Álcool e direção: o número de acidentes com mortes no trânsito de Fortaleza, muitos decorrentes dessa combinação perigosa, diminuiu, de 1º de junho a 15 de julho, 63,15% em relação ao mesmo período do ano passado (Foto: Juliana Vasquez)
Nos bares e restaurantes, segundo a Abrasel, a realidade neste mês de férias está sendo bem diferente da esperada, devido aos efeitos da Lei Seca (Foto: Divulgação)
Sem o aparelho, o agente pode autuar motorista que estiver sob influência de álcool ou drogas (Foto: Elisângela Santos)
Lei Seca completa um mês
Dados de órgãos de segurança e saúde mostram que a tolerância zero para o álcool teve um impacto positivo
‘‘Se for dirigir, não beba’’. O que até bem pouco tempo era apenas uma recomendação vista com pouco caso pelos motoristas tornou-se obrigatória com a Lei 11.705, mais conhecida como Lei Seca. Há exatamente um mês, a nova legislação alterou o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) ao proibir o consumo de qualquer quantidade de bebida alcoólica por condutores de veículos.
Com a transformação da infração em crime de trânsito e o estabelecimento de penas mais severas, a nova lei já vem causando mudanças nos índices de setores como segurança, saúde pública e fiscalização de trânsito. Mas será preciso tornar essa fiscalização mais presente para que a lei seja cumprida e evite tantas mortes no trânsito. Os acidentes desse tipo ocupam o segundo lugar na causa de mortalidade externa no Brasil.
De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), no período de 1º de junho a 15 de julho deste ano, foram registradas 37 ocorrências por direção perigosa em Fortaleza. Um número 42,3% maior se comparado com o mesmo período do ano passado, em que 26 ocorrências foram registradas. Já em relação aos acidentais com mortes no trânsito (excluindo-se desse índice os homicídios culposos), foram 19 em 2007 contra apenas sete em 2008, uma diminuição de 63,15%.
Enquanto isso, o Departamento Estadual de Trânsito (Detran-CE) apreendeu, de 20 de junho a 17 de julho, 18 carteiras de habilitação por conta de direção sob influência de álcool. Desses casos, 15 apresentavam concentração de álcool no sangue acima de 0,6 decigramas por litros, levando esses motoristas a serem presos.
No Instituto Dr. José Frota (IJF), unidade de referência em atendimento de traumas, 974 pessoas foram atendidas por conta de acidentes no trânsito em junho deste ano. Quantidade um pouco menor em relação ao mesmo período de 2007, quando foram registrados 1.180 casos. A lei está em vigor desde 20 de junho.
Mesmo sem o número total de pessoas atendidas em julho, o superintendente do IJF, Wandenberg Rodrigues, adiantou que houve uma diminuição significativa de pacientes deste tipo com a aprovação da nova lei. ‘‘Sabemos que o número de vítimas de abalroamento diminuiu 38% e o número de atropelados caiu em 27%’’, afirma. Apesar disso, o número de motoqueiros atendidos na unidade diminuiu apenas 8%, índice creditado pelo superintendente ao grande número de pacientes vindos do Interior. ‘‘De cada quatro motoqueiros atendidos no IJF, três são do Interior. Acredito que o número de atendimentos vai diminuir quando houver maior fiscalização nesses locais’’, acrescenta.
Wandeberg Rodrigues não tem dúvidas de que a diminuição de pacientes atendidos por conta de acidentes de trânsito esteja ligada ao maior rigor da lei. ‘‘Em 85% dos pacientes envolvidos em acidentes de trânsito ou agressões, identificamos teor alcoólico no sangue. Acredito que essa nova lei tenha vindo tarde e até seja branda. Em países como Estados Unidos e Japão, as punições são bem mais severas do que aqui, chegando a ações como confisco do veículo e até penalizar o passageiro que esteja num veículo guiado por uma pessoa alcoolizada’’.
BARES E RESTAURANTES
Queda de 30% no movimento
Enquanto setores como de saúde e segurança comemoram a diminuição no número de acidentes por conta da tolerância zero ao combinar álcool e direção, outros vêem na Lei Seca uma medida arbitrária e inconstitucional. Esta é a visão da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), que entrou com uma ação declaratória de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), que deverá ser julgada em agosto. O argumento é de que o rigor das novas regras extrapola os objetivos de sua criação e obriga o cidadão a produzir prova contra si mesmo ao assoprar o bafômetro.
Segundo o presidente da Abrasel no Ceará, Augusto Mesquita, o setor de bares e restaurantes de Fortaleza sofreu uma queda de 30% na freqüência desde que a lei foi posta em prática. Um realidade bem diferente num mês de férias. Ele argumenta que os índices divulgados criam uma impressão falsa de conscientização. ‘‘O número de acidentes diminuiu porque as pessoas simplesmente deixaram de sair. Os fiscais só têm dois bafômetros para identificar os infratores, não é possível dar conta de uma cidade como Fortaleza’’, argumenta.
