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Justiça para os torturadores

Dalmo Dallari - professor e jurista - Fonte: JB

Está crescendo no Brasil a movimentação exigindo a punição dos torturadores que, durante o período da ditadura militar implantada em 1964 e agindo a serviço dos governantes, praticaram várias espécies de tortura, tanto física quanto psicológica, impondo intenso sofrimento físico e moral às suas vítimas, abusando covardemente de sua absoluta superioridade de força, convencidos de sua impunidade. Tudo isso constitui afronta à dignidade da pessoa humana, como é reconhecido e proclamado em vários documentos internacionais da mais alta relevância, sabendo-se que no Brasil foi praticada a tortura em estabelecimentos militares e civis, dotados de instrumental especializado para tortura e contando com profissionais especializados nessas práticas. E os torturadores continuam impunes.

Ainda agora acaba de ser publicado um manifesto assinado por mais de 300 juristas brasileiros, fazendo a exigência de apuração dos fatos, a partir de dados já conhecidos e contando com as informações existentes nos arquivos das instituições que empregavam os torturadores. Um ponto que deve ser ressaltado é que os signatários desse manifesto não são animados por um sentimento de vingança mas exigem Justiça, que se obtenha a punição dos criminosos pelos meios legais, mediante processos judiciais regulares, ficando assegurada aos acusados a ampla defesa, como exige a Constituição. A impunidade de criminosos é uma agressão a toda a sociedade, pois significa a negação da ordem jurídica e a concessão de privilégios para delinqüir, o que é muitíssimo mais grave quando se trata de criminosos contra a humanidade, como é o caso dos torturadores.

Em defesa da impunidade dos torturadores tem-se alegado que eles foram anistiados pela Lei da Anistia, a lei número 6683, de 1979, segundo a qual ficaram anistiados os que cometeram crimes políticos ou conexos. Quanto a esse ponto, basta lembrar que, em vários tratados e convenções internacionais assinados pelo Brasil desde 1945, como a Carta da ONU de 1945 e as Convenções de Genebra de 1949, assim como na jurisprudência uniforme dos tribunais internacionais, esse tipo de crime foi definido como crime contra a humanidade, muito mais grave do que o crime comum e por isso imprescritível.

Alguns defensores da impunidade dos torturadores vêm tentando alegar que eles foram beneficiados pela Lei de Anistia, porque cometeram crimes políticos. Isso é absolutamente falso e inconsistente, pois os torturadores que atuavam em estabelecimentos militares e civis eram servidores pagos pelo Estado, eram, portanto, profissionais e não membros de movimentos políticos que atuassem nesta condição. Praticavam a tortura porque eram pagos para isso e requintavam nas violências porque eram sádicos, que se compraziam na imposição de sofrimento às suas vítimas.

A par da busca de ocultação dos fatos para resguardar a imagem dos superiores, a tentativa obstinada de impedir a punição dos torturadores tem também outra motivação. Um dos motivos é justamente o fato de que está sendo reclamada a realização de processos regulares, para a identificação precisa dos torturadores e o conhecimento pormenorizado das circunstâncias da tortura.

Isso levará, entre outras coisas, à revelação de muita corrupção praticada pelos dirigentes dos estabelecimentos ditos de segurança, pois, obviamente, os instrumentos de tortura, como a famigerada "cadeira do dragão", foram comprados sem licitação e sem qualquer outra espécie de controle dos gastos com dinheiro público. Esse é um dos motivos da obstinada resistência à apuração dos fatos. Por tudo isso, o movimento nacional exigindo a punição justa dos torturadores deverá prosseguir até que o povo consiga esse resultado, como conseguiu impor o término da ditadura.