Ação policial no morro do Alemão, em 2007 (foto arquivo)
Atuação militar em conflitos urbanos divide estudiosos da violência
O episódio em que três jovens foram encontrados mortos após supostamente terem sido entregues por militares a traficantes expõe os riscos do uso do Exército em conflitos urbanos, segundo especialistas em violência ouvidos pela BBC Brasil.

"Está demonstrado que não funciona, que militariza o conflito e aumenta abusos. Tem de se enfrentar as causas e os responsáveis (pela violência), que estão fora da favela. Não bater no lado mais fraco", disse Maurício Campos, representante da ONG carioca Rede de Comunidades e de Movimentos contra a violência.

"A Polícia Militar não está preparada, a Polícia Civil não está preparada, o Exército muito menos", argumentou Campos.

Onze militares foram presos na segunda-feira acusados de entregar os três jovens a traficantes do morro da Mineira, comandado pela facção criminosa ADA (Amigos dos Amigos), rival do Comando Vermelho, que opera na Providência.

No domingo, os corpos dos jovens foram encontrados num aterro sanitário em Duque de Caxias com marcas de tiros.

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, voltou a defender na semana passada a criação de um estatuto jurídico para atuação de Forças Aramdas no combate ao crime - idéia que já havia expressado em setembro em entrevista à BBC Brasil.

Surpresa

Segundo Campos, este não é o primeiro caso de abuso atribuído aos militares que estão no Morro da Providência com a justificativa de dar segurança aos trabalhadores do projeto Cimento Social. Outros teriam sido cometidos contra os moradores, sem que denúncias fossem formalizadas.

"Havia um medo muito grande, a presença era permanente, havia no mínimo 60 soldados 24 horas por dia na favela. O quadro mudou porque a população se cansou."

Para o ativista, essa é uma das razões pelas quais as denúncias envolvendo militares são minoria entre as 25 envolvendo policiais e militares formalizadas por moradores.

Já os sociólogos Rubem César Fernandes, da Viva Rio, e Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, admitem ter sido pegos de surpresa pela notícia de envolvimento de militares na morte dos rapazes.

Fernandes disse ficar impressionado com o contraste entre o que ocorreu no Rio e a atuação do Exército no Haiti, que já acompanhou in loco.

"Não há nenhum registro desse tipo de ato bárbaro por lá", disse Fernandes. "É como se o fato de trabalhar aqui criasse dificuldades maiores, pela facilidade em compartilhar de um ambiente de corrupção e cumplicidade com o crime."

Silvia Ramos, reagindo às informações veiculadas na imprensa de que os militares poderiam ter "vendido" os rapazes aos traficantes, disse que essa prática "é igual ao pior do pior da polícia".

"Não quero me aproveitar dessa experiência para dizer "olha como dá errado", mas esse caso mostra que precisa ser uma experiência muito bem monitorada."

Tanto Ramos como Fernandes dizem apoiar alguma participação das Forças Armadas na segurança do Rio e defendem um debate sobre o assunto.

"Agora que a coisa ficou tão dramática, não devemos pôr a discussão de lado", disse Fernandes, que defende que a função do Exército na segurança pública seja definida e regulamentada com clareza. "É um tabu que precisa ser enfrentado."

Fernandes diz acreditar que os militares possam ajudar a resolver a crise na segurança do Rio porque não têm um "histórico de vícios" como a polícia e porque representam uma fonte de recursos humanos e materiais que não podem ser ignorados.

Já o ativista da Anistia Internacional Patrick Wilcken disse que a entidade sempre foi "cética" em relação aos planos do governador Sérgio Cabral de mobilizar o Exército para tentar combater a violência no Rio.

"A Anistia sempre se opôs ao emprego do Exército para conter a violência porque os militares não têm preparo para desempenhar funções da polícia."

Wilcken também condenou o episódio ocorrido no fim de semana. "Todas as vezes que essas corporações se envolveram em áreas dominadas pelo tráfico houve episódios de corrupção", afirmou.