Segundo Mesquita, o governo poderia adotar medidas menos ‘‘eleitoreiras’’, como investir na educação para o trânsito e aumentar o rigor na emissão de carteiras de motorista. Para se adaptar, a entidade está tentando criar convênios com motoristas de táxis para resolver o problema da volta para casa depois do happy hour ou da noitada do fim de semana.
Mas o presidente recomenda a quem se sentir lesado pela lei a seguir o exemplo do diretor jurídico da Abrasel nacional, que obteve da justiça paulista um habeas corpus preventivo para não ser obrigado a fazer o teste do bafômetro. ‘‘Isso não evita dele ser preso caso esteja dirigindo bêbado. E é para isso que a lei deveria servir: para punir aqueles que bebem de forma irresponsável’’.
PUNIÇÕES
Faltam bafômetros para fazer fiscalização
Apesar da melhora dos índices, o Ceará precisa aumentar o número de bafômetros para intensificar a fiscalização. O Estado possui apenas dois aparelhos em funcionamento. Outros dois estão sendo aferidos pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). ‘‘Antes da nova lei entrar em vigor, havia o pedido de seis novos bafômetros que esperamos chegar nos próximos dias’’, explica Lorena Moreira, chefe de planejamento do Detran-CE.
Ela admite que esses bafômetros não serão suficientes para atender a demanda no Estado. No Interior, a Companhia de Policiamento Rodoviário (CPRV) atua nas rodovias estaduais com o auxílio de dez aparelhos de aferição.
‘‘Temos consciência de que ainda há muito a ser feito, mas vamos pedir mais bafômetros e intensificar a fiscalização. Mesmo sem o aparelho, o agente de trânsito pode autuar o condutor se ele mostrar sinais de estar sob influência de álcool ou drogas, sendo conduzido ao Instituto Médico Legal (IML) para realizar exames’’.
A chefe de planejamento acredita que a lei foi bem aceita pela população, atestada nas mudanças de hábito dos motoristas durante as blitzes. ‘‘Em uma operação realizada no Icaraí, percebemos que 80% dos condutores que voltavam da praia eram mulheres, enquanto os homens estavam no banco do carona. É uma mudança bastante positiva’’, avalia.
TOLERÂNCIA ZERO
Características
A Lei Seca alterou o artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que prevê penas severas para quem dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.
Punições
Concentração de álcool que exceda 0,2 decigramas por litro de sangue é considerada uma infração gravíssima. A pena é aplicação de multa multiplicada por cinco vezes (R$ 957, 70), recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação e a suspensão do direito de dirigir por 12 meses.
Prisão
Caso seja constatada concentração igual ou superior a 0,6 decigramas (valor considerado máximo antes da nova lei), a penalidade será de detenção de seis meses a três anos e multa, além de suspensão ou proibição de se obter permissão ou habilitação para dirigir um veículo.
Fiscalização
O diagnóstico para identificar um condutor alcoolizado pode ser feito durante as blitze por agentes de trânsito através do uso de bafômetro, um aparelho que identifica a concentração de álcool no ar expelido pelos pulmões do condutor. Se o aparelho identificar uma concentração mínima de 0,3 miligramas por litro de ar num sopro de seis segundos, o crime estará caracterizado.
Sinais aparentes
No caso do condutor apresentar sinais físicos de alteração, o fiscal, mesmo sem bafômetro, pode autuar o infrator e pedir exames de sangue ao IML.
KAROLINE VIANA
Especial para Cidade
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Sem punição legislação fica comprometida
Lúcio Flávio Gomes de Lima
Mestre em Psicologia e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor)
Há dois elementos que podem gerar mudanças de comportamento. Um é o reforço positivo, em que se incentiva um comportamento para que seja repetido no futuro. O outro é através do controle aversivo, em que se colocam punições para alterar um comportamento. No caso da Lei Seca, temos uma punição positiva, que é umas três operações do controle aversivo. Mudam-se hábitos pois sabem que há um rigor maior na vigilância e na punição. O método é eficaz e muda o comportamento até de forma mais rápida em relação ao reforço positivo. Foi o que aconteceu com os cintos de segurança, em que a punição alterou um hábito arraigado. Mas para que se tenha um efeito a longo prazo, deve haver uma presença ostensiva do agente punidor, sob o risco da lei perder sua eficácia com a ausência do estímulo aversivo. O reforço positivo é mais eficaz para manter a obediência a longo prazo, mas em nossa história ela é pouco utilizada.
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