Lula, que ligou novo comando às descobertas de petróleo, terá relatório sobre tema feito por Jobim, que irá aos EUA Comandante da Marinha, porém, diz que reativação é "ato administrativo"; para Brasília, frota desequilibra forças na América Latina

ELIANE CANTANHÊDE

O governo brasileiro discorda da reativação da Quarta Frota Naval dos Estados Unidos no Atlântico Sul, vê com desconfiança as explicações do governo americano para a iniciativa e aguarda explicações mais convincentes de Washington, conforme a Folha apurou.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já tinha encarregado publicamente o chanceler Celso Amorim de pedir explicações ao governo George W. Bush. Agora, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, vai aproveitar uma viagem aos EUA no final do mês para se informar sobre o tema e fazer um relatório na volta para Lula.

Jobim disse que pretende conversar com autoridades militares, para entender exatamente o que é e o que significa a Quarta Frota, mas deixou claro que a viagem já estava anteriormente marcada.

O ministro, que já visitou bases militares americanas neste ano, irá novamente ao país para acompanhar manobras militares em Nevada, com a participação da FAB (Força aérea Brasileira), e também conhecer as instalações do Comando Sul, com base na Flórida.

O Comandante da Marinha, almirante Júlio Soares de Moura Neto, que deve acompanhar Jobim, disse à Folha que não há motivo para preocupação, pois a reativação da frota é "um ato administrativo".

Segundo ele, encarregado de transmitir as informações a respeito à Defesa, a Quarta Frota "não vai mudar muita coisa", pois as operações que eram feitas vão continuar praticamente as mesmas. A diferença é que, em vez de a Segunda Frota abastecer a força naval, haverá uma Quarta Frota para essa função.

Petróleo

Conforme a Folha apurou, porém, outros setores do governo, inclusive o diplomático, discordam da reativação da Quarta Frota e não engoliram a justificativa de Washington de que a volta dela, depois de quase 60 anos, acontece por "objetivos humanitários" e para o "combate ao tráfico" na região.

Em entrevista, o próprio Lula já tinha manifestado estranheza pelo ressurgimento da Quarta Frota, criada em 1943 diante da ameaça nazista e desmobilizada sete anos depois: "Descobrimos petróleo em toda a costa e, obviamente, queremos que os EUA nos expliquem a lógica dessa frota".

Há especulações, não certezas, sobre os reais motivos. Um deles seria justamente a crise internacional do petróleo, pois o barril passa dos US$ 140 -um recorde histórico-, e os fornecedores do mercado norte-americano não são confiáveis, a começar pela Venezuela do presidente Hugo Chávez.

Monitoramento

A nova frota, assim, seria uma forma de monitorar a rota de abastecimento e os países produtores, como os da África, especialmente Angola e Nigéria, e o Brasil, que se qualifica como um grande produtor mundial a partir da descoberta de novos megacampos.

Em qualquer hipótese, porém, o que incomoda tanto Brasília, mesmo com a avaliação tranqüilizadora da Marinha, é a questão estratégica: uma frota da maior potência mundial, como uma base terrestre, tem enorme peso no equilíbrio de forças de qualquer região.

"Pergunte à China se está satisfeita com a Sétima Frota no Pacífico. Claro que não!", ouviu anteontem a Folha no governo, a título de comparação.