Analistas previam a renúncia como a saída 'mais digna' |
O presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, renunciou ao cargo nesta segunda-feira em meio a uma campanha de impeachment contra ele lançada por partidos do governo de coalizão.
Em um discurso à nação, Musharraf disse que um processo de impeachment não seria no interesse do país, mas afirmou não temer as acusações contra ele.
"Nem mesmo uma única acusação contra mim pode ser provada", afirmou.
Musharraf é acusado de incompetência e de violar a Constituição do país.
O presidente paquistanês disse que não é hora para mais confrontos e que está renunciando depois de consultar seus conselheiros.
Ele disse que "alegações falsas" foram feitas contra ele por pessoas que "tentaram transformar a verdade em mentiras".
A campanha de impeachment foi lançada na semana passada por líderes do Partido do Povo do Paquistão (PPP), da ex-primeira-ministra Benazir Bhutto, e pela Liga Muçulmana do Paquistão Nawaz (PML-N, na sigla em inglês), liderado pelo ex-primeiro-ministro Nawaz Sharif.
Os dois grupos afirmavam que teriam condições de mobilizar os dois terços do Parlamento necessários para aprovar o impeachment.
O mercado de ações em Karachi subiu 4% com a notícia da renúncia. Muitos investidores parecem ter visto a decisão como um fim à incerteza política.
Há relatos de comemorações em várias cidades, com pessoas dançando nas ruas.
Um porta-voz da embaixada americana em Islamabad não comentou a renúncia. No domingo, a secretária de Estado americana, Condoleeza Rice, disse que o futuro do presidente Musharraf era um assunto interno.
Crise e economia
Durante o discurso, Musharraf defendeu suas ações nos últimos nove anos, dizendo que liderou o Paquistão em algumas de suas piores crises desde a independência em 1947, incluindo uma crise com a Índia que quase levou à guerra e as consequências dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, que deu início à chamada guerra contra o terror.
Ele disse ainda que nos últimos oito meses, desde que deixou de exercer os poderes do Executivo, a economia do Paquistão vem se deteriorando.
Musharraf disse que os erros que ele cometeu no governo não foram intencionais e que está se colocando "nas mãos do povo".
Musharraf, ex-comandante do Exército e um aliado-chave dos Estados Unidos na chamada guerra contra o terror, chegou ao poder através de um golpe de Estado sem violência em 1999.
No ano passado, ele foi forçado a deixar o controle das Forças Armadas. A imagem pública de Musharraf ficou prejudicada depois que ele demitiu quase 60 juízes para evitar que eles declarassem sua reeleição como presidente inválida.
Os partidos de oposição chegaram ao governo de coalizão em fevereiro depois de uma vitória esmagadora nas urnas, enfraquecendo ainda mais o governo de Musharraf.
Por Eric Margolis
Logo após os EUA invadirem o Afeganistão e derrubarem o governo Taliban, em 2001, eu previ que a resistência Taliban iria ressurgir em quatro anos.
Meus colegas sabichões, que estavam eufóricos com a vitória dos militares americanos sobre um bando de nativos medievais, levemente armados, ficaram de porre com o velho triunfalismo imperial, e me denunciaram como “doido”, ou coisa pior. Mas a maioria deles nunca tinha estado no Afeganistão e nada sabia sobre o povo tribal pashtun. Eu cobri a luta contra a ocupação soviética do Afeganistão, durante os anos 1980 e estava bem ciente sobre o ritmo lento de fazer a guerra, favorecido pelos guerreiros pashtun.
“Não permaneçam no Afeganistão,” eu avisei, num artigo de 2001, no Los Angeles Times. Quanto mais tempo forças estrangeiras permanecerem no Afeganistão, mais as tribos iriam lutar contra sua presença continuada. O Taliban retomou a luta, em 2005.
Agora, enquanto a resistência à ocupação do Afeganistão, liderada pelos EUA, se intensifica, a administração Bush, cada vez mais frustrada, está ventilando sua raiva contra o Paquistão e sua agência militar de informações, a Inteligência Inter-Forças, mais conhecida como ISI (Inter-Service Intelligence).
