferência direta do presidente Bill Clinton. Por duas vezes, telefonou ao presidente Fernando Henrique para falar do "interesse americano" na vitória da Raytheon. A francesa Thomson perdeu o negócio. Não foi comprovada a suspeita de suborno de funcionários brasileiros.
O conselho e a comissão executiva da União Européia determinaram uma investigação sigilosa sobre o uso da rede militar de satélites dos EUA, conhecida como Echelon, para privilegiar empresas americanas em disputas comerciais com as competidoras da Europa. Em fevereiro, três anos depois, a Comissão Científica e Tecnológica do Parlamento Europeu concluiu que a CIA e a NSA usaram a rede Echelon para influir decisivamente na derrota de empresas européias, tanto no caso Sivam quanto em várias outras concorrências internacionais. Dias atrás o Parlamento Europeu começou a discutir a montagem de uma comissão especial de inquérito.
Nos documentos da comissão, o Sivam é mencionado como um dos primeiros e mais importantes casos de espionagem econômica executada pelo sistema militar Echelon, desenvolvido a partir de 1952, durante a Guerra Fria contra a União Soviética. Outros episódios de manipulação de negócios bilionários estão relacionados em um apêndice sob o título "Desenvolvimento de tecnologia de vigilância e o risco de abuso de informação econômica". Há, por exemplo, o registro de um grampo durante negociações entre o consórcio aeronáutico europeu Airbus e o governo da Arábia Saudita, no mesmo período do Sivam. A Airbus perdeu US$ 1 bilhão em vendas para as concorrentes americanas Boeing e McDonnell Douglas.
As descobertas provocaram um delicado problema diplomático, porque a rede Echelon nasceu de um pacto entre o governo dos EUA e o da Inglaterra, com adesão da Austrália, do Canadá e da Nova Zelândia - países onde foram construídas as bases para coleta de dados. A rede Echelon é composta de uma constelação de satélites e computadores equipados com programas de criptografia capazes de selecionar dados a partir de palavras-chave em qualquer tipo de comunicação. As bases dispersas pelo mundo enviam as informações coletadas para uma central em Fort Meade, em Maryland, nos EUA, controlada pela NSA. Essa agência foi criada em 1952 especificamente para interceptar comunicações soviéticas. Em Maryland, a NSA concentra 38 mil funcionários. As informações escolhidas são repassadas a outras agências federais, como a CIA e os órgãos governamentais interessados nos temas sob investigação.
A partir do fim do regime soviético, no início dos anos 90, o sistema de escuta passou a ser direcionado para a espionagem econômica. Em 1994, o governo brasileiro iniciou as negociações para a compra dos radares do Sivam. A Thomson apostava na vitória, pois já havia fornecido os equipamentos de controle do tráfego aéreo brasileiro, o Sindacta. A interferência da CIA e da NSA mudou o rumo do negócio: "Havia algo estranho. Cada vez que os franceses faziam uma proposta, os americanos vinham com outra melhor pouco tempo depois", disse a Época uma fonte ligada ao bloco perdedor.
Em 1995, funcionários do Departamento de Comércio já admitiam estar usando a rede de espionagem para beneficiar empresas supostamente vítimas de uma competição desleal na Europa. Argumentavam com a draconiana legislação anticorrupção americana: "Uma companhia nossa não pode escapar da lei de comércio contratando um intermediário", justificou Eleanor Lewis, chefe do Conselho de Comércio Internacional do Departamento de Comércio, em dezembro de 1995. "O Sivam não foi um caso isolado. Investigamos, envolvemos os serviços de inteligência, trabalhamos com informações classificadas."
Em depoimentos dados ao Senado americano e no Centro de Estudos Estratégicos Internacionais, James Woolsey, diretor da CIA entre 1993 e 1995, descreveu com minúcia a conduta americana. "Quando encontramos evidências de suborno, não contamos à empresa americana envolvida na disputa. Vamos direto ao secretário de Estado e ele manda um embaixador americano falar com o presidente ou o rei do país", contou Woolsey, conforme documentos exibidos pela rede de televisão NBC, de Nova York, no dia 14 de abril.
Woolsey detalhou o ritual: "Nosso embaixador diz: 'Senhor presidente', ou 'Vossa Majestade', seu ministro está envolvido em suborno. O senhor tem muitas relações com os EUA e não achamos que essa é a melhor forma de atuar". No caso brasileiro, Clinton reforçou o recado com uma carta ao presidente Itamar Franco em favor da Raytheon. O emissário foi o secretário Ron Brown, que a entregou ao então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero. O Congresso americano resolveu investigar o Echelon. Em depoimento prestado em 12 de abril, o atual diretor da CIA, George J. Tenet, disse preservar a privacidade de empresas e cidadãos americanos na espionagem digital. Ressalvou o "direito de atuar" quando se depara com uma situação de risco para as corporações empresariais dos EUA.
Os serviços secretos americanos usaram a rede de satélites militares dedicada à interceptação de comunicações por telefone, fax e correio eletrônico. Depois de meses de vigilância clandestina sobre a licitação de US$ 1,3 bilhão do Sivam, informaram ao Departamento de Comércio sobre a provável vitória do grupo francês Thomson.
