Comunidade internacional debate acordo nuclear entre EUA e Índia
Fonte: Reuters Via IG - Por Boris Groendahl
VIENA (Reuters) - O acordo nuclear civil entre Estados Unidos e Índia passará na quinta-feira por um teste crucial, na reunião dos 45 países do chamado Grupo de Fornecedores Nucleares, em Viena. É necessário o aval desse grupo para que os EUA possam submeter o tratado de 2005 à ratificação parlamentar.
Os EUA propõem a liberação incondicional do comércio nuclear com a Índia, o que encerraria 34 anos de embargo à venda de material nuclear para fins civis ao país, que não é signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear.
Alguns membros do Grupo de Fornecedores Nucleares, porém, gostariam que houvesse algumas restrições, como a proibição de testes de armas nucleares indianas, com sanções em caso de violação.
Diplomatas dizem que dificilmente a proposta norte-americana de suspensão das restrições será aprovada sem emendas nos dois dias de debate. No começo de setembro pode ocorrer uma nova reunião para discutir tais emendas.
A Nova Zelândia, especialmente crítica ao acordo, disse que a medida deveria prever inspeções nucleares na Índia e restrições a testes nucleares e transferência de tecnologia.
A legislação norte-americana relativa ao acordo bilateral contém regras semelhantes, que entretanto não constam na proposta apresenta em Viena.
Irlanda, Suíça, Áustria e Noruega também manifestam restrições à liberação do comércio nuclear com a Índia. Já Brasil, França, Rússia, Canadá e África do Sul devem acompanhar o voto dos EUA.
A Índia insiste no seu direito de testar novamente armas nucleares em caso de ameaça à segurança nacional. Abrir mão desse direito colocaria em risco a permanência do governo indiano no poder.
Sem aprovação do Grupo de Fornecedores Nucleares, o processo não poderá ser ratificado pelo Congresso dos EUA, que entra em recesso em setembro para a campanha eleitoral. Tal atraso colocaria o tratado num limbo, sem perspectiva de entrar em vigor.
Índia-EUA: acordo nuclear não agrada a ninguém
Por Análise de Praful Bidwai, da IPS - Fonte: Mercado Etico (Terra)
O acordo de cooperação nuclear entre Estados Unidos e Índia é objeto de intensas críticas de todo espectro político indiano, o que deixa o primeiro-ministro Manmohan Singh em uma posição incômoda. Segundo a interpretação do oficialismo, a Constituição da Índia estabelece que para entrar em vigor um tratado internacional só é preciso a aprovação do conselho de ministros, sem necessidade de ratificação parlamentar. Mas em um acordo de tal envergadura, cuja redação concluiu há três semanas em Washington, a implementação plena no curto prazo se torna difícil sem um apoio político mais amplo do que o que tem hoje.
Da esquerda à direita, passando pelos partidos regionais, grande parte do espectro político indiano se opõe ao chamado “acordo 123”, tratado que emendará esse artigo da Lei de Não-Proliferação Nuclear dos Estados Unidos para permitir o comércio de material atômico com fins civis com a Índia. Essa lei proíbe tal comércio com nações que realizaram testes com armas nucleares e não são signatárias do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) de 1970, que somente reconhece a posse de arsenais atômicos por China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia.
A oposição mais significativa ao acordo 123 procede da esquerda, principalmente do Partido Comunista, cujo apoio à governamental Aliança Progressista Unida, liderada por Singh, é fundamental para a sobrevivência do governo neste regime parlamentar. À direita, o Partido Bharatiya Janata, nacionalista hindu e tradicionalmente favorável aos Estados Unidos, também criticou o acordo com o argumento de que constitui uma interferência externa no programa nuclear indiano e pode limitar o desenvolvimento do arsenal atômico deste país.
Para Bharatiya Janata, que interpreta que o tratado deve ser aprovado pelo parlamento, o programa nuclear bélico da Índia não tem apenas o objetivo de garantir a segurança nacional, mas também de aumentar a auto-estima, o prestígio e o orgulho do país. Aliança Nacional Progressista Unida, que agrupa oito partidos regionais, se opõe com argumentos semelhantes aos de Bharatiya Janata ao acordo, que considera uma carta de “escravidão nuclear”. Engenheiros e cientistas especialistas em questões nucleares da Índia apóiam estas posturas, mas cada vez menos, pois a maioria se alinhou com o presidente da Comissão de Energia Atômica, Anil Kakodkar, que agora está a favor do acordo.
A atitude da oposição de esquerda desanimou Singh. A imprensa indiana informou que, em certo momento, o primeiro-ministro chegou a considerar a renúncia ao cargo por este motivo. A posição comunista, expressa em uma declaração de cinco paginas, tem dois pilares. Primeiro, considera que o acordo 123 é inseparável dos esforços para forjar uma aliança estreita ou “associação estratégica” entre Estados Unidos e Índia. O acordo “encerrará a Índia nos fins estratégicos mundiais dos Estados Unidos”, definidos no Acordo Marco de Defesa assinado pelos dois países em junho de 2005, e em outras medidas e iniciativas de colaboração militar, incluídos exercícios e manobras, diz o documento.
Os comunistas sempre consideram os Estados Unidos uma potência hegemônica e desestabilizadora da qual a Índia não pode se tornar uma aliada próxima sem sacrificar sua independência nem estreitar sua margem de manobra em assuntos internacionais. Em segundo lugar, a esquerda alerta que o acordo 123 tal como está formulado tem diferenças significativas das explicações a respeito dadas por Singh ao parlamento. O primeiro-ministro prometeu contemplar os questionamentos à cooperação civil com Washington e garantir a autonomia do programa nuclear indiano.
Segundo os comunistas, existem diferenças entre o acordo entre Washington e Nova Délhi e a Lei Henry J. Hyde, aprovada em dezembro pelo Congresso norte-americano, que elimina os obstáculos jurídicos ao tratado. A lei exige do Poder Executivo dos Estados Unidos que análise e informe o Legislativo todos os anos se a Índia age de acordo com a política externa dos Estados Unidos, bem como outras condições consideradas inaceitáveis pela esquerda indiana. A Ley Hyde prevalecerá sobre o acordo 123 e pode ser usada de maneira arbitrária para acabar com a cooperação nuclear com Nova Délhi, segundo a oposição comunista indiana.
A lei – alerta – não garante um comércio nuclear pleno com a Índia, tal como se afirmou quando Singh e o presidente George W. Bush assinaram o acordo em julho de 2005. por exemplo, os Estados Unidos não exportação para a Índia urânio enriquecido nem tecnologia para o reprocessamento de combustível nuclear. A lei tem impacto sobre a soberania da Índia ao tirar-lhe a capacidade de decisão sobre seu programa de desenvolvimento nuclear. O acordo 123 deriva essencialmente dessa lei, portanto, é preciso opor-se, afirmam os comunistas. A esquerda também se preocupa com o possível impacto do acordo em sua tradicional postura em favor do desarmamento nuclear.
Ao ficarem “acomodados em uma ordem nuclear desigual, liderada pelos Estados Unidos, o papel da Índia em favor do desarmamento, enquanto a maior integrante do Movimento de Países Não-Alinhados, ficará reduzido às declarações”. A esquerda também considera questionável que a tecnologia nuclear, promovida por esse acordo, seja uma solução sustentável ao problema energético da Índia. A posição atual da esquerda difere da expressa há dois anos, quando destacava as conseqüências negativas do acordo para a Índia por sua postura favorável ao desarmamento.
Por décadas, a Índia “esteve comprometida com o desarmamento nuclear. O governo encabeçado por Bharatiya Janata começou a aceitar uma incipiente associação com os Estados Unidos em troca de reconhecer, de fato, este país como Estado atômico. O acordo marca o fim dessa política para a Índia”, acrescentava a esquerda em 2005. Mas os comunistas decidiram não pressionar para que seja votado o acordo 123, segundo as normas de procedimento do parlamento, ao contrário da maioria dos partidos da Aliança Progressista Unida. Um voto negativo pode provocar a queda do governo de Singh.
“A esquerda resiste em boicotar o governo da Aliança por medo de prepara o caminho para Bharatiya Janata", afirmou Achin Vanaik, professor de relações internacionais e política global da Universidade de Nova Délhi. “A esquerda teria der ter se apegado aos seus argumentos originais sobre as conseqüências do acordo sobre a agenda de desarmamento e sobre a estreita relação estratégica entre Estados Unidos e Índia”, disse Vanaik. “Infelizmente, se acoplou o lobby dos engenheiros e cientistas nucleares, mais preocupados com as conseqüências do pacto para a autonomia deste país em relação ao seu próprio programa atômico”, ressaltou.
O governo de Singh também enfrenta a oposição política de seu país, a intensa pressão da indústria nuclear e de gigantescas corporações norte-americanas. Se o Congresso dos Estados Unidos aprovar o acordo, as companhias se beneficiarão da expansão do programa da Índia, que precisará importar reatores, combustível e outros equipamentos. Areva, da França; General Electric, dos Estados Unidos; Toshiba-Westinghouse, do Japão; e Rosatom, a agência nuclear da Rússia, negociam contratos com a Corporação de Energia Nuclear da Índia para a primeira fase de expansão da energia nuclear indiana em quator novos locais.
O potencial de ganhos imediatos para estas empresas fica entre US$ 14 bilhões e US$ 16 bilhões por oito reatores de mil megawatts cada um. “Não está claro se o governo continuará desacreditando os argumentos da oposição, avançado na implementação do acordo, ou se avançará com lentidão enquanto convence os críticos”, disse à IPS o físico M. V. Ramana, do Centro de Estudos Interdisciplinares de Meio Ambiente e Desenvolvimento, com sede na cidade de Bangalore. “Provavelmente, lhe reste somente uma pequena possibilidade antes que o Congresso norte-americano discuta sua ratificação”, concluiu Ramana.
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