A Casa Branca acabou de vazar afirmações de que a ISI está de conluio com grupos pró-Taliban na agência tribal do Paquistão, ao longo da fronteira afegã e os avisa sobre iminentes ataques americanos. O New York Times, que permite à administração Bush utilizá-lo como porta-voz da propaganda da Guerra do Iraque, lealmente, publicou os vazamentos sobre a ISI, na primeira página. Outros funcionários da administração também afirmaram que a ISI pode, até mesmo, estar escondendo Osama bin Laden e outros líderes superiores da al-Qaida.
A administração Bush afirma que a CIA tem interceptações eletrônicas comprovando que a ISI está por trás de um recente bombardeio na embaixada da Índia, em Cabul. Índia e Afeganistão fizeram eco a esta acusação. Nenhuma evidência sólida foi, ainda, apresentada, mas a mídia americana tem, ansiosamente, condenado o Paquistão por se fazer passar por aliado dos EUA, enquanto age como um inimigo.
O presidente George Bush, furiosamente, perguntou ao primeiro-ministro do Paquistão, Yousuf Gilani, em visita, “quem é que manda na ISI?” Uma questão interessante, já que todos os recentes diretores-gerais da ISI tem sido avaliados e pré-aprovados por Washington.
Eu fui um dos primeiros jornalistas ocidentais a ser convidado para entrar no QG da ISI, em 1986. O então diretor da ISI, o feroz tenente-general Akhtar Rahman, pessoamente me relatou sobre o papel secreto do Paquistão na luta contra a ocupação soviética do Afeganistão. Os “garotos” da ISI forneciam comunicações, logística, treinamento, armas pesadas, e direção, na Guerra do Afeganistão. Eu mantive o papel da ISI, no Afeganistão, como segredo, até a guerra terminar, em 1989.
A ISI foi a responsável, primordial, pela vitória sobre os soviéticos, que acelerou o colapso da URSS. No fim da guerra, ambos, o general Akhtar e o líder do Paquistão, Zia ul Haq, morreram num avião de transporte C-130, sabotado. Infelizmente, a maioria dos paquistaneses culpa os Estados Unidos pelo assassínio, embora os verdadeiros malfeitores nunca tenham sido identificados e a investigação, muito tempo atrás, encerrada.
Em minhas viagens posteriores ao Paquistão, eu fui, rotineiramente, informado pelos chefes sucessores da ISI, e juntei-me a oficiais dela, no campo, algumas vezes, debaixo de fogo.
A ISI, que responde ao primeiro-ministro e à Forças Armadas do Paquistão, é acusada de se intrometer na política paquistanesa. A finada Benazir Bhutto, que era, freqüentemente, frustrada e humilhada pelos espiões do Paquistão, sempre jocosamente, me reprovava, “você e seus amados generais na ISI.”
Mas, antes que o general Pervez Musharraf assumisse como ditador militar, a ISI era a terceira mais eficiente agência de inteligência profissional do mundo. Ela ainda defende o Paquistão contra a subversão interna e externa pela poderosa agência de espionagem da Índia, a RAW, e pelo Irã. A ISI trabalha, proximamente, com a CIA e o Pentágono, e foi, primordialmente, a responsável pela rápida derrubada do Taliban do poder, em 2003. Mas a ISI também precisa servir aos interesses do Paquistão que, freqüentemente, não são idênticos aos de Washington e, algumas vezes, conflitam.
A ISI esteve, longa e profundamente, envolvida no apoio ao levante dos muçulmanos de Cachemira contra o domínio indiano, e tem sido acusada pela Índia de abrigar grupos que cometem atentados à bomba e seqüestros de aviões dentro da Índia, incluindo uma onda de atentados terroristas contra civis em Bangalore e Gujarat, nas últimas semanas. Por sua parte, o poderoso serviço de inteligência da Índia, RAW, tem montado atentados à bomba e ataques a tiros no interior do Paquistão.
A razão pela qual é, muitas vezes, difícil dizer se o Paquistão é amigo ou adversário, deve-se a Washington estar forçando seu governo e serviços de inteligência a apoiarem a guerra liderada pelos americanos no Afeganistão, e arrebanhando e torturando oponentes da ditadura militar do Paquistão. O Paquistão foi obrigado a se curvar à vontade de Washington, através de uma combinação de mais de 11 bilhões de dólares em pagamentos e ameaças de guerra, se o Paquistão não atendesse. A continuação da guerra liderada pelos EUA, no Afeganistão, depende, inteiramente, do fornecimento pelo Paquistão de bases e tropas.