O então secretário de Comércio, Ron Brown, morto em acidente aéreo meses depois, produziu um relatório para a Comissão de Comércio dos EUA no qual incluía a concorrência do Sivam entre duas centenas de casos em que empresas européis subornavam funcionários em diferentes países para conseguir vencer as americanas em milionárias concorrências. A existência do relatório de Brown foi mencionada pelo ex-subsecretário de Comércio Jeffrey Gartey, durante entrevista ao jornal New York Times em fevereiro de 1995.
Na seqüência, houve um escândalo palaciano, em Brasília, quando se descobriu um grampo no telefone de um assessor presidencial, o embaixador Júlio César Santos, flagrado num lobby pró-americano. A concorrência do Sivam avançou. Acabou decidida, meses depois, com a interferência direta do presidente Bill Clinton. Por duas vezes, telefonou ao presidente Fernando Henrique para falar do "interesse americano" na vitória da Raytheon. A francesa Thomson perdeu o negócio. Não foi comprovada a suspeita de suborno de funcionários brasileiros.
O conselho e a comissão executiva da União Européia determinaram uma investigação sigilosa sobre o uso da rede militar de satélites dos EUA, conhecida como Echelon, para privilegiar empresas americanas em disputas comerciais com as competidoras da Europa. Em fevereiro, três anos depois, a Comissão Científica e Tecnológica do Parlamento Europeu concluiu que a CIA e a NSA usaram a rede Echelon para influir decisivamente na derrota de empresas européias, tanto no caso Sivam quanto em várias outras concorrências internacionais. Dias atrás o Parlamento Europeu começou a discutir a montagem de uma comissão especial de inquérito.
Nos documentos da comissão, o Sivam é mencionado como um dos primeiros e mais importantes casos de espionagem econômica executada pelo sistema militar Echelon, desenvolvido a partir de 1952, durante a Guerra Fria contra a União Soviética. Outros episódios de manipulação de negócios bilionários estão relacionados em um apêndice sob o título "Desenvolvimento de tecnologia de vigilância e o risco de abuso de informação econômica". Há, por exemplo, o registro de um grampo durante negociações entre o consórcio aeronáutico europeu Airbus e o governo da Arábia Saudita, no mesmo período do Sivam. A Airbus perdeu US$ 1 bilhão em vendas para as concorrentes americanas Boeing e McDonnell Douglas.
As descobertas provocaram um delicado problema diplomático, porque a rede Echelon nasceu de um pacto entre o governo dos EUA e o da Inglaterra, com adesão da Austrália, do Canadá e da Nova Zelândia - países onde foram construídas as bases para coleta de dados. A rede Echelon é composta de uma constelação de satélites e computadores equipados com programas de criptografia capazes de selecionar dados a partir de palavras-chave em qualquer tipo de comunicação. As bases dispersas pelo mundo enviam as informações coletadas para uma central em Fort Meade, em Maryland, nos EUA, controlada pela NSA. Essa agência foi criada em 1952 especificamente para interceptar comunicações soviéticas. Em Maryland, a NSA concentra 38 mil funcionários. As informações escolhidas são repassadas a outras agências federais, como a CIA e os órgãos governamentais interessados nos temas sob investigação.
A partir do fim do regime soviético, no início dos anos 90, o sistema de escuta passou a ser direcionado para a espionagem econômica. Em 1994, o governo brasileiro iniciou as negociações para a compra dos radares do Sivam. A Thomson apostava na vitória, pois já havia fornecido os equipamentos de controle do tráfego aéreo brasileiro, o Sindacta. A interferência da CIA e da NSA mudou o rumo do negócio: "Havia algo estranho. Cada vez que os franceses faziam uma proposta, os americanos vinham com outra melhor pouco tempo depois", disse a Época uma fonte ligada ao bloco perdedor.
Em 1995, funcionários do Departamento de Comércio já admitiam estar usando a rede de espionagem para beneficiar empresas supostamente vítimas de uma competição desleal na Europa. Argumentavam com a draconiana legislação anticorrupção americana: "Uma companhia nossa não pode escapar da lei de comércio contratando um intermediário", justificou Eleanor Lewis, chefe do Conselho de Comércio Internacional do Departamento de Comércio, em dezembro de 1995. "O Sivam não foi um caso isolado. Investigamos, envolvemos os serviços de inteligência, trabalhamos com informações classificadas."
Em depoimentos dados ao Senado americano e no Centro de Estudos Estratégicos Internacionais, James Woolsey, diretor da CIA entre 1993 e 1995, descreveu com minúcia a conduta americana. "Quando encontramos evidências de suborno, não contamos à empresa americana envolvida na disputa. Vamos direto ao secretário de Estado e ele manda um embaixador americano falar com o presidente ou o rei do país", contou Woolsey, conforme documentos exibidos pela rede de televisão NBC, de Nova York, no dia 14 de abril.
Woolsey detalhou o ritual: "Nosso embaixador diz: 'Senhor presidente', ou 'Vossa Majestade', seu ministro está envolvido em suborno. O senhor tem muitas relações com os EUA e não achamos que essa é a melhor forma de atuar". No caso brasileiro, Clinton reforçou o recado com uma carta ao presidente Itamar Franco em favor da Raytheon. O emissário foi o secretário Ron Brown, que a entregou ao então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero. O Congresso americano resolveu investigar o Echelon. Em depoimento prestado em 12 de abril, o atual diretor da CIA, George J. Tenet, disse preservar a privacidade de empresas e cidadãos americanos na espionagem digital. Ressalvou o "direito de atuar" quando se depara com uma situação de risco para as corporações empresariais dos EUA.
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