Enquanto o governo, militares e serviços de inteligência do Paquistão foram forçados a seguir os planos estratégicos de Washington, 90 por cento do povo do Paquistão se opõe, amargamente, a tais políticas. O ditador-presidente Musharraf foi pego entre a ira de Washington e a ira de seu povo que o rotula como um fantoche americano.
Pouco admira que a liderança do Paquistão seja, com tanta freqüência, acusada de fazer jogo duplo.
O último diretor-geral da ISI que eu conheci, era o duro, e altamente capaz, tenente-general Mahmood Ahmad. Ele foi expurgado por Musharraf porque Washington sentia que Mahmood era, insufientemente submisso aos interesses dos Estados Unidos. Desde 2001, os diretores seguintes da ISI foram, todos, pré-aprovados por Washington. Todos os veteranos antigos da ISI considerados “islamistas” ou excessivamente nacionalistas por Washington, foram expurgados por sua exigência, deixando os altos-escalões da ISI carregados com um excesso de puxa-sacos e carimbadores de papéis.
Mesmo assim, há forte oposição no interior da ISI e das forças armadas ao suborno e pressões de Washington sobre a subserviente ditadura de Musharraf, levando-a a travar guerra contra camaradas paquistaneses e, gravemente, prejudicando os interesses nacionais do Paquistão.
O dever primordial da ISI é defender o Paquistão, não promover os interesses americanos. Os nativos pashtun na fronteira, simpáticos a seus camaradas pashtun Talibans no Afeganistão, são paquistaneses. Muitos, como o legendário Jalaluddin Haqqani, são velhos aliados dos EUA e “combatentes da liberdade” dos anos 1980. Quando os Estados Unidos e seus aliados ocidentais abandonarem o Afeganistão, como o farão, inevitavelmente, algum dia, o Paquistão precisará continuar a viver com suas turbulentas tribos.
Violência e levantes nestas áreas tribais não são causados pelo “terrorismo” como Washington e Musharraf, falsamente afirmam. Eles resultam, diretamente, da ocupação do Afeganistão, liderada pelos Estados Unidos, e de Washington forçar o odiado regime Musharraf a atacar seu próprio povo.
A ISI está tentando refrear os nativos pashtun pró-Taliban, enquanto lida com os crescentes ataques americanos dentro do Paquistão, que ameaçam uma guerra mais ampla. A Índia, o amargo adversário do Paquistão, tem um exército de agentes no Afeganistão e está armando, apoiando e financiando o regime fantoche de Karzai, em Cabul, na esperança de transformar o Afeganistão num protetorado. Os interesses estratégicos do Paquistão, no Afeganistão, tem sido solapados pela ocupação americana. Agora, os Estados Unidos e a Índia estão tentando eliminar a influência paquistanesa no Afeganistão.
A ISI, da qual muitos oficiais são pashtun, tem todo o direito de prevenir cidadãos paquistaneses de iminentes ataques aéreos americanos, que matam grande número de civis. Mas a ISI também tem outra missão vital. Impedir os pashtun do Paquistão, 15-20 por cento da população de 165 milhões, de aderirem ao antigo movimento do “Grande Pashtunistão”, pedindo pela união das tribos pashtun do Paquistão e Afeganistão numa nova nação pashtun. Os pashtun nunca reconheceram a Linha Durand (a atual fronteira Paquistão-Afeganistã o) desenhada pelos imperialistas britânicos para dividir o maior povo tribal do mundo. O Grande Pashtunistão poderia fazer em pedaços o Paquistão, e abrir caminho a uma intervenção militar indiana.
O comportamento de touro em loja de porcelana, de Washington, não dá atenção a estas realidades. Ao invés, Washington demoniza os leais velhos aliados, ISI e Paquistão, enquanto apóia os comunistas e traficantes de drogas do Afeganistão, e permitindo à Índia agitar o caldeirão afegão – tudo em nome de novos dutos de energia.
Como Henry Kissinger, cinicamente, observou, ser um aliado da América é mais perigoso do que ser seu inimigo